Apesar da sintonia, Mortágua e Tavares fizeram por marcar diferenças e lá conseguiram

Os líderes do Bloco e do Livre discordaram sobre como resolver a “pressão de luxo sobre o mercado imobiliário”, mas uniram-se nas críticas a Luís Montenegro por não querer debater com o PCP e o Livre.

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Mariana Mortágua e Rui Tavares debateram esta sexta-feira José Alves
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Desta vez, o debate fez-se à esquerda. A convergência entre Mariana Mortágua e Rui Tavares, como os próprios reconheceram, é maior que o desacordo. Mas os candidatos fizeram por mostrar que também têm pontos de discórdia, seja sobre a proibição da venda de casas a não residentes, o rendimento básico incondicional ou a semana de quatro dias de trabalho.

O frente-a-frente na SIC Notícias começou com críticas mútuas ao líder do PSD, Luís Montenegro, por querer ser substituído pelo líder do CDS nos debates com o Livre e o PCP. Argumentando que o social-democrata devia fazer "todos" os debates "a bem da democracia e do esclarecimento", a coordenadora do Bloco de Esquerda disse ser "errado que se mudem as regras a meio do jogo" e insinuou que Montenegro se "definiu" ao "recusar alguns debates".

De cara séria, o co-líder do Livre começou por dizer que estava "chateado" com Mortágua. Mas rapidamente se percebeu que se tratava de uma brincadeira. "Depois do debate com a Mariana, [Montenegro] já não quer debater comigo e com o Paulo Raimundo. Foi pouca camaradagem. Podias ter deixado um bocadinho para nós", gracejou.

Virando-se contra Montenegro por não ter tido a "cortesia" de informar o Livre, Rui Tavares acusou, depois, o líder do PSD de fazer uma "diferença de tratamento que, para alguém que quer ser primeiro-ministro" é "especialmente grave", e questionou se fará o mesmo nos debates quinzenais, lembrando que a lei que determina a forma como os debates decorrem foi aprovada pelo PSD quando Montenegro era líder parlamentar. "Exacto", concordou Mariana.

Mas foi, sobretudo, quanto ao facto de ter deixado "durante semanas" que "toda a gente presumisse que os debates eram com ele", que Rui Tavares se insurgiu. "Está a dizer que um não é um não, que o seu não ao Chega é mesmo um não. Quero saber se esse não vale tanto como o sim para estes debates", desafiou, pondo Mortágua a sorrir.

Mortágua reconheceu que os partidos estão de acordo "sobre o não de Montenegro e a sua validade", assim como têm "objectivos comuns". Desde logo, "derrotar a direita" e assegurar uma maioria de esquerda que "vire a página da maioria absoluta" e dê "resposta aos principais problemas do país", como a saúde e a educação. Rui Tavares haveria de concordar, apontando que há mais "congruência" à esquerda do que à direita.

A habitação não é excepção e os dois fazem até um "diagnóstico comum" sobre a crise: "A pressão de luxo sobre o mercado imobiliário". Só que a bloquista considera que a grande solução é proibir a venda de casa a não residentes "nos centros das cidades em zonas pressionadas". E Tavares defende que a "abordagem proibicionista não é a melhor", lembrando que coloca um "problema de direito europeu". Ao invés, o Livre propõe uma sobretaxa do IMT sobre os prédios de luxo que reverta para um fundo emergência para a habitação direccionado à classe baixa e aos jovens.

Mortágua, que foi quem levantou o tema, desconstruiu a medida em quatro argumentos: O "multimilionário do Dubai paga com felicidade uma sobretaxa do IMT"; este imposto tem o "efeito perverso" de ser um "incentivo" às "casas mais caras" porque vai para os municípios com habitações com custos mais elevados; "a receita" de IMT "já é gigantesca para a natureza do imposto"; e esse dinheiro é necessário para cobrir os limites às rendas.

RBI ou mudar apoios sociais

Já a ideia de que para garantir o crescimento económico do país é preciso erradicar a pobreza, nomeadamente, através do aumento dos salários, foi ponto assente. Mas Mortágua trouxe para cima da mesa outra matéria divergente: o rendimento básico incondicional (RBI).

Embora o Livre proponha que se comece por criar um projecto-piloto com vista à implementação faseada do RBI, segundo as contas da economista, se esta prestação fosse implementada de forma universal por um valor de 200 euros teria um custo de 28 mil milhões. Seria um valor superior às contribuições da Segurança Social que criaria um "conflito" entre "o custo" e o "ganho", acusou Mortágua, defendendo, antes, uma "reformulação dos apoios sociais".

Já Rui Tavares alegou que "o conhecimento em si é um valor", defendendo que se teste o RBI em duas comunidades diferentes, uma interior e outra metropolitana. E lembrou outro ponto de diferença entre os partidos: a semana de quatro dias de trabalho, que o BE quer legislar e que o Livre quer testar, alargando o projecto-piloto actual.

A posição dos cabeças de lista por Lisboa sobre a União Europeia (UE) também prometia criar cisões. Mas a expectativa saiu furada. Questionada sobre a despesa da NATO, a coordenadora do BE garantiu que o partido mantém a sua "posição histórica" que é defender a Constituição, cujo artigo 7.º preconiza a "dissolução dos blocos político-militares".

O deputado único do Livre avisou que se a esquerda deixar o debate sobre a Europa "para os partidos do centrão", os "'Macrons' vão dominar". Mas, mais do que a NATO, defendeu que é preciso utilizar os tratados da UE que já lhe permitem ter "políticas de cooperação em matéria de defesa". "Acabamos em acordo", resumiu Mariana Mortágua. Foram 30 minutos de sintonia pontuada por algumas diferenças.

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