Rico Wade (1972-2024), grande arquitecto do som do rap do Dirty South

O produtor, membro do grupo Organized Noize e da Dungeon Family, que unia OutKast, Goodie Mob, Killer Mike, Janelle Monáe ou Future, tinha 52 anos.

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Rico Wade num encontro no B Loft, Atlanta, em Maio de 2017 PRINCE WILLIAMS/getty images
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Foi na cave da mãe de Rico Wade, em Atlanta, na Geórgia, que se fundou o colectivo Dungeon Family, que ao longo dos anos foi envolvendo nomes como OutKast, Goodie Mob, Killer Mike, Janelle Monáe ou Future – que era, aliás, primo de Wade. Era, justamente a cave, a masmorra que deu o nome a esta família do hip-hop que ajudou a afirmar o sul dos Estados Unidos como o terceiro grande pólo do hip-hop americano, a seguir a Nova Iorque e Los Angeles. Wade, que morreu aos 52 anos, era um terço da unidade de produção Organized Noize, que foram responsáveis, não só dentro do rap, por êxitos de TLC – Waterfalls – ou En Vogue – Don't Let Go (Love) –, além de Ludacris, Bubba Sparxxx e vários nomes nados e criados naquela cave.

A notícia foi avançada por Killer Mike nas redes sociais no sábado e entretanto confirmada pela família ao The New York Times, que este domingo fez o seu obituário. A causa da morte não foi anunciada. Num comunicado publicado um dia depois na conta de Instagram dos Organized Noize pode ler-se: "O mundo perdeu um dos arquitectos mais inovadores da música e nós perdemos um amigo inestimável. Rico era o pilar dos Organized Noize e da Dungeon Family". Vem assinado tanto pelos Organized Noize quanto pela Dungeon Family. Os Organized Noize, que se formaram em 1992, eram formados por Wade, Sleepy Brown – cuja voz se ouviu em êxitos de Big Boi, dos OutKast, e de Beyoncé – e Ray Murray, músicos que se conheceram através de Tionne "T-Boz" Watkins, das TLC.

Mike e o resto da Dungeon Family não foram os únicos a prestar homenagem. O impacto de Wade era tal que o próprio presidente da câmara de Atlanta, Andre Dickens, emitiu um comunicado. Outras figuras a assinalar a morte incluem as próprias En Vogue, El-P, Questlove, Mike Will Made-It, The Alchemist, Juicy J ou ScHoolboy Q.

Bandas sonoras

A cave da mãe de Wade era, nos anos 1990, um local de experimentação. Os Organized Noize estavam na origem do movimento a que se chamou Dirty South, nome tirado do disco e single homónimos dos Goodie Mob, a banda de Cee-Lo Green, que mais tarde se notabilizou ele próprio como produtor e cantor de renome. Era com os OutKast, para quem produziram todo o disco de estreia, Southernplayalisticadillacmuzik, e parte significativa de ATLiens e Aquemni, bem como So Fresh, So Clean, êxito de Stankonia, que abraçavam ainda mais a excentricidade. Foi ao conhecer este grupo alargado que um ainda adolescente André 3000, o rapper hoje tornado flautista que foi metade dos OutKast, desistiu do liceu e decidiu dedicar a vida à música, e foram os Organized Noize que lhes proporcionaram o primeiro contrato discográfico, além de terem sido seus mentores. Lançaram as sementes para o som dos OutKast, feito de samples de soul e funk antigos e instrumentação ao vivo e em constante mudança.

No documentário de 2016 The Art of Organized Noize, realizado por Quincy Jones III para sublinhar a importância do grupo, Wade falava com alguma mágoa de alguns dos maiores êxitos tardios dos OutKast - numa altura em que André 3000 estava cada vez mais interessado em produção - não terem envolvido os Organized Noize, e a contribuição deles ter sido ignorada em discursos de agradecimento nos Grammy. Speakerboxxx/The Love Below, de 2003, é o disco de rap mais vendido de sempre nos Estados Unidos, mas só conta com a voz de Sleepy Brown. Não foi uma cisão: os Organized Noize voltaram aos créditos de Idlewild, a banda sonora do filme dos OutKast, realizado por Bryan Barber. E trabalharam também com Big Boi a solo.

Bandas sonoras foram, aliás, algo em que os Organized Noize foram pródigos. Produziram faixas para filmes como CB4, o mockumentary de Tamra Davis com Chris Rock, Sementes de Raiva e Shaft, de John Singleton, Assalto em L.A., de F. Gary Gray, Os Reis do Submundo, de Bill Duke, A Barbearia 2 - De Volta ao Negócio, de Kevin Rodney Sullivan, XXX2: Estado Radical, de Lee Tamahori, Miami Vice, de Michael Mann, ou The P.J.s, a série animada co-criada por Eddie Murphy.

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