Troika diz que desde que se foi embora o Governo parou de se esforçar

Processo de consolidação orçamental parou e impulso de reformas estruturais foi travado, criticam a Comissão Europeia e o FMI. A troika está convencida que Portugal, sem programa, já está a ir pelo caminho errado.

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Troika volta a Portugal dentro de seis meses Nuno Ferreira Santos

Depois de três anos de relatórios com vários elogios intercalados por alguns alertas e recomendações feitos de forma diplomática, a troika fez esta quarta feira a sua análise mais pessimista em relação aos desafios que enfrenta a economia portuguesa, com várias críticas ao que diz ser uma paragem no esforço de reforma feito pelo Governo.

A mudança de discurso acontece nos comunicados emitidos pela Comissão Europeia e pelo Fundo Monetário Internacional esta quarta-feira no final da primeira visita destas instituições a Portugal desde final do programa da troika em Maio. Foi a primeira de várias monitorizações pós programa que irão continuar a ser feitas até que Portugal pague a maior parte dos seus empréstimos e veio mostrar que, ao fim de seis meses fora do país, a troika acha que Portugal já está a ir pelo caminho errado.

São duas as áreas em que Bruxelas e FMI vêem mais erros: a tarefa de redução do défice e a realização de reformas estruturais que ajudem o país a crescer. Em ambos os casos, a troika diz que, face à sua ausência, o Governo deixou de se esforçar.

Em primeiro lugar, o défice. A Comissão Europeia já tinha previsto na terça-feira que o saldo negativo das contas públicas seria de 3,3% no próximo ano, em vez dos 2,7% previstos pelo Governo e dos 2,5% que tinham sido prometidos à troika. Agora, o FMI faz uma análise semelhante, apontando para um défice público em 2015 de 3,4%.

Para além disso, em relação ao défice estrutural – que mede o verdadeiro esforço de consolidação orçamental feito por um país e que o Tratado Orçamental europeu diz que se devia reduzir 0,5 pontos percentuais por ano – a Bruxelas diz que irá agravar-se em 0,4 pontos no próximo ano e o FMI em 0,3 pontos.

O FMI explica estas previsões mais pessimistas com o facto de assumir “projecções macroeconómicas e de receita mais conservadoras”, enquanto a Comissão Europeia fala em “hipóteses menos optimistas sobre o impacto orçamental da evolução macroeconómica e das medidas de consolidação”.

É com base nestes números que FMI e Comissão Europeia criticam a atitude do Governo nos últimos meses em relação às finanças públicas. O Fundo não tem dúvidas em afirmar que “o esforço de consolidação orçamental prepara-se para ser travado em 2015, adiando mais uma vez o inevitável ajustamento orçamental adicional que é necessário para garantir a sustentabilidade da dívida pública”. Prevê por isso que “na ausência de novas medidas de consolidação em 2015 e no médio prazo, o défice projectado irá continuar a divergir dos compromissos de médio prazo assumidos pelas autoridades portuguesas”.

A Comissão segue a mesma linha de pensamento e diz que “o esforço para reduzir o défice estrutural orçamental subjacente diminuiu claramente” desde a saída da troika do país.

Em relação às reformas estruturais a mesma ideia. Comissão Europeia e FMI dizem que sem novas medidas que tornem o país mais competitivo, o país não vai conseguir prolongar por muito tempo uma aceleração do crescimento e mais criação de emprego, e alertam para a mudança de padrão de crescimento, mais baseado no consumo e menos nas exportações, a que se tem assistido nos últimos meses.

Para mudar esta tendência, FMI e Comissão Europeia repetem uma receita já muitas vezes prescrita: o país precisa de mais reformas estruturais, seja no mercado de trabalho, seja em mercados protegidos da concorrência como a energia, que o tornem mais competitivo face ao exterior.

O problema, dizem, é que, em vez de cumprir a receita, o Governo tem vindo nos últimos meses a fazer precisamente o contrário. A Comissão Europeia fala de uma diminuição de empenho do Governo e diz que “o ritmo das reformas estruturais parecer ter diminuído consideravelmente desde o final do programa, tendo, em alguns casos, invertido os resultados obtidos no passado”. O FMI afirma que o “impulso global de reforma, particularmente em áreas cruciais para a competitividade externa parece ter sido travado desde a expiração do programa”.

Tanto a Comissão como o Fundo apenas dão um exemplo concreto do que dizem ser o recuo do Governo nas reformas estruturais: o aumento do salário mínimo nacional decidido em Outubro. “A decisão de aumentar o salário mínimo poderá tornar ainda mais difícil a transição para o mercado de trabalho para os grupos mais vulneráveis”, diz Bruxelas, enquanto o FMI defende que esta decisão “vai tornar mais difícil para os trabalhadores não qualificados manter e encontrar novos empregos”.

A situação do sector financeiro nacional, que depois da saída da troika assistiu ao colapso do BES, também mereceu comentários dos responsáveis da Comissão e do FMI. Neste caso, a actuação das autoridades na resolução do BES não foi criticada, afirmando-se apenas que a estabilidade financeira foi, por agora, assegurada. Mas foi deixado um aviso: “para o futuro, a estratégia das autoridades para o Novo Banco vai ter de conseguir um equilíbrio entre preservar a estabilidade financeira e salvaguardar as finanças públicas”.

É só um acompanhamento
A reacção do Governo a estas críticas foi rápida, emitindo o seu próprio comunicado sobre o final da primeira monitorização pós-programa. Apesar de afirmar que levará em conta os alertas feitos em relação ao perigo de incumprimento das metas orçamentais em 2015, o Executivo diz que foram explicadas à troika as medidas de consolidação que irão ser aplicadas no próximo ano e demonstrados “os progressos registados em matéria de reformas estruturais”.

Esta tarde, o primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, afirmou, citado pela Lusa, que há "divergências [com Bruxelas e FMI] na maneira como se valorizam determinados elementos", mas acrescentou que existe "acordo" sobre a necessidade de "continuar com uma agenda de reformas estruturais".

No comunicado enviado pelas Finanças, o Governo diz também que “perante os desenvolvimentos recentes da economia portuguesa e os dados disponíveis da execução orçamental em 2014, as projecções subjacentes à proposta de Orçamento do Estado se mantêm adequadas” e reafirma “o compromisso firme de garantir, em 2015, a saída de Portugal do Procedimento por Défice Excessivo”, ou seja, de atingir um défice público inferior a 3%.

Para cumprir esse objectivo, o Executivo não coloca de lado a possibilidade de ter de tomar medidas adicionais. “A evolução económica e a execução orçamental continuarão a ser permanentemente monitorizadas pelo Governo, por forma a atempadamente ajustar a sua estratégia caso venha a revelar-se necessário”.

Ainda assim, o Governo deixa claro que, agora, dar essas garantias vagas é suficiente, uma vez que, com o programa da troika já terminado, já não é preciso negociar. “Neste novo contexto, não há mais lugar a negociação com as instituições, mas sim a um acompanhamento dos desenvolvimentos na política orçamental e na economia portuguesa”, diz o comunicado das Finanças.

O que a troika diz sobre Portugal

Principais alertas:

- A economia está a crescer à base de mais consumo, o que não é sustentável devido ao elevado nível de endividamento.

- O ritmo de concretização das reformas estruturais abrandou e, em alguns casos, até se registaram recuos, adiando ganhos de competitividade.

- A correcção dos desequilíbrios das finanças públicas está a ser adiado, com as projecções para o défice em 2015 a serem demasiado optimistas.

- Continua-se a assistir a episódios de elevada volatilidade nos mercados de dívida pública europeus, o que significa que financiar o elevado endividamento do Estado continua a ser uma tarefa com bastantes riscos.

Recomendações:

- Regressar a um impulso de reformas estruturais, nomeadamente garantindo que os aumentos salariais não ultrapassam o aumento da produtividade e forçando a abertura de mercados protegidos como a energia.

- Adoptar novas medidas de consolidação orçamental para cumprir as metas do défice definidas inicialmente para 2015 (2,5%) e garantir uma redução do défice estrutural mais próxima dos 0,5 pontos percentuais.

- Reforçar a resistência do sector bancário, de forma a que este possa suportar sem novos incidentes o cenário de baixa rendibilidade que se deverá continuar a fazer sentir no futuro.

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