Sem fazer ruído: aprendizagem silenciosa na conquista do quiet quitting universitário

Os alunos frequentam pouco as aulas. E aqueles que frequentam parecem desmotivados na aprendizagem.

No início do semestre, as salas de aula enchem-se de alunos para uma disciplina que terão pela primeira vez e de alunos que estão já na sua segunda ou terceira inscrição. Os olhos curiosos e abertos revelam o entusiasmo inicial que motiva todo o professor. Mas à medida que avança o semestre, os olhos começam a fechar-se e a as presenças a diminuir. Começam os testes de outras disciplinas e uma boa parte dos estudantes universitários prefere estudar para esses testes em vez de assistir às aulas.

Era assim antes da pandemia. Mas, agora, alguns alunos nem sequer aparecem às aulas, nem às avaliações e nós, professores, não sabemos bem porquê. No final do ano de 2022, apercebi-me de uma onda viral de “desistência silenciosa” (Quiet Quitting) no mundo do trabalho e questionei-me se essa não existe há mais tempo no mundo universitário

Causas da desistência silenciosa universitária

A maior causa para a desistência silenciosa é o burnout e, na vida académica, o desejo estudantil de preservar a sua saúde mental. Um relatório da Intelligent.com revelou que mais de um terço dos estudantes que participaram num estudo sobre a desistência silenciosa na academia faz o mínimo esforço nos trabalhos académicos e um quinto considera como doentio o equilíbrio que existe actualmente entre a academia e a vida familiar. Os testemunhos incluem — "Como há muita coisa para ler, leio apenas o que é essencial"; "Já fiz o suficiente acima e para além do trabalho, estou pronto para acabar"; "Muito esforço para pouca recompensa, pelo menos nas notas". O mote para os desistentes silenciosos universitários é “'C's get degrees.” (Suficientes obtêm o Grau), equivalente a bastar ter 9,5 e passar. Quando nos exames vejo escrito “desisto” e pergunto aos alunos a razão, a grande maioria responde "não tive tempo para estudar", revelando ter perdido o entusiasmo pela aprendizagem, porque onde há uma razão há tempo.

Os alunos frequentam pouco as aulas. E aqueles que frequentam parecem desmotivados na aprendizagem. As novas gerações aspiram por um sentido e significado daquilo que aprendem, mas talvez necessitem de pensar nos valores que orientam a sua experiência e processo de aprendizagem. Tédio e coisas difíceis de entender serão uma constante na vida de trabalho (académico ou, depois, profissional). Por isso, quem aprende a superar o tédio e estratégias para lidar com as coisas difíceis, aumenta o seu capital de aprendizagem, o que pode fazer toda a diferença na vida e realização profissional.

A desistência silenciosa na vida académica enfrenta-se com uma aprendizagem silenciosa, isto é, desenvolvendo cinco qualidades fundamentais, embora pouco virais, para saber aprender cada vez melhor e mais rápido.

Qualidades de uma aprendizagem silenciosa

A primeira qualidade é a da atenção como a capacidade de gerir a concentração e controlar a sua intensidade, ciente daquilo que se passa à nossa volta, estando dispostos a escutar e reter em memória o essencial.

A segunda é a curiosidade como a qualidade sensível ao mundo que interage connosco, estimulando a criatividade através da dúvida, gosto em notar em coisas novas e querer compreender o que se conhece ou pode vir a conhecer, despertando assim para novos ciclos de aprendizagem.

A terceira qualidade seria a resilência. Nessa, a persistência ajuda-nos a enfrentar a resistência e as adversidades que levam à desistência. Esta qualidade abraça as limitações para encontrar a motivação de ultrapassar o cume de cada dificuldade através dos hábitos que criamos para dar ritmo à vida académica.

A quarta qualidade é a humildade que significa aceitarmo-nos tal como somos, com as limitações que temos, usando-as para produzir algo diferente e criativo. Esta qualidade abre a mente daquele que aprende às ideias dos outros, sem deixar de partilhar as suas, embora esteja desapegado dessas. Aquele que exerce a humildade é capaz de um silêncio activo, praticando deliberadamente a escuta do outro.

Quando esta qualidade está presente nos líderes, nota-se a forma simples como encaram a vida, a autenticidade em reconhecer as suas imperfeições, sem se julgar, e nota-se ainda na facilidade em se adaptarem a novas situações. O humilde sabe que pode sempre recomeçar e gerar sabedoria com o que aprende dos seus erros.

Por fim, a qualidade menos evidente é a vulnerabilidade. Brené Brown, socióloga conhecida pela sua famosa TED Talk dedicada à vulnerabilidade, diz no seu livro A Coragem de Ser Imperfeito que "para reacender a criatividade, a inovação e a aprendizagem, os líderes têm de reumanizar a educação e o trabalho", mostrando que estas últimas estão ligadas, e que "isto significa entender como é que a escassez está a afectar a forma como lideramos e trabalhamos, aprendendo a lidar com a vulnerabilidade e a reconhecer e combater a vergonha". Ou seja, lidar com a vulnerabilidade é um factor relevante para reacender a criatividade, inovação e a aprendizagem — diria — silenciosa.

A vulnerabilidade é incerta e arriscada pela necessidade da coragem de aparecer e partilhar o que se sabe ou sente. Em Junho de 2018, David Rockower escreveu para a Education Week sobre a experiência que fez de mudar o conteúdo da unidade curricular de escrita biográfica. Em vez de apresentar uma memoir escrita por alguém estranho aos alunos, escolheu um evento emotivo da sua própria vida. Em vez de lhe perguntarem os detalhes do costume sobre a estrutura do trabalho que tinham de fazer, quantas páginas, ou quais os prazos, os alunos começaram a contar as suas próprias histórias, memórias, e a pergunta passou a ser "Quando é que podemos começar a escrever?" Aprender ligava-se de um modo experiencial à sua própria vida e isso faz toda a diferença.

A aprendizagem silenciosa, com as cinco qualidades de atenção, curiosidade, resiliência, humildade e vulnerabilidade, não faz o ruído viral que a desistência silenciosa faz pelas redes sociais, mas podem ser o ponto de viragem na sua conquista no mundo universitário. Com as qualidades de uma aprendizagem silenciosa, cada estudante torna-se um agente activo na escolha do modo como aprende. No estado actual do ensino universitário, existe pouca escolha sobre as matérias a aprender e prestar provas, mas nada impede o estudante de se estudar e de se lhe dar tempo para saber como melhorar a sua capacidade de aprender, aumentado o capital de aprendizagem que faz de cada pessoa um autêntico aprendedor.

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