Caso Rússia: ex-ministros dão benefício da dúvida ao Governo

Antigos responsáveis pela diplomacia dão tempo ao Governo para medir resposta ao Kremlin, por realismo ou falta de provas irrefutáveis. Mas é preciso não desalinhar, avisam.

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Vladimir Putin, Presidente da Rússia EPA/ALEXEI DRUZHININ / SPUTNIK /

“A posição de Portugal é evolutiva, vamos ver o que se vai passar”, afirma, ao PÚBLICO, o embaixador António Martins da Cruz, chefe da diplomacia do Palácio das Necessidades entre 2002 e 2003 com Durão Barroso e assessor diplomático na década de Cavaco Silva em São Bento. O antigo diplomata não acredita que a decisão de Lisboa de chamar a consultas o embaixador em Moscovo, Paulo Viseu Pinheiro, pelo envenenamento de um espião e não optar, como outros membros da NATO e da União Europeia (UE) pela expulsão de funcionários russos, se deva à pressão dos apoios à esquerda do Governo de António Costa. Ana Paula Zacarias, secretária de Estado dos Assuntos Europeus, deu uma pista. Revelou esta quarta-feira no Parlamento que são apenas três os diplomatas lusos na capital russa. Donde, a retaliação russa em caso de expulsão, poderia ser um embaraço e deixar a delegação num ridículo de baixo mínimos.

“Não quero crer que seja por razões internas ou pela eleição, a 5 de Outubro de 2016, de António Guterres para secretário-geral das Nações Unidas com o apoio da Federação Russa que não há expulsão de diplomatas russos”, precisa Martins da Cruz. Se assim fosse, qualquer secretário-geral da ONU ficaria refém de quem o apoiava, sem margem de manobra.

Razões internas foram as que esta quarta-feira o líder da bancada do PSD atribuiu à decisão “tímida” do Ministério dos Negócios Estrangeiros na condenação do envenenamento do ex-espião russo e agente duplo Serguei Skripal e sua filha na localidade de Salisbury, nos arredores de Londres. “A única explicação que encontro, num PS que foi sempre atlantista, é de se sentir condicionado pela aliança com PCP e BE”, afirmou Fernando Negrão, defendendo a expulsão de diplomatas russos. Já o Bloco de Esquerda avaliou positivamente a decisão do ministério de Augusto Santos Silva. “É prudente que o Governo português não queira fazer parte desta escalada”, comentou Catarina Martins.

“Portugal não se pode singularizar ao não acompanhar os aliados da NATO e da União Europeia (UE) e adoptámos uma medida intermédia, chamar o embaixador a consultas. Porventura estamos a ter demasiada prudência, mas ainda não passámos o ponto de não retorno”, admite Martins da Cruz. O antigo ministro está certo da coordenação de Lisboa com os aliados da NATO e da UE. E sustenta que nada está resolvido: “A situação não está fechada, vamos ver qual vai ser a resposta dos russos que admito que vá para além da simetria”, antevê. Seria o cenário de uma escalada de Moscovo.

“O Governo português não fechou as portas a nada, para já chamou o seu embaixador a consultas mas há um carácter dinâmico e pode vir a tomar outra atitude, no limite a expulsão de diplomatas russos”, pondera Francisco Seixas da Costa, antigo secretário de Estado dos Assuntos Europeus nos Governos de António Guterres e ex-embaixador nas Nações Unidas.

“A Rússia optou por deixar de ser respeitada e passar a ser temida, a confirmar-se a responsabilidade russa na tentativa de assassinato de Skripal e da sua filha, e depois do que se passou na Ucrânia que levou às sanções comerciais da UE, é um comportamento que não está à altura de um Estado membro do Conselho de Segurança das Nações Unidas”, comenta Seixas da Costa. “As reacções, no entanto, têm de ser medidas”, pondera.

“Este modelo de expressão de solidariedade aos britânicos é um pouco bizarro, seria muito mais adequado que fosse consensualizado no quadro da NATO e da UE, este é um procedimento um pouco ad hoc”, aponta o antigo secretário de Estado. “Percebo a lógica subjacente a este tipo de solidariedade, mas seria mais cordial e mais robusta uma atitude global da NATO e da UE”, refere.

Depois da onda expulsões de diplomatas e funcionários de embaixadas, aguardam-se as provas que os britânicos ponham em cima da mesa. Trata-se de um processo que demora tempo, mas nalgumas chancelarias há prudência, aponta um antigo ministro que, depois, em Bruxelas viveu o volte-face da Guerra do Iraque por não se encontrarem armas de destruição maciça. Ainda não estão esquecidas as garantias dos Estados Unidos e do trabalhista Tony Blair. “Aquilo que os ingleses apontam como provas irrefutáveis não o são ainda, a prudência depende da consistência das provas”, alvitra.

Este argumento, contudo, não é assumido como tal em Lisboa. Uma fonte do MNE diz-se ciente de que não haverá provas irrefutáveis admitindo, aliás, que esse comportamento faz parte do padrão russo. Mas o certo é que, na Assembleia, a secretária de Estado dos Assuntos Europeus afirmou esperar que na próxima reunião de MNE dos 28, a 14 de Abril, possam existir já as peritagens que facilitem uma acção mais concertada. “Isto é um processo evolutivo”, sublinhou Ana Paula Zacarias.

Um antigo ministro dos Estrangeiros do PSD não põe reparos à decisão de Santos Silva. Só espera que, assim, seja possível ganhar algum tempo. O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, não destoou nesta unanimidade ao dizer esta quarta-feira que Portugal é - e quer ser - fiel à UE e à NATO. Isso sim: reagindo com “inteligência e sensatez” aos “riscos de hoje”, numa referência implícita ao caso “Skripal”.

Em 28 de Fevereiro último, Augusto Santos Silva avistou-se com o seu homólogo russo em Moscovo, a segunda visita à capital russa depois de uma estada no Verão de 2016 marcada pelas rondas negociais para a eleição de Guterres. Do encontro com Serguei Lavrov não foi possível marcar a visita do ministro russo a Lisboa. “Não foi possível organizá-la em 2017 mas poderá ser possível realizá-la em 2018”, disse.

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