Juízes e Ministério da Justiça reiniciam negociações

Vital Moreira refere-se a ameaça de greve como “indecoroso radicalismo sindical” e fala em “regime de escandaloso privilégio corporativo”.

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Paralisação em Agosto poderá comprometer processo eleitoral FERNANDO VELUDO/ NFACTOS

Após ter ameaçado boicotar o processo eleitoral autárquico com uma greve, a Associação Sindical de Juízes Portugueses recebeu um convite do Ministério da Justiça para uma reunião de trabalho no próximo dia 14.

O encontro destina-se a discutir o novo estatuto profissional dos juízes, que foi alvo de uma proposta de revisão por parte do Governo que os magistrados consideram lesiva da sua independência. A associação sindical deverá fazer chegar à tutela esta terça-feira uma contraproposta, após um encontro inconclusivo realizado na semana passada.

Numa assembleia geral realizada no passado sábado, os juízes mandataram os seus representantes sindicais para marcarem uma paralisação para Agosto, uma vez que é nessa altura que ficará a seu cargo a tarefa de validação das listas de candidatos, sem a qual o processo eleitoral pode ficar comprometido. A deliberação saída da assembleia diz que o projecto de alteração estatutária do Ministério da Justiça é inaceitável, por colocar gravemente em causa a independência do poder judicial.

A associação sindical deu 15 dias ao Governo para a conclusão do processo negocial. Em causa estão normas como aquela que prevê que os juízes passem a ter de obedecer a “legítimas instruções” do presidente da comarca em que trabalham ou do Conselho Superior da Magistratura, órgão que superintende à classe. Algo que seria aceitável na maioria das profissões, mas que no caso dos juízes é considerado grave por as garantias de independência do seu trabalho assentarem também no facto de serem, ao contrário dos procuradores, uma magistratura sem hierarquias, para poderem exercer a sua função sem constrangimentos de nenhuma ordem. Normas deste tipo permitirão afastá-los de certos lugares ou de certos processos melindrosos, consideram os representantes sindicais, para quem as questões salariais também não são de somenos importância. O aumento do suplemento de ordenado de 620 euros que todos os juízes recebem, independentemente do seu salário-base, tem sido uma das reivindicações dos magistrados, que alegam que não são aumentados há década e meia e que não viram repostos todos os cortes que sofreram na época da troika.

Para o constitucionalista Vital Moreira, o Governo não devia manter qualquer contacto com o sindicato – e muito menos ceder àquilo que designa por chantagem. No blogue Causa Nossa, o socialista recorda que um dos instrumentos de que o Estado dispõe “para combater greves que ponham em causa interesses públicos essenciais” é a requisição civil, “com as inerentes sanções disciplinares e penais para quem não acatar as respectivas obrigações”.

“Não seria propriamente edificante para a imagem social dos juízes envolvidos”, observa Vital Moreira, para quem a dignidade da função judicial está a ser posta em causa pelo “indecoroso radicalismo sindical”. No entender do jurista, a paralisação “constitui uma provocação ao sistema constitucional, desde logo porque a greve de titulares de cargos públicos não dispõe de reconhecimento constitucional nem legal, mas também porque a intenção de perturbar o processo eleitoral põe manifestamente em causa o regular funcionamento das instituições”.

Caso acabe mesmo por haver um aumento salarial, será inadmissível estendê-lo às pensões, defende – uma vez que elas, “por efeito de um regime de escandaloso privilégio corporativo”, equivalem à remuneração recebida no exercício de funções. “Considero esta questão um teste político decisivo, especialmente tratando-se de um governo de esquerda, que deve respeitar o princípio da igualdade e, em especial, a rejeição de privilégios de tratamento na esfera pública. Pensões douradas na segurança social pública, não!”, termina Vital Moreira.

A ameaça de greve levou o presidente do Conselho Superior da Magistratura, Henriques Gaspar, a pedir uma audiência ao Presidente da República. Marcelo Rebelo de Sousa receberá o magistrado esta quarta-feira.

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