Como os bancos centrais traçam o rumo dos juros da dívida portuguesa

BCE abrandou compras de dívida portuguesa e, esta quarta-feira, decisão da Fed pode determinar ambiente geral dos mercados obrigacionistas.

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Janet Yellen e Mario Draghi têm uma influência decisiva na evolução dos mercados DAVID STUBBS/REUTERS

As decisões são tomadas longe de Portugal - em Washington e Frankfurt – mas o impacto é directo e imediato na evolução de um dos indicadores mais decisivos na evolução da política económica e orçamental do país. As taxas de juro da dívida têm variado nos últimos meses ao sabor, não só de factores internos, mas também daquilo que o Banco Central Europeu e a Reserva Federal norte-americana fazem e comunicam. E, durante as próximas semanas, enquanto o Governo prepara a sua proposta de OE para 2017, esta influência dos bancos centrais pode sentir-se ainda com mais evidência.

Um momento decisivo surgirá logo esta quarta-feira. O comité da Fed que decide o rumo da política monetária nos Estados Unidos irá anunciar as suas decisões e dar indicações mais claras daquilo que pretende fazer às taxas de juro. Em Dezembro, a entidade liderada por Janet Yellen tinha anunciado que, no decorrer de 2016, iria efectuar quatro subidas nas suas taxas de juro de referência, mas até agora ainda não concretizou qualquer dessas subidas, preferindo reunião após reunião esperar por sinais mais claros de uma recuperação da economia, do mercado de trabalho e principalmente da inflação.

A maior parte dos analistas espera que a mesma decisão de manter as taxas seja tomada esta quinta-feira, mas a opinião não é unânime e há também quem aposte na ocorrência de um anúncio surpresa de subida das taxas de juro.

Para Portugal, o rumo que irá ser seguido pela Fed irá determinar de forma decisiva qual será a evolução das taxas de juro dos seus títulos de dívida pública.

Uma manutenção das taxas de juro, acompanhada por mais um discurso em que Janet Yellen prometa uma grande prudência na retirada da política expansionista da Fed, poderia contribuir para uma descida geral das taxas nos mercados obrigacionistas, com efeitos positivos na dívida portuguesa.

Isto acontece porque nos mercados, uma das grandes questões em cima da mesa é a de se saber se os bancos centrais estão disponíveis ou não para continuar a lançar estímulos à economia sob a forma de taxas de juro ultrabaixas e mais impressão de dinheiro. 

Nas últimas semanas, a decisão do BCE de não reforçar as suas políticas expansionistas foi vista como mais um sinal de que as autoridades monetárias estão a esgotar a sua capacidade de intervenção e a reacção nos mercados foi uma subida dos juros dos títulos obrigacionistas. Em Portugal, que por causa de factores internos é um dos países europeus mais sensíveis a estas mudanças, as taxas de juro da dívida a dez anos passaram de perto de 3% no início de Setembro para quase 3,5% no início desta semana.

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Assim, se a Fed desse um sinal ao Mundo de que continua disponível para lançar estímulos à economia, mais uma vez sairia fortalecida a ideia de prolongamento de uma era de taxas de juro muito baixas principalmente nos EUA e na Europa.

Se pelo contrário, a Fed surpreender e subir taxas, a reacção poderá ser bastante forte no sentido de uma subida de taxas de juro, um fenómeno que poderia ser particularmente intenso no caso de Portugal.

BCE abranda compras

Em relação ao BCE, a influência que tem na evolução das taxas de juro portuguesas não se fica apenas nas suas decisões de política monetária para toda a zona euro. É verdade que o banco central, se anunciar que vai aumentar as suas compras de dívida dos países da zona euro, contribui para um efeito de descida dos juros geral nos mercados, mas durante os últimos meses tem vindo a ficar claro que Portugal pode não recolher a totalidade dos benefícios de uma decisão deste tipo.

O problema tem a ver com o facto de, segundo as regras do BCE, o banco central não poder ficar dono de mais de um terço dos títulos de dívida elegíveis de um determinado país e de, o caso de Portugal, esse limite estar mais próximo de ser atingido do que na maioria dos outros países porque o BCE já tinha no balanço um montante considerável dos seus títulos de dívida pública, adquiridos durante o auge da crise da dívida soberana. Isto é, o BCE corre o risco de, antes do final do seu programa de compras ficar sem dívida portuguesa disponível para adquirir.

Este problema é de tal modo real que quando o BCE reforçou o volume de compras de dívida no total da zona euro, Portugal acabou por não retirar benefícios directos dessa decisão. De acordo com os dados do banco central, as compras de dívida portuguesa até abrandaram e o peso das compras de dívida pública portuguesa no total das aquisições do BCE passou de 2,6% para 1,7%. Isto acontece precisamente para garantir que não se esgotam rapidamente demais os títulos de dívida portugueses elegíveis.

Em declarações ao PÚBLICO, fonte oficial do Banco de Portugal, explicou que “periodicamente, o montante de compras de dívida pública de cada jurisdição é calibrado de modo a assegurar que as mesmas serão mantidas até ao final do programa, que está previsto, pelo menos, até Março de 2017”. “Na eventualidade de o montante de dívida pública disponível para compra de um determinado país previsivelmente não ser suficiente para atingir o referido objectivo, até ao final do programa, iniciam-se as compras substitutas, de obrigações de emitentes supranacionais, de modo a preencher esse diferencial”, diz o banco que assegura que deste modo, “está sempre assegurado que as compras de dívida pública portuguesa irão ocorrer até à data final de implementação do programa”.

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