Nova estratégia para criar vacinas pode funcionar contra vários vírus

Estudo que será publicado no final desta semana avança com nova técnica para atacar vírus. Um dos investigadores acredita que estas vacinas poderão funcionar em muitos vírus que já conhecemos bem.

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Cientistas querem criar uma "vacina universal" Hannah Beier/REUTERS
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Cientistas da Universidade da Califórnia (Estados Unidos) revelaram uma nova estratégia para a vacina baseada em ARN que poderá ser eficaz contra qualquer estirpe de um vírus e inclusive segura para bebés e para quem tem o sistema imunitário enfraquecido. A futura existência desta vacina, ao atacar uma parte do genoma comum a todas as variantes, tornaria desnecessária a actualização de vacinas como a da gripe ou da covid-19. Apesar destes resultados iniciais, neste momento foi apenas testada em ratinhos.

A vacina, como funciona e uma demonstração da sua eficácia em ratinhos serão descritas num artigo publicado na próxima sexta-feira na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences, apesar de a divulgação ter sido já feita através de um comunicado da Universidade da Califórnia, em Riverside. O artigo científico ficará disponível na página da revista nessa data.

“O que quero destacar em relação a esta estratégia de vacina é que ela é ampla, aplicável a qualquer número de vírus, eficaz contra qualquer variante de um vírus e segura para um amplo espectro de pessoas. Esta pode ser a vacina universal que procurávamos”, afirma Rong Hai, virologista da Universidade da Califórnia e autor do artigo, citado no comunicado.

A procura de uma vacina universal tem décadas, mas as diferenças entre vírus, variantes dentro do mesmo vírus e a própria evolução destes patógenos dificulta este tipo de panaceia viral.

Por exemplo, todos os anos, os investigadores tentam prever as quatro estirpes do vírus da gripe com maior probabilidade de prevalecer no Inverno seguinte e a vacina é actualizada – devendo ser tomada anualmente, sobretudo pelas pessoas mais velhas ou com o sistema imunitário debilitado. O mesmo aconteceu com as vacinas contra a covid-19, que foram sendo reformuladas para atingir as diversas subvariantes que dominaram a circulação deste vírus.

Ao visar uma parte do genoma do vírus, que será comum a todas as estirpes desse vírus, a nova estratégia eliminará a necessidade de criar vacinas diferentes.

“Tradicionalmente, as vacinas contêm uma versão viva, morta ou modificada de um vírus. O sistema imunológico do corpo reconhece uma proteína no vírus e organiza uma resposta imunológica”, produzindo “células T [ou linfócitos T] que atacam o vírus e impedem a sua propagação” e “células B [ou linfócitos B] de memória que treinam o sistema imunológico” para evitar futuros ataques.

A vacina agora revelada “utiliza uma versão viva modificada de um vírus”, mas “não depende” da referida resposta imunitária. Por isso é que os investigadores depreendem que poderá ser tomada por bebés com um incipiente sistema imunitário ou por pessoas imunocomprometidas. Em vez de uma versão viva, esta estratégia depende de pequenas moléculas de ARN – que dão ordens e executam tarefas no nosso código genético – cujo objectivo será silenciar os genes causadores da doença.

Já há uma patente

“Um hospedeiro – uma pessoa, um rato, quem quer que esteja infectado – produzirá pequenos ARNs interferentes como resposta imunológica à infecção viral. Esses ARNs interferentes abatem então o vírus”, explica em comunicado Shouwei Ding, professor de microbiologia da Universidade da Califórnia e responsável pela equipa que assina o artigo científico.

Dado que os vírus causam doenças porque produzem proteínas que bloqueiam a resposta de ARNs interferentes​ do hospedeiro, a criação de um vírus mutante que não consegue produzir a proteína para suprimir o ARNs interferentes​, enfraquece o vírus.

“Ele pode-se replicar até certo ponto, mas depois perde a batalha para a resposta do ARNs interferentes​ do hospedeiro”, acrescenta Shouwei Ding. “Um vírus enfraquecido desta forma pode ser usado como vacina para reforçar o nosso sistema imunitário ARNs interferentes​”, defende.

A nova estratégia foi testada em ratinhos mutantes, sem linfócitos Te B. Nesta experiência, descobriu-se que com uma injecção de vacina os ratos ficavam protegidos de uma dose letal do vírus não modificado durante pelo menos 90 dias (alguns estudos mostram que nove dias em ratos equivalem aproximadamente a um ano humano). Mesmo os ratos recém-nascidos produzem pequenas moléculas de ARN interferente​, pelo que a vacina também os protegeu nestes casos.

A Universidade da Califórnia, em Riverside, já obteve uma patente nos Estados Unidos para esta tecnologia de vacinas com utilização de ARNs interferentes. O próximo passo dos investigadores é criar uma vacina contra a gripe para proteger as crianças.

“Se tivermos sucesso, as crianças deixarão de depender dos anticorpos das mães”, referiu Shouwei Ding.

Os cientistas dizem ainda que a hipótese de um vírus ter uma mutação capaz de evitar esta estratégia de vacinação será pequena. “Os vírus podem sofrer mutações em áreas não visadas pelas vacinas tradicionais. No entanto, neste caso, o alvo dos milhares de pequenos ARN é todo o seu genoma. Eles não podem escapar”, garante Rong Hai.

Com um processo de “corta e cola” da estratégia, os investigadores acreditam igualmente poder fazer uma vacina única para qualquer tipo de vírus. “Existem vários patógenos humanos bem conhecidos, como a dengue e os coronavírus. Todos eles têm funções virais semelhantes”, pelo que a nova estratégia “deve ser adequada a esses vírus”, adianta Sheiwou Ding.

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