Conheça cinco mulheres que mudaram a nossa visão do cosmos

Para assinalar o Dia das Mulheres e Raparigas na Ciência, recordam-se os feitos de cinco mulheres que mudaram a visão que hoje temos da astronomia e do espaço: umas em terra, outras a vê-la de cima.

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O Universo em evolução Nicolle R. Fuller/National Science Foundation dos EUA
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Este domingo, 11 de Fevereiro, celebra-se o Dia Internacional das Mulheres e Raparigas na Ciência. A iniciativa foi criada em 2015 pelas Nações Unidas (ONU), com o objectivo de alertar para as disparidades laborais que as mulheres enfrentam neste campo: estudos realizados por universidades norte-americanas como a de Nova Iorque ou Harvard comprovaram que os homens ainda recebem mais crédito pelas investigações científicas do que as mulheres, que, embora comecem a ganhar mais reconhecimento, têm ainda menos acesso a financiamento, como apontou também a Universidade de Yale.

Na área da astronomia, integram a União Astronómica Internacional (UAI) – o maior organismo mundial de astrónomos – apenas 16,6% mulheres, face a 83,4% de homens, de acordo com a revista Nature, e a diferença acentua-se nos países desenvolvidos.

Para assinalar a efeméride que, segundo a ONU, visa “promover o acesso pleno e igualitário e a participação na ciência para mulheres e meninas”, o PÚBLICO recorda as histórias de cinco mulheres – muitas outras haveria para destacar tanto em Portugal como no resto do mundo –​ que quebraram com as barreiras sociais que foram enfrentando para se tornarem algumas das mais importantes cientistas da história na área da astronomia e do espaço.

Cecilia Payne-Gaposchkin: a mulher que “leu” o Sol

Nascida em 1900 no Reino Unido, completou o ciclo de estudos universitários em Cambridge, sem que lhe concedessem um certificado oficial, já que, em 1920, as mulheres em Inglaterra não podiam obtê-lo, nem mesmo ingressar em planos de estudo avançados. Foi por esse motivo que Cecilia Payne-Gaposchkin (1900-1979) se mudou para os Estados Unidos, onde integrou o Observatório de Harvard que estudava o Sol e outras estrelas.

O trabalho implicava o uso de um espectroscópio aliado aos telescópios. O resultado era um arco-íris que fazia a decomposição da luz das estrelas, originando um espectro intercalado por linhas pretas de absorção, que permitiam descobrir a composição estrelar. Foi ao analisar essas bandas, que correspondiam a diferentes estados de ionização do Sol – provocada pelas altas temperaturas do astro – que chegou a uma polémica conclusão: as estrelas não têm a mesma composição da Terra.

Durante o seu doutoramento na Universidade Radcliffe – a Univerdade de Harvard não aceitava mulheres nesse ciclo de estudos descobriu que o Sol é composto por hidrogénio e hélio. Segundo o livro As Cientistas –​ 52 Mulheres Intrépidas que Mudaram o Mundo, de Rachel Ignotofsky (editado em Portugal pela Bertrand em 2018), a teoria exposta pela cientista era de tal forma controversa que a própria não estava segura dela, tendo acrescentado à tese “uma nota a dizer que provavelmente estava errada”. Recebeu também críticas pungentes de astrónomos, como Henry Russel, que julgou a descoberta impossível”.

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Cecilia Payne-Gaposchkin destacou-se pela descoberta de que o Sol é composto por hidrogénio e hélio WIKIMEDIA COMMONS

Apesar de a teoria revolucionária ter sido comprovada durante a sua vida, Cecilia Payne-Gaposchkin era técnica assistente na Universidade de Harvard até 1956, quando se tornou, por fim, a primeira mulher professora de astronomia e dirigente do Departamento de Astronomia. De acordo com a BBC Brasil, terá afirmado ser “uma rebelde contra o papel feminino”, devido às adversidades que enfrentou por ser mulher.

Katherine Johnson: a matemática que foi à Lua sem sair da Terra

Apelidada pela NASA como “computador humano” e “uma das mais inspiradoras figuras” da agência espacial norte-americana, Katherine Johnson (1918-2020) nasceu nos Estados Unidos, onde trabalhou toda a vida. Com apenas 15 anos, ingressou no ensino superior, na Universidade da Virgínia Ocidental, onde se destacava pelo brilhantismo na área da matemática. Durante a Grande Depressão, deu aulas numa escola pública para subsistir e abandonou os estudos aos 18 anos, após terminar o curso. Foi só mais tarde, nos anos 50, que concorreu à NASA para integrar uma equipa constituída exclusivamente por pessoas negras.

Katherine Johnson revoltava-se quando a impediam de assistir a reuniões de trabalho por ser mulher, tendo chegado a questionar se existia alguma lei que o ditasse. Apesar disso, foi um elemento essencial para as principais conquistas espaciais dos EUA, tendo calculado geometricamente as rotas do primeiro envio de um norte-americano ao espaço, Alan Shepard, em 1961 e, oito anos depois, ajudado Neil Armstrong e Buzz Aldrin a pisarem a Lua pela primeira vez, na histórica missão Apolo 11.

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Katherine Johnson foi uma figura importante para a história da exploração espacial NASA

Mas o trabalho pelo qual ficaria mais conhecida foi o contributo na missão Friendship 7, a missão orbital de John Glenn, em 1962. Devido à complexidade do projecto, criou-se uma rede mundial de comunicações, mas, ainda assim, os cientistas recearam confiar cegamente nas calculadoras electrónicas, propensas a apagões ou falhas, e colocaram Katherine Johnson ​ao comando dos cálculos, feitos à mão, com recurso a uma calculadora mecânica. No final, as máquinas não foram necessárias: graças a ela, a missão foi um sucesso e colocou os Estados Unidos à frente na competição espacial contra a antiga União Soviética.

Katherine Johnson colaborou em dezenas de outros projectos importantes da NASA, como o programa dos vaivéns espaciais. Em 2017, surgiu representada no cinema por Taraji P. Hanson, no filme Elementos Secretos, de Theodore Melfi, que conta a história de uma equipa especial de mulheres que integrou na NASA.

Vera Rubin: a cientista que tornou mais clara a matéria escura

Nasceu em 1928 na Pensilvânia (EUA) e ingressou na Universidade de Cornell, porque Princeton não aceitava mulheres nos estudos avançados de astronomia. Desde cedo que Vera Rubin (1928-2016) publicou artigos e estudou as estrelas e galáxias. Em 1965, foi a primeira mulher a ter acesso ao telescópio Hale do Observatório Palomar (na Califórnia), na altura o maior do mundo.

Depois de concluir o doutoramento, nos anos 70, formou uma equipa de investigação com Kent Ford, que tinha criado um espectrómetro que permitia a observação da luz de estrelas de galáxias distantes e do seu efeito Doppler – neste efeito, a luz dos corpos celestes que se aproximam apresentam um desvio para o azul, enquanto aqueles que se se afastam têm um desvio para o o vermelho​.

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Vera Rubin no Observatório Lowell, em Flagstaff, nos EUA DR

No entanto, ao observar o movimento das estrelas em cerca de 60 galáxias, Vera Rubin percebeu que estas não obedeciam exactamente às leis da gravidade de Newton no seu movimento: a velocidade era constante, independentemente da distância ao centro. Deduziu, então, que existia uma força aplicada sobre os corpos que era impossível de observar porque não emite luz: a matéria escura.

À época, existia já uma teoria, formulada por Fritz Zwicky, sobre a matéria negra, e Rubin confirmou-a: hoje, é sabido que só cerca de 5% da matéria do Universo é visível: o restante é energia ou matéria escura, que não absorve, não reflecte nem emite luz, e mantém-se um dos grandes mistérios da astronomia. Vera Rubin morreu em 2016, depois de uma vida dedicada à ciência e à defesa dos direitos das mulheres. No Chile, está a ser construído um observatório com o seu nome, que vai iniciar as observações científicas no final de 2025.

Valentina Tereshkova: a pára-quedista que foi parar a uma nave espacial

Sem diplomas de ensino e oriunda de uma família muito pobre da antiga URSS, trabalhou em fábricas de pneus e fiação. Dois anos depois de Iuri Gagarin ter sido o primeiro homem a visitar o espaço, em 1961, Valentina Tereshkova, que nasceu 1937, praticava pára-quedismo nos tempos livres, e era membro do Partido Comunista, como a maioria da população soviética.

O programa espacial soviético funcionava em total sigilo e estava comprometido a fazer viajar, desta vez, uma mulher numa nave espacial. Assim, Valentina Tereshkova, em conjunto com outras quatro mulheres, foi seleccionada para incorporar o programa, que a levou a ser a primeira mulher do mundo a viajar para o espaço.

Fez a viagem sozinha, a bordo da missão Vostok 6, em 1963, tendo orbitado 48 vezes a Terra no período de quase três dias – à época, um novo recorde – e tirou fotografias que ajudaram a compreender a atmosfera terrestre. Durante o percurso, teve um percalço que podia ter resultado num irrevogável desvio da órbita, perdendo-se no espaço. No entanto, foi capaz, ainda que enjoada, de introduzir no sistema os novos dados enviados de terra para que pudesse manter-se no percurso estipulado e, depois, voltar à atmosfera e ao solo numa aterragem desagradável: bateu com o nariz no capacete e quase caiu num lago. Ao jornal The Guardian, confessou: “Quando estamos lá em cima, sentimos saudades da Terra. Quando estamos a regressar, só queremos descer e abraçá-la.” Mais tarde, doutorou-se em engenharia e, aos 86 anos, mantém-se uma voz política activa na Rússia, e manifesta interesse em integrar o grupo que quer colonizar Marte, e lá passar o resto da vida.

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Valentina Tereshkova num treino em 1963, ano em que visitou o espaço Memorial Museum of Cosmonautics Moscow

Teresa Lago: a única astrónoma do país nos anos 80

Em Portugal, destacamos na área da astrofísica a cientista Teresa Lago. “Não sou daquelas pessoas que desde pequena sonhavam em ser astrónomas”, dizia ao PÚBLICO em 2018. Mas o certo é que constituiu, em 1986, a primeira equipa de astrónomos profissionais em Portugal: eram três, dois homens e Teresa Lago.

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Teresa Lago em 1999, quando era directora do Centro de Astrofísica do Porto Paulo Ricca/Arquivo

Em 1987, a astrofísica elaborou a proposta de um Plano Nacional para o Desenvolvimento da Astronomia, que apresentou nas Jornadas Nacionais de Investigação Científica e Tecnológica, em 1987. Mais tarde, em 2005, foi uma das 22 personalidades europeias seleccionadas para membros fundadores do Conselho Europeu de Investigação (ERC, na sigla em inglês), organismo que financia a ciência na Europa. Em 2015, foi eleita secretária-geral da União Astronómica Internacional, a organização astronómica de maior dimensão a nível mundial, que conta com mais de 13.000 membros de cerca 100 países.

Para Teresa Lago que fundou o Centro de Astrofísica da Universidade do Porto, bem como o primeiro curso de astronomia do país, em 1983, o primeiro centro de astrofísica, em 1983, o Planetário do Porto, em 1998, e preparou a proposta de associação de Portugal ao Observatório Europeu do Sul (ESO), a que o país veio a aderir em 2000 –, a astronomia é “como um puzzle”​ e “tem algo de místico”.

Aos 77 anos, reformada, continua uma figura que sempre marcou pela intervenção política na área da ciência – chegou a ser deputada independente nas listas do PS – e também pelo número de prémios que soma, graças ao seu contributo para a astrofísica em Portugal.

Texto editado por Teresa Firmino

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