Decisões do BCE penalizam juros da dívida portuguesa

Diminuição do montante global de compras do BCE e manutenção das regras que limitam a aquisição de dívida portuguesa fazem os juros subir para mais perto de 4%.

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Vítor Constâncio e Mario Draghi anunciaram medidas do BCE esta quinta-feira Reuters/RALPH ORLOWSKI

Se dúvidas ainda houvesse da forma como o rumo das taxas de juro da dívida portuguesa estão dependentes daquilo que faz o Banco Central Europeu (BCE), esta quinta-feira Mario Draghi e os mercados encarregaram-se de as dissipar. Bastou um sinal de recuo do BCE no seu programa de compra de dívida e a ausência de medidas que libertem o banco central para comprar mais dívida portuguesa e as taxas de juro voltaram a subir, atingindo o valor mais alto desde Fevereiro e aproximando-se novamente da barreira dos 4%.

No meio de uma conjuntura cheia de riscos provocada pela incerteza política e crise bancária italianas, a importância para Portugal das decisões de política monetária do BCE ganham ainda mais força, porque existe a convicção entre os investidores de que, neste momento, aquilo que está a segurar os títulos de dívida portugueses (e de outros países periféricos da zona euro) a níveis sustentáveis é a acção da autoridade monetária europeia na aquisição de títulos de dívida.

Assim, da reunião do conselho de governadores desta quinta-feira esperavam-se, como factores positivos para Portugal, um prolongamento do programa de compras de activos do BCE que estava previsto terminar em Março, uma manutenção do ritmo de compras de dívida a nível europeu e uma mudança das regras que alargasse o montante da dívida pública portuguesa elegível para ser alvo das compras do banco central. Concluída a conferência de imprensa de Mario Draghi, percebeu-se que destas três potenciais boas notícias, apenas a primeira chegou a Portugal.

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O BCE anunciou realmente que, em vez de terminar em Março, o programa de compra de activos vai continuar a ser implementado pelo menos até ao final do próximo ano. São mais nove meses em que o banco central vai estar presente nos mercados como comprador, ajudando a manter mais baixas as taxas de juro.

Para Portugal, não há dúvida que este facto constitui um conforto importante. No entanto, esta era a notícia mais previsível de todas e o mínimo que os mercados esperavam ouvir de Mario Draghi.

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Menos agradável para Portugal foi ouvir que, em vez dos 80 mil milhões de euros mensais que tem vindo a comprar em toda a zona euro, o BCE irá passar a adquirir 60 mil milhões a partir de Abril. Como as compras efectuadas em cada país correspondem à percentagem do valor total equivalente à participação no capital do BCE, isto significa que o montante máximo potencial de compras de que Portugal pode vir a beneficiar irá reduzir-se.

Mas uma nova desilusão surgiu quando Mario Draghi se referiu a alguns detalhes das regras aplicadas ao programa de compra de activos. Portugal tem vindo a debater-se com um problema com essas regras: o BCE impõe a si próprio um limite de 33% para o máximo de dívida que pode deter de um determinado país ou de uma determinada série de obrigações.

E, no caso de Portugal, esses limites estão muito próximos de ser atingidos, o que já conduziu a que as compras do BCE de dívida portuguesa estejam a um nível mais baixo do que deveriam estar se se aplicasse apenas a regra da participação do país no capital do BCE.

Esta quinta-feira, Mario Draghi anunciou duas medidas que permitem ao BCE alargar os montantes de dívida elegível para o seu programa. O problema é que nenhuma delas beneficia Portugal.

Em primeiro lugar, o BCE passa agora a ter a opção de, se considerar adequado, comprar títulos com taxas de juro inferiores à taxa de depósito oficial do banco central, que neste momento está em -0,4%. Na prática, isto significa que o BCE passa a poder comprar uma parte importante das obrigações alemãs, que apresentavam taxas de juro muito negativas, e que por isso não faziam parte do leque de títulos elegíveis. Portugal não tem títulos de dívida com taxas de juro tão baixas, portanto não sai beneficiado com a medida.

Depois, o BCE anunciou também que pode passar a comprar obrigações com um ano de maturidade, quando antes o limite mínimo auto-imposto era de dois anos. Neste caso, alarga-se o leque de compras possíveis em vários países. Mas, também aqui, esse não é o caso de Portugal. Desde o início da crise do euro que o Tesouro não emite obrigações do tesouro com uma maturidade inferior a cinco anos. E os bilhetes do tesouro emitidos têm um prazo inferior a 365 dias, pelo que continuam a não ser elegíveis para as compras do BCE.

Em relação à medida que mais interessava a Portugal — o alargamento da percentagem de títulos de um país ou de uma série de obrigações que pode deter —, Mario Draghi explicou que o banco não avançou por causa de “constrangimentos legais”.

Nos mercados, a ideia que passou foi a de que, com a alteração destas regras, o que irá acontecer é que o BCE fica essencialmente com novas possibilidades de aumentar as suas compras de dívida alemã, a prazos mais curtos. E é por isso que a reacção dos investidores logo a seguir às declarações de Mario Draghi foi a de fazer descer ainda mais as taxas de juro da dívida alemã e penalizar as taxas de juro dos países periféricos.

As taxas e juro da dívida a dez anos de Portugal passaram, segundo os dados publicados pela Reuters, de 3,516% na quarta-feira para 3,744% no final desta quinta-feira. Esta subida coloca os juros da dívida portuguesa ao nível mais alto desde Fevereiro (quando existiam dúvidas em relação à aprovação do Orçamento português por Bruxelas) e mostra a pressão permanente que as actuais circunstâncias do mercado exercem sobre Portugal.

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