A poderosa BlackRock ameaça desinvestir na indústria das armas

A maior gestora de fundos do mundo quer pedir mais responsabilidade às empresas norte-americanas pela forma como os produtos que produzem e vendem são usados.

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Campo de treino de tiro na Florida, em que uma criança de dez anos está a praticar Joe Skipper/REUTERS
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Armas à venda nos Estados Unidos Reuters/EDUARDO MUNOZ

A BlackRock, a maior gestora de investimentos do mundo, pondera oferecer aos seus clientes a possibilidade de investir em fundos que excluam empresas que fabriquem ou vendem armamento. Ao mesmo tempo, a maior accionista de duas das mais importantes empresas norte-americanas do sector apela aos fabricantes para monitorizarem de forma mais eficaz a segurança e o uso das armas que produzem.

O anúncio segue-se ao massacre numa escola no estado norte-americano da Florida, que vitimou 17 pessoas — um acontecimento que a BlackRock diz que não pode ficar sem resposta.

A 14 de Fevereiro, um ex-aluno de 19 anos da escola secundária Marjorie Stoneman de Parkland, nos EUA, entrou no estabelecimento e baleou estudantes, professores e funcionários, matando 17 pessoas e ferindo outras 14. O autor do massacre, Nikolas Cruz, que utilizou uma arma semi-automática AR-15, comprada legalmente, confessou o crime e é agora acusado de homicídio premeditado

A BlackRock é a maior accionista da Sturm, Ruger & Co e da American Outdoor Brands (antes chamavam-se Smith & Wesson), fabricantes de armas de fogo, e também da cadeia de supermercados Walmart, a maior dos EUA, onde são vendidas armas — recentemente, e após o ataque na Florida, este gigante mundial da distribuição anunciou que vai deixar de vender armas semiautomáticas a menores de 21 anos. Dois outros grandes retalhistas — a Dick's Sporting Goods, e ainda a Kroger — fizeram o mesmo.

Estas empresas cederam à pressão de uma campanha de apelo ao boicote às armas, nascida da constatação de que é mais fácil comprar uma arma semiautomática nos EUA do que um revólver, que tem um período de reflexão.

Circulam listas e petições no Twitter e no Facebook com nomes de empresas associadas ao lobby das armas, ou de marcas que são propriedade de fabricantes de armas, em que se apela aos consumidores para que as boicote e aos retalhistas para que deixem de vender os seus produtos, diz o New York Times. O valor das acções de várias empresas está a cair.

Instrumento de morte

AR-15, uma semiautomática, é a arma mais utilizada nos homicídios em massa nos Estados Unidos. Foi assim na escola de Sandy Hook, San Bernardino, Las Vegas, ou, agora na Florida. Dispara uma bala de cada vez que se pressiona o gatilho, ao contrário das automáticas que disparam várias balas de cada vez que se carrega no gatilho.

O facto de só disparar uma bala de cada vez faz com que não seja, tecnicamente, uma arma de guerra, por isso foi legalizada a sua venda a civis. Só que há dispositivos à venda (os chamados bump stocks), por cerca de 100 dólares (81 euros) que as transformam basicamente numa arma automática, num instrumento de morte, que é o favorito dos assassinos em massa, escolhido para matar nas escolas, teatros, qualquer lugar público em que o objectivo seja descarregar balas rápida e cegamente. 

O Presidente Donald Trump propôs proibir estes dispositivos, mas a forma como propôs fazê-lo pode levar ao fracasso da medida — esse caminho foi já trilhado por Barack Obama e falhou.

O Presidente dos EUA pediu, numa ordem ao Departamento de Justiça, “mais esclarecimentos sobre a lei que restringe a venda de metralhadoras automáticas”. Só que, de acordo com a lei actual, a definição de uma arma automática não inclui qualquer referência a acessórios. Por isso, uma arma semiautomática não pode ser transformada em automática através de acessórios como o bump stock – apesar de este tipo de dispositivos aumentar a capacidade de fogo.

É um novelo jurídico no qual Barack Obama já se enrodilhou, e que deve levar este pedido de Trump igualmente a um beco sem saída. "Se o Presidente quiser realmente banir os bump stocks, terá de apoiar a nossa proposta de lei", disse no Twitter a senadora do Partido Democrata Dianne Feinstein. Legislar é a única saída.

Empresas mexem-se

"Como aconteceu a muita gente, a recente tragédia na Florida fez-nos ver bem o terrível preço a pagar pelo uso de armas de fogo", anunciou a BlackRock num comunicado publicado no seu site, acrescentando que é necessário agir na esfera pública e privada para combater o flagelo.

Esta decisão da BlackRock, que gere fundos no valor de mais de seis biliões de dólares (milhões de milhões), é a mais importante até agora anunciada por uma empresa desde o ataque na escola secundária Marjory Stoneman Douglas.

A gestora de fundos junta-se a várias grandes empresas que anunciaram medidas contra o lobby das armas de fogo. 

Diversas entidades privadas cortaram os seus laços com a poderosa associação de armas dos Estados Unidos, a National Rifle Association (NRA), entre as quais a seguradora MetLife e as companhias aéreas Delta e United Airlines, que deixaram de oferecer descontos aos seus membros.

Este aparente distanciamento de grandes empresas do lobby das armas pode ser mais eficaz a diminuir a influência da NRA na política americana do que os políticos, que se têm revelado muito incapazes?

A associação não desarma. Garante que estas empresas, que acusa de “vergonhosa cobardia”, serão substituídas por outras. E qualifica os seus opositores como “oportunistas”, criticando os jovens sobreviventes do massacre da Florida que têm pedido maior regulação do acesso a armamento, acusando-os de quererem revogar a segunda emenda da Constituição americana.

 

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