Da “cegueira ideológica” à “demagogia”: Ventura e Raimundo debatem entre acusações

O frente-a-frente entre os líderes do Chega e do PCP passou pela corrupção, pensões, salários, habitação e imigração e mostrou mais divergências do que acordo.

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André Ventura e Paulo Raimundo debateram na CNN esta sexta-feira à noite José Alves
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Num frente-a-frente que teve mais de acusações do que de debate, os líderes do Chega e do PCP recorreram ao passado para se atacarem mutuamente, seja pelas opções da troika ou da "geringonça", ficando, tanto um como outro, várias vezes sem resposta. Pelo meio, foram defendendo algumas propostas do seu programa que mostraram sobretudo divisões em vários dossiês, desde o combate à corrupção até à resposta à imigração.

O debate na CNN começou pela corrupção, área em que as divergências foram evidentes e onde o presidente do Chega, André Ventura, acusou o PCP de "cegueira ideológica". Se, para o secretário-geral do PCP, Paulo Raimundo, a "única forma de combater" este fenómeno é "atacar o centro" do problema que "são as privatizações", para o Chega é preciso aumentar as penas, a prevenção e o confisco.

Já no que toca às pensões, ambos defendem uma subida. Mas de formas diferentes: o Chega propõe um aumento das pensões em seis anos para o valor do IAS (indexante dos apoios sociais) e, posteriormente, do salário mínimo. O encargo desta medida corresponderia a 7% do PIB deste ano. Ventura não explicou como a pretende financiar.

A CDU, por sua vez, quer um aumento de 7,5% num mínimo de 70 euros já em 2024, medida que custaria 1600 milhões de euros e que seria financiada com o fim dos benefícios fiscais para os grandes grupos económicos.

Ventura e Raimundo também concordam em aumentar o salário mínimo para mil euros. Mas o Chega quer fazê-lo até 2026 e pretende custear a medida com, por exemplo, uma taxa sobre lucros da banca e petrolíferas (matéria em que os partidos se alinham).

Por outro lado, os comunistas pretendem alcançar essa meta já este ano, além de um aumento de 15% de todos os salários. Ventura acusou Raimundo de querer pagar esses aumentos "à custa do encerramento das empresas". Mas o comunista esclareceu que o PCP "não está contra as empresas" e até defende a descida do IRC para as pequenas e médias empresas.

Na habitação, nova divergência. O Chega quer que o Estado seja fiador dos jovens na compra da primeira casa, também sem esclarecer como financiar a medida, ao passo que a CDU quer construir 50 mil casas e investir 1% do PIB na habitação através dos lucros da banca, a começar pelas "comissões e taxas".

E também na imigração se afastaram, embora Ventura tenha salientado o acordo em torno da extinção do SEF: o líder do Chega defende um maior "controlo", enquanto Raimundo diz serem precisos "contratos de trabalho" para os imigrantes.

PREC, troika ou "geringonça"

O debate subiu de tom por várias vezes ao longo dos 30 minutos, em que Ventura foi interrompendo, colocando questões a Raimundo e acusando o PCP de não acompanhar o Chega no Parlamento em diversos temas. A dado momento, questionou mesmo se o PCP se orgulha disso. E Raimundo respondeu afirmativamente, garantindo que não vai "contribuir para alimentar a demagogia e a hipocrisia das medidas" do Chega, que mudam de manhã à tarde.

O momento de maior tensão deu-se após o líder do PCP acusar o do Chega de "aplaudir as opções" do PSD/CDS "durante os tempos sombrios da troika" e de "prometer tudo", nomeadamente, em matéria de salários, quando o que "procura é voltar ao período de 2011". "É por essa razão que o Chega está tão obcecado em dar a mão ao PSD", atirou.

Em resposta, Ventura também recorreu ao passado para passar culpas ao PCP pelos "assassinatos" (não comprovados) e as "expropriações" durante o Período Revolucionário em Curso (PREC). "Tenha tento nas afirmações que está a fazer", avisou Raimundo.

O líder do Chega, que lembra que não era deputado nem governante durante a troika, virou ainda o argumentário contra Raimundo, acusando-o de ter aprovado Orçamentos do Estado ao PS, durante a "geringonça", que "prejudicaram" os salários, as pensões e a saúde.

Mas não ficou sem resposta: Ventura, disse Raimundo, "não perdoa, nem perdoará o papel decisivo" do PCP "para correr o governo PSD/CDS" e para "recuperar o que tinha sido roubado e ir mais longe nos passes, nas creches, na gratuitidade dos manuais escolares". O líder do PCP acusou ainda o Chega de ter beneficiado da "chantagem" do PS "para irmos a eleições antecipadas".

Procurando desviar o debate para questões internacionais, Ventura perguntou também se o PCP quer sair do euro, da União Europeia e da NATO. Raimundo, sem responder, devolveu a questão: "Está de acordo com a política agrícola comum (PAC)?". O presidente do Chega acusa Raimundo de não responder porque "está entalado" e o secretário-geral do PCP acusa Ventura de ser um "mestre em criar um cenário de tempestade".

Com nova acusação do Chega ao PCP por não ter votado a favor do fim dos benefícios aos políticos, veio novo desmentido de Raimundo sobre os impostos que o partido paga. O Chega "põe os seus militantes e agitadores a debitarem uma mentira que vai acabar de uma vez por todas", alertou, para, depois, clarificar que o PCP pagou, em 2022, "mais de 450 mil euros" em impostos e a Festa do Avante! "mais de 490 mil euros". O representante da CDU ainda questionou o do Chega sobre o valor dos impostos do seu partido, mas Ventura não soube responder. "Não ando com um manual de contabilidade", argumentou apenas.

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