Grécia, Merkel, Juncker

Perante a devastadora crise dos refugiados, Merkel está a mostrar o estofo de uma verdadeira líder.

1. No último artigo como director do Expresso, Ricardo Costa escreveu uma das mais certeiras prosas sobre o lugar de Angela Merkel na política europeia. Já vários outros – quiçá não tantos assim – disseram o mesmo. Mas não de forma tão directa, lapidar e económica. Perante a devastadora crise dos refugiados, em que toda a União Europeia e os seus valores estão postos à prova, Merkel está a mostrar o estofo de uma verdadeira líder. Daquelas grandes lideranças que só se revelam nos momentos críticos e dramáticos da história dos povos. Dá sinais de uma tenacidade à prova de bala, que vai à frente dos sentimentos imediatos e primários da opinião publicada e de alguma opinião pública particularmente intoxicada. Em rigor, não está sequer tão distante do sentimento dos povos dos países europeus. Os dados do estudo de opinião da Fundação Bertelsmann, de 16 de Fevereiro, revelam que uma avassaladora maioria dos cidadãos europeus (em especial, na Alemanha, França e Reino Unido) apoiam a visão da chanceler em matéria de acolhimento e distribuição dos refugiados. Mais, mesmo nos países de leste, designadamente de Visegrado, embora com uma diferença assinalável, a maioria da população aprova o pensamento de Merkel. Os números, válidos para o universo dos 28 países, são impressivos: 79% dos cidadãos europeus apoiam uma política europeia (e não simplesmente nacional ou partilhada) de asilo e imigração e igualmente 79% dos cidadãos europeus apoiam uma distribuição justa dos refugiados pelos 28 países. Como se isto não bastasse 87% entendem que deveria haver uma política comum de defesa das fronteiras e cerca de 67% defendem que os países que recusem receber refugiados deveriam ser objecto de uma qualquer forma de sanção ou penalização. Afinal, bem vistas as coisas, Merkel e, já agora, Juncker, Renzi e Tsipras nem sequer lutam contra a corrente…

2. Para quem conheça bem os meandros da erradamente chamada crise das dívidas soberanas – e a isso alude ainda Ricardo Costa –, o papel da chanceler alemã não foi, nem de longe nem de perto, o papel de “bruxa má” que, aqui e um pouco por toda a periferia europeia, tantos lhe assacaram. Basta dizer que Merkel foi uma intrépida defensora da Grécia nos momentos mais difíceis, contra muitos outros líderes europeus e contra alguns dos mais destacados membros do seu Governo e do seu partido (bem como da suposta opinião pública alemã). Aqui seria tremendamente injusto não referir a posição absolutamente intransigente da manutenção da Grécia no euro por parte de Durão Barroso e da sua Comissão – que muito fizeram para convencer e ajudar a que a chanceler germânica ficasse do seu lado. E até um papel mais modesto, mas relevante, de van Rompuy, anterior Presidente do Conselho. Claro que Merkel não foi – em grande parte porque não pôde, por razões eleitorais e partidárias internas e por pressões de outros países do euro – tão longe quanto gostaria e quanto deveria. Mas sem ela, o drama grego teria sido outro e a tragédia europeia, sempre anunciada, estaria já em pleno palco.

3. A propósito da crise dos refugiados, o papel liderante e positivo de Angela Merkel é ainda mais ostensivo e manifesto. A chanceler alemã tem sido uma defensora incansável da liberdade de circulação e do salvamento do sistema de Schengen. Tem sido – e com inteira razão – a maior e mais visível defensora da Grécia, do governo helénico e da manutenção do país no sistema de Schengen. Se há pessoa que se tem publicamente pronunciado para denunciar a situação de pré-catástrofe humanitária e para mostrar a sua solidariedade com o Primeiro-Ministro Tsipras, neste particular, é Angela Merkel. E está totalmente certa. As posições dos países de Visegrado, com a sua intolerância aos refugiados, é inaceitável e totalmente contrária aos valores europeus. As posições ambíguas de Cameron e da dupla Hollande-Valls são também insustentáveis. Já para não falar da Áustria e dos países balcânicos – que numa espécie de eixo nostálgico do romantismo austro-húngaro – quiseram mesmo estrangular a Grécia. Ora, pela enésima vez, escrevo, com sublinhados, que, por muitas falhas por que possa ser responsável, ninguém de bom senso pode ostracizar ou diabolizar a Grécia. A situação geo-política, a debilidade económica e infra-estrutural, os custos astronómicos do acolhimento de milhares de migrantes por dia não são de molde a propiciar acusações e julgamentos simplistas. O endosso do problema que, durante anos, a União Europeia fez para a Itália e a Grécia constituiu um erro crasso.

Também aqui, e mais uma vez, a Comissão Europeia está do lado certo, convicta e assumidamente pela voz do seu Presidente Jean-Claude Juncker. Não, não são as instituições europeias – pelo menos as comunitárias – que estão a fraquejar. Pode parecer incrível: mas, de acordo com as regras europeias, é mais fácil dar ajuda humanitária ao Mali ou à Moldávia do que a um dos 28 estados-membros. E preparemo-nos: em meados do ano vai ser preciso reforçar o orçamento comunitário por causa da crise dos refugiados e, mais uma vez, vai haver quem, não percebendo a transcendência do que está em jogo, queira incluir essas contribuições nacionais extraordinárias nos limites do défice.

4. Por esta altura, estou certo que António Costa já percebeu que Juncker, mesmo quando o adverte, admoesta e contradiz, o faz porque quer ajudar Portugal e quer ajudar o Governo português. E não tarda nada, perceberá (como Tsipras) que Angela Merkel está na mesma linha. O seu problema é que o Bloco de Esquerda e o PCP nunca perceberão. É isto que tenho dito e redito. Mas suspeito que, a mim, humilde europeísta, nem Costa nem o PS perceberão.

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