KPMG comunicou ao Banco de Portugal que o BES ia ter prejuízos de 3500 milhões

Comunicado foi feito a 28 de Julho

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BES liderou ganhos na bolsa de Lisboa Sara Matos

Ao longo dos últimos três anos, a KPMG avisou o Banco de Portugal (BdP) sobre a exposição do BES às holdings da família Espirito Santo, as práticas de gestão, o risco BESA e as "operações complexas e atípicas" com obrigações, acaba de referir o presidente da KPMG Portugal, Sikander Sattar, que esta tarde presta esclarecimentos no quadro da comissão de inquérito parlamentar à gestão e ao colapso do GES-BES, na Assembleia da República. Para Sattar havia uma boa articulação e confiança entre o BES, o seu presidente Ricardo Salgado, o BdP e a KPMG.

Sobre a exposição do BES ao BESA, este auditado pela KPMG Angola, Sattar salientou que "tendo em conta a garantia estatal angolana", entendeu não ser necessário pedir ao BES que constituísse uma provisão para fazer face à exposição (crédito em risco de cerca de 3000 milhões de euros) do banco português ao banco angolano. "Não havia dúvidas sobre a garantia soberana de Angola ao BESA, mas apenas sobre a sua elegibilidade para cálculos" de rácicos. "O BdP nunca pôs em causa a validade da garantia soberana."

A 23 de Junho por email, e depois em encontro no BdP, a KPMG comunicou "as averiguações sobre operações atípicas e complexas", envolvendo obrigações emitidas a desconto com recurso a quatro veículos e a um esquema de circulação via BES de Panama. E lembrou que a descoberta implicou um ajustamento nas contas do BES de 1200 milhões de euros (compromissos perante os clientes).

"Não cabe à KPMG fazer juízos sobre o aumento de capital" de mil milhões que o BES realizou em Maio e Junho de 2014, já depois de a auditora ter detectado as insuficências e as irregularidades no grupo. Tratou-se, segundo Sattar, de uma medida exigida pelo BdP e validada pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM). "A KPMG não teve qualquer responsabilidade na concepção do prospecto de emissão" do aumento de capital, que, incluiu os sinais de alerta da auditora sobre as contas do BES. 

Inquirido pelo PCP sobre o momento em que a KPMG apurou as perdas do BES de 3500 milhões, Sattar relatou: "No domingo de 27 de Julho ao final da tarde quantificamos os valores. E no dia 28 de Julho às 9h reportamos as nossas conclusões ao BdP."

"Quando se pergunta onde andaram os auditores externos, ficou demonstrado que a KPMG andou a detectar, a verificar, a quantificar e documentar para que os efeitos dos actos fossem devidamente reflectidos nas contas", concluiu. "O único poder de um auditor é o de fazer alertas, não tem outros poderes. Os alertas estavam lançados. E não cabe à KPMG" impedir que o BES tivesse colocado as obrigações [de empresas do GES insolventes] junto dos seus clientes, acrescentou.

O presidente da KPMG garantiu esta tarde aos deputados que as ênfases, ou seja, os alertas, levantados sobre várias operações datam de 2012, quando surgiram os sinais de que algumas operações se poderiam revelar negativas para o grupo, dada a exposição do BES e da ESFG à área não financeira, como a ESI e a Rioforte.

A KPMG foi desde 2002 o único auditor do sector financeiro do GES, BES e ESFG (que detinha a posição no banco). Inquirido pela deputada do Bloco de Esquerda se não seria aconselhável que as empresas mudassem mais vezes de auditores (a KPMG auditou as contas do BES durante 12 anos), Sattar explicou que "os da Caixa Geral de Depósitos e do Banco Português de Investimento estão há mais tempo" a auditar as duas instituições e que o "Barclays tem o mesmo auditor desde 1896".

Opção pelo fundo de resolução atirou o BES para a falência
"Qual foi o momento em que a KPMG informou o BdP sobre os problemas da ESI?" À pergunta do deputado do PS João Galamba, Sattar respondeu: "Em Novembro [2013]." Adiantou que o tema foi primeiro discutido com o BES e depois, a 26 de Novembro, a KPMG comunicou ao BdP que havia um problema na ESI (a holding tinha uma divida de 6000 milhões, dos quais 4000 estavam concentrados no BES e na ESFG). A KPMG voltou a falar com o supervisor em Dezembro. Na sequência, o BdP deu instruções á ESFG para constituir uma provisão de 700 milhões de euros para fazer face ao risco ESI, nomeadamente, à exposição do BES aos seus clientes (que tinham comprado divida da ESI). 

"É ou não verdade que todo e qualquer de separação do GES do BES tinha como resultado a falência do BES?” Concorda ou não que "todo e qualquer plano de separação do GES do BES bem-sucedido e dado que o GES, neste caso a ESI, dependia financeiramente do BES, implicaria a falência do banco?" O presidente da KPMG acabou por conceder: "compreendo a sua questão, mas deve perguntar a quem tomou a decisão." João Galamba concluiu: Com essa resposta, "vou depreender que é sim".

Galamba passou a abordar, então, a relação do BES com o BESA para inquirir Sattar sobre que "facto novo se registou em 2013 que tornou necessário pedir a garantia estatal [ao BESA] ao governo de Angola?" O presidente da KPMG reagiu: "Não posso falar pela KPMG Angola." Então, João Galamba pediu formalmente a ida do presidente da KPMG Angola à comissão de inquérito que, por acaso, é o próprio Sattar [que acumula as presidências da KPMG Portugal e Angola]. A reunião verificou-se, ainda durante a noite de terça-feira, mas agora à porta-fechada.

Perante nova pergunta do socialista – "confirma que no final de 2013, sem a garantia estatal angolana dada ao BESA, o BES era um banco falido?" –, Sattar alegou "não poder comentar contas que não existiram na altura. O que posso dizer é que a garantia era válida."

"Se Angola não era um problema no final de 2013, não era um problema em Janeiro de 2014, em Abril, em Julho, porque é que subitamente na medida de resolução, o BES é obrigado a provisionar a 100% a exposição ao BESA, ainda com a garantia angolana válida?", continuou Galamba: "O que posso dizer é que não fui responsável por essa decisão", respondeu o presidente da KPMG.

João Galamba terminou a sua intervenção, na primeira ronda de perguntas a Sattar, colocando em cima da mesa várias interrogações: "A 30 de Julho bastaria uma injecção de 1500 euros para o BES continuar a operar? E, três dias depois, após a divisão do BES em dois [BES tóxico e Novo Banco], passou a ser necessário 4600 milhões? Podemos concluir que foi o modelo de resolução que destruiu a garantia de Angola?" Sattar respondeu: "A sua análise é legítima, compreendo-a, mas não posso responder a ela."

"Em 2012 a KPMG Angola informou-nos" de que havia problemas informáticos e problemas processuais na avaliação das contas do BESA, mas não foram comunicados créditos em risco, daí não ter havido necessidade da KPMG Portugal ter imposto ao BES a constituição de uma provisão, recordou o responsável. Sattar lembra que só em 2013 é que os créditos concedidos aos grupos económicos pelo BESA foram considerados de risco pela crise imobiliária que se verificou em Angola e pelas novas avaliações feitas às hipotecas, mas "como foi dada a garantia soberana" pelo Estado angolano [no final de 2013] não se exigiu ao BES a criação de uma provisão. Recorde-se que Angola apenas concedeu a garantia soberana no final de 2013.

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