KPMG aprova contas do BES Angola mas questiona empréstimos e aumento de capital

Mais de um terço dos créditos do banco angolano, equivalente a três mil milhões de dólares, estão ligados a actividades imobiliárias.

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Álvaro Sobrinho foi presidente executivo do BESA até ao final de 2012 Raquel Esperança

O Banco Espírito Santo Angola (BESA) recebeu uma garantia soberana irrevogável do Estado angolano no valor de 5700 milhões de dólares para cobrir empréstimos duvidosos no final de 2013, mas nem assim as contas do ano passado passaram incólumes pelo auditor.

Entre as reservas da KPMG Angola, datadas de dia 4 deste mês, estão empréstimos de um valor equivalente a 384 milhões de euros concedidos em 2013 a cinco entidades, no âmbito do financiamento de projectos imobiliários. De acordo com o relatório do auditor, o nível de capitais próprios das sociedades em causa “é significativamente reduzido quando comparado com o nível de investimento”.

Além disso, a KPMG diz que não conseguiu “confirmar a capacidade financeira de geração de cash-flows“ destes projectos, de modo  a poder concluir “que a maioria dos riscos e benefícios associados a estes projectos pertencem aos detentores de capitais destas sociedades”. A empresa, que diz ter tido acesso à discriminação das sociedades ligadas ao grupo bancário, afirma não conseguir “se o perímetro de consolidação do banco deveria incluir” as cinco sociedades em causa.

A questão da falta de transparência dos financiamentos do BESA foi, aliás, a razão que levou a intervenção do presidente angolano, José Eduardo dos Santos, quando avançou, a 31 de Dezembro de 2013, com a emissão de uma garantia válida por 18 meses no valor de 5700 milhões de dólares (4243 milhões de euros).

Este valor, que corresponde a cerca de 72% dos créditos concedidos pelo BESA (7894 milhões de dólares, a que se somam mais 240,3 milhões de provisões para créditos já registados como sendo de liquidação duvidosa), cobre créditos concedidos sem controlo.

De acordo com o Expresso, que cita uma reunião protagonizada entre o actual presidente executivo, Rui Guerra (no cargo deste o início de 2013) e os accionistas no final de Outubro de 2013, há 4100 milhões de dólares que foram concedidos a vários grupos de clientes sem que se conheça os verdadeiros beneficiários.

Depois, há ainda 1624 milhões que o Expresso diz serem “clientes da administração identificado”. Ainda de acordo com o mesmo jornal, o ex-CEO, Álvaro Sobrinho, que geriu o banco durante uma década (saiu em meados do ano passado após ter passado a presidente não executivo), terá beneficiado de um valor total de 745 milhões. Ao semanário, Álvaro Sobrinho afirmou que sempre actuou de acordo com as práticas vigentes no banco e “em conjunto com o conselho de administração” do BESA.

Forte exposição
O total dos créditos concedidos pelo BESA estava em 8135 milhões de dólares no final do ano passado, mais 1,1 mil milhões do que em 2012. Deste valor, mais de um terço, equivalente a três mil milhões, foi canalizado para “actividades imobiliárias, alugueres e serviços prestados às empresas”, seguindo-se as “actividades financeiras”, responsáveis por empréstimos de 1869 milhões.  O BESA é um banco com um forte endividamento, já que o rácio de transformação de depósitos em créditos ronda os 180%.

Sobre a garantia bancária concedida por Eduardo dos Santos, a KPMG sublinha que esta cobre a exposição da instituição, embora recorde que, à data de Dezembro de 2012 (a que se reporta uma auditoria independente), “não foi possível obter a identificação efectiva das operações de crédito que foram objecto de reestruturação e do grupo económico em que cada cliente se insere”, pelo que fica por conhecer a devida adequação das provisões. Além disso, a KPMG tem ainda reservas sobre algumas deduções fiscais e sobre parte do aumento de capital realizado em 2013.

No primeiro caso, refere-se que o BESA tem vindo “a considerar dedutíveis, nos exercícios até 2011, proveitos financeiros associados a operações com o Estado angolano”, sem que apresente dados que comprovem se tal está “alinhado com a legislação angolana”.

No segundo caso, sobre o aumento de capital, a maior parte foi em dinheiro (500 milhões de dólares), mas outra, mais pequena (cerca de 19 milhões de dólares), foi através de uma actualização monetária do capital já realizado, “reconhecido por contrapartida do exercício”. Uma estratégia que a auditora diz não estar conforme as regras, fazendo com que o capital social esteja actualmente sobrevalorizado.

Actualmente, o BES tem 55,7% do capital, a Portmill (ligada ao General Manuel Hélder Vieira Dias Júnior, conhecido por Kopelipa) detém 24% e a Geni (ligada a o general Leopoldino Fragoso do Nascimento, “Dino”) é dona de 18,99%.

Na sua exposição, a KMPG adianta que, apesar da actual protecção da garantia estatal angolana, o BESA deve avaliar a necessidade de um novo aumento de capital, de forma a “manter o cumprimento com os requisitos mínimos em termos de fundos próprios”. Esta será, aliás, a solução que está a ser desenhada para o futuro do banco, conforme foi reiterado ontem pelo Jornal de Negócios, com uma diluição da posição do BES. Não se sabe, no entanto, quem é que iria entrar no capital, ou se seriam os outros accionistas a reforçar a sua posição, com o apoio do presidente angolano. Seja como for, será sempre necessário conhecer as perdas reais que o banco terá de registar.

Para já, o BESA, que vendeu o empreendimento imobiliário FILDA (Feira Internacional de Angola) com uma menos valia, continua a ter planos para o futuro, incluindo o lançamento de uma corretora e de um banco de investimento.

A relação com o BES
A relação entre o BESA e o BES é um capítulo importante no dossier aberto pelas investigações ao segundo maior banco português que está de novo a ser reavaliado a pedido da nova gestão que toma posse na próxima quinta-feira, com trabalhos encomendados ao Deutsche Bank e que não deverão deixar de fora a relação accionista e comercial entre os dois bancos.

Há ainda uma linha de crédito concedida pelo BES ao BESA de três mil milhões de euros. E foi Ricardo Salgado quem foi a Luanda pedir às autoridades angolanas que cobrissem as verbas em risco no BESA, recebendo depois a garantia estatal de cinco mil milhões.

Mas o aval público dado por Luanda ao BESA não é esclarecedor sobre quais os empréstimos que protege ao referir-se apenas a certos “créditos específicos”. O que deixa a questão em aberto: se o BES pedir o pagamento dos três mil milhões euros a garantia será accionada? Vítor Bento sabe que o Estado angolano responde perante os seus cidadãos o que constitui uma contingência nas negociações entre o BES e o BESA.

Ao mesmo tempo que decorrem as relações comerciais luso-angolanas, o governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, encomendou uma nova auditoria ao BES, mas agora forense. O que indicia que há suspeitas de factos ou de operações envolvendo ilícitos criminais.

Na semana passada ficou ainda a saber-se que no quadro da Operação Monte Branco o Ministério Público está a investigar a venda fictícia da ESCOM, detida pelo GES, à Newbrook, empresa angolana ligada a Álvaro Sobrinho. As autoridades nacionais procuram o rasto a 60 milhões de euros, parte de um sinal de cerca de 85 milhões de euros, que foi entregue hipoteticamente a Salgado por contrapartida da venda da ESCOM, mas que não terão chegado ao GES. Neste capítulo há transferências que passaram pelo BESA.

Qualquer que seja solução que as autoridades angolanas encontrarem para o BESA tenderá a ser discreta e resolvida fora dos holofotes públicos.

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