O declínio da investigação académica

É urgente tornar a carreira de investigação académica mais atrativa. Podemos inverter a situação, o que requer visão, investimento, coragem e liderança. Esperemos que as haja já no próximo governo.

Têm surgido indicadores de que a investigação académica, ou seja, a que é feita nas universidades, está a perder atratividade. Dados da National Science Foundation dos Estados Unidos mostram uma queda no número de doutorados que planeiam realizar um pós-doutoramento, para o nível mais baixo desde 1995.

Uma vez que o pós-doutoramento é um passo necessário, na maior parte das áreas, para se conseguir uma posição de professor, esta queda da atratividade estará provavelmente ligada à dificuldade em atingir uma posição permanente e à precariedade que continua a existir e de que falei no último artigo. Muitos investigadores têm por isso mudado para empresas de biotecnologia e farmacêuticas, que oferecem estabilidade profissional e um ordenado bastante superior ou mesmo optado por sair da ciência.

A profissão de investigador científico tem dificuldades inerentes, como qualquer outra, mas tem também atrativos que realizam aqueles que a exercem. Uma colega investigadora dizia que as vantagens de ter esta profissão são que não há horário fixo nem dress code. Claro que tem de haver mais coisas que compensem. Tenho refletido sobre este assunto e parece-me que a satisfação da curiosidade de saber como funciona o mundo natural e o que nos rodeia, do infinitamente pequeno ao infinitamente grande, e a própria vida são um dos atrativos mais importantes.

De facto, duas das características comuns a quase todos, senão todos: os investigadores são curiosos e quererem sempre aprender mais. E, como consequência da satisfação desta curiosidade e do desejo de aprender, vem uma das enormes compensações desta profissão, que é o de sermos os primeiros a ver ou descobrir algo que mais ninguém viu ou compreendeu até então. Os pequenos momentos de “eureca”, em que as peças do puzzle ganham sentido, significam uma enorme recompensa pelo esforço. E, por serem raros, são ainda mais especiais.

Mas o reverso da medalha são, por exemplo, altas taxas de ansiedade e depressão reportadas em vários inquéritos recentes. Num destes, 41% dos inquiridos reportaram ansiedade moderada ou severa e 39% depressão moderada ou severa, o que representa níveis seis vezes mais altos que na população em geral.

Noutro inquérito, 70% dos inquiridos afirmaram sentir-se sob stress no dia a dia. Não espanta, por isto, que se assista a um movimento, denominado “quiet quitting, em que os investigadores se recusam a desempenhar tarefas que não sejam pagas (para além do horário de trabalho) ou reconhecidas, ou sejam subvalorizadas. Esta é uma mudança de cultura que as instituições e todo o sistema académico terão de acompanhar.

É, por isso, urgente alterar esta situação e tornar a carreira de investigação académica mais atrativa. Chegámos a um ponto em que, para muitos, os aspetos positivos já não compensam os negativos e corremos o risco de caminhar para uma situação irreversível. Isto porque, o que demora anos a construir pode ser destruído muito rapidamente, quando falamos de um sistema científico. Isto traria consequências nefastas para a geração de novo conhecimento e descobertas de natureza fundamental, que são a base das aplicações futuras que todos desejamos e iremos precisar.

Podemos ainda inverter a situação, o que requer visão, investimento, coragem e liderança. Esperemos que as haja, começando já no próximo governo que iremos ter em março, a bem de um futuro melhor.

P.S. Após a publicação do meu último artigo, sobre o futuro da ciência em Portugal, a Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) abriu o concurso de projetos de investigação e desenvolvimento (I&D), que nos últimos anos vinha tendo uma periodicidade anual. Apesar de a abertura ainda ter sido feita em 2023 (a 22 de dezembro), o concurso irá decorrer em 2024 e, portanto, na prática apenas existirá um único concurso nos anos de 2023 e 2024. O prazo, entretanto, foi adiado, entre alterações às regras e ao formulário (um excelente artigo de opinião que detalha o que tem acontecido pode ser consultado aqui).

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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