Aeros: um tiro de partida

A geração seguinte de satélites portugueses, que inclui a concretização da Constelação do Atlântico e está em curso desde 2022, envolve um investimento acima de 200 milhões de euros.

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Com o lançamento do satélite Aeros, a bordo de um verdadeiro ex-líbris do chamado “novo espaço” – um foguetão reutilizável Falcon 9 –, Portugal volta 30 anos depois a ter um satélite seu no espaço (o terceiro satélite, o ISTSat-1, aguarda a estreia do foguetão europeu Ariane 6).

O caminho desde 1993 até 2024 foi longo, sobretudo como resultado da combinação de dois factores. Em primeiro lugar, o reconhecimento do atraso histórico de Portugal no sector (ou mesmo uma sensação profunda de inferioridade e incapacidade em relação aos nossos parceiros europeus, que ainda persiste). E, em segundo, a percepção de que a contribuição do sector para a economia real e para o cidadão comum é fundamentalmente limitada, sobretudo por comparação com outros sectores em que o retorno é tipicamente mais rápido e visível aos nossos olhos.

O Aeros só se tornou, sequer, um projecto realisticamente exequível como resultado de uma aceleração do investimento no sector espacial em Portugal de dimensões historicamente importantes, algo que teve o seu início em 2016 e que resulta, antes de mais, de um foco extraordinário no sector espacial protagonizado pelo anterior ministro da Ciência, Manuel Heitor.

O facto de ter sido definida, pela primeira vez, uma estratégia clara para o sector – tendo como base desígnios nacionais perenes, neste caso dar prioridade ao desenvolvimento de uma constelação de satélites capaz de monitorizar a partir do espaço o território nacional, com ênfase na imensa região do Atlântico sob a sua responsabilidade –, assim como terem-se disponibilizado à comunidade espacial instrumentos financeiros de dimensão considerável para concretizar essa estratégia – incluindo a colaboração com universidades americanas como o MIT ou a Universidade do Texas em Austin – são outros dois ingredientes fundamentais que permitiram que, além do Aeros, outros projectos como este satélite pudessem acontecer em Portugal.

Mas em que ponto nos deixa, então, o satélite precursor Aeros, e qual o futuro previsível para o sector após o seu lançamento? O Aeros concretizou-se num contexto propício à execução de projectos de pequena dimensão para o sector espacial, tendo envolvido um investimento de cerca de três milhões de euros. Já a geração seguinte de projectos, que inclui a concretização da Constelação do Atlântico e está em curso desde o último trimestre de 2022, envolve um investimento acima de 200 milhões de euros. É fácil depreender daqui que o Aeros é um mero vislumbre do que tomará forma ao longo dos próximos três anos, com o que isso também implica de responsabilidades acrescidas perante os contribuintes, dada a magnitude do investimento.

E é neste aspecto que o sector terá de melhor saber navegar como resultado da dimensão relativa que adquiriu nos últimos anos. Os recursos públicos actualmente postos ao dispor do sector espacial português tornaram-se consideráveis, sendo razoável começar a exigir aos protagonistas resultados consentâneos – em particular um maior impacto na sociedade e uma relevância real para a economia do país. É esta ambição renovada que irá também atrair cada vez mais talento para o sector espacial (sendo o interesse dos jovens portugueses em cursos de engenharia aeroespacial, a este respeito, encorajadora).

Resta saber se os ombros sobre os quais hoje recai a execução dos maiores projectos espaciais da história do país estão à altura do desafio. Como profissional da área, não tenho dúvidas que sim. Resta aquela pequena parte que distingue os vencedores: prová-lo.

Engenheiro aeroespacial e co-fundador da empresa Spin.Works

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