Paulo Raimundo: o camarada “muito humano” com “medo de se expor”

O PÚBLICO falou com militantes do PCP e um cientista político sobre o líder partidário que, nas sondagens, aparece como aquele que tem menor nível de popularidade.

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Paulo Raimundo é secretário-geral do PCP desde Novembro de 2022 Nuno Ferreira Santos
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Ainda estávamos nos anos 1990 quando Miguel Tiago, longe de vir a ser deputado do PCP, se cruzou com Paulo Raimundo, também longe de vir a ser secretário-geral do partido. Com os seus “16 ou 17 anos”, contou-lhe como “a malta mais nova” o admirava. A resposta de Raimundo, de que, volta e meia, se recorda, fê-lo sentir que estava “no sítio certo”: “No partido, como eu, há muitos.”

Certo é que Paulo Raimundo acabou por ser o escolhido para secretário-geral. E se foi uma surpresa para as pessoas fora do partido, que esperavam ver uma cara mais conhecida a suceder a Jerónimo de Sousa, alguns dos militantes mais próximos do agora líder do PCP não estranharam.

“Sempre brincámos que o Paulo ia ser secretário-geral do partido”, conta Miguel Tiago. "E não é porque soubéssemos, é porque ele tem as características que os comunistas valorizam. A humildade, a tenacidade..." Ou até a "abnegação", que o levou a mudar-se para Braga, já com um filho, para dirigir a organização regional do PCP.

Para outros, contudo, não era tão evidente. "Sempre vi o Paulo como aquela formiguinha de um trabalho de retaguarda que trabalha muito, mas não gosta de grande visibilidade", diz Carla Guerreiro, vereadora da CDU em Setúbal e amiga de longa data. "Um dos defeitos do Paulo é ter medo de se expor."

Mesmo assim, Raimundo foi assumindo uma série de tarefas enquanto funcionário do partido, a que se juntou em 1994, depois de três anos na JCP, e chegou aos mais altos cargos. Começou por fazer parte da direcção nacional, da comissão política e do secretariado da juventude, e hoje é membro de todos os órgãos directivos do PCP: o comité central (a que chegou logo em 1996), a comissão política e o secretariado do partido.

"Paulinho", como lhe chamam os amigos, não escolhe "filhos", mas admite que tem um "carinho especial" pela organização do ensino secundário e gostou "particularmente" de acompanhar o "sector de empresas e sindical". Não por acaso, a área do trabalho é aquela que gostaria de assumir no Parlamento, mas "nesta casa não se escolhe pastas", brinca.

Da carpintaria à liderança do partido

Curiosamente, a área que começou por seguir no secundário, cujo ano final teve de terminar à noite, foi saúde. Mas "sentia-se mais à vontade nas ciências sociais", recorda Carla Guerreiro, que andou na escola com o líder do PCP. À época, "um bom aluno", "divertido", mas "tímido" que já mostrava "uma veia para as questões políticas" e as peças de teatro da escola.

Já Raimundo, que só não seguiu artes e design porque os custos eram "incomportáveis", diz que tem "jeito para a carpintaria", que vai praticando em casa. "Quiçá, não daria um carpinteiro mediano", graceja. Na verdade, já o fez. Assim como foi padeiro e animador cultural por algum tempo em Setúbal.

Foi lá que cresceu porque o pai arranjou trabalho numa fábrica na foz do Sado, tinha Paulo Raimundo três anos. Mudaram-se de Cascais, onde trabalhavam e viviam no Estoril Futebol Clube, já depois de terem deixado Beja para trás. O pai, além de operário metalúrgico, era sapateiro. E a mãe tanto foi servente de obras como apanhou marisco ou trabalhou num lar.

Não foi através da família que chegou à política. Antes por influência de um amigo da associação de estudantes da escola que o levou à primeira reunião da JCP. Mas Setúbal também ajudou a fazer de Raimundo um comunista.

"É uma zona com muitas dificuldades, um grande espírito de comunidade. Isso fortalece convicções", conta o líder do PCP, que recorda como o sobrinho de um vizinho aparecia de vez em quando com um Mercedes ou um BMW, enquanto ele andava em carrinhos de rolamentos ou roubava peças ao ferro-velho para a bicicleta.

Com as devidas diferenças, os Capitães da Areia, de Jorge Amado, que Raimundo está a reler pela "sexta ou sétima vez", talvez seja o livro que melhor descreve essa infância: "Uma certa liberdade, de pé descalço."

Já lá vão três décadas, mas o setubalense ainda se lembra da primeira ida à sede do PCP. E logo para se encontrar com Álvaro Cunhal, na altura ex-secretário-geral. "Falei, falei, falei e ele olhava para mim com um ar condescendente. Lá me calei e a primeira coisa que ele diz é: 'Admiro imenso a coragem da juventude. Se tivesse coragem, o que gostava de fazer era pegar numa daquelas motas bem potentes e andar só com uma roda no ar.'"

Uma "aposta" com uma meta cumprida

O dirigente do PCP garante que, nesses tempos, estava "longe de alguma vez pensar" que se "iria tornar um militante comunista, quanto mais nestas circunstâncias". "Os meus camaradas fizeram uma aposta", resume. Um ano volvido e sente que já cumpriu uma meta: fazer com que "percebessem que por alguma razão o comité central decidiu que era eu", um "profundo desconhecido", o secretário-geral.

E não se arrepende do caminho que tomou, embora admita que é preciso "um esforço grande" para passar tempo com a família e que não tem um "gosto particular" pela exposição mediática. Aliás, ainda fica nervoso "sempre" que intervém.

Politicamente um ortodoxo, a sua linha ideológica "não se distingue" da de Jerónimo de Sousa ou do partido, como defende o politólogo António Costa Pinto, que destaca que a "imagem pública" de Raimundo é de "moderação" e o discurso de "defesa dos valores clássicos do PCP".

Mas também há quem aponte novidades a um secretário-geral que fala de forma directa e mostrou algumas aberturas sobre a guerra da Ucrânia, o regresso dos renovadores ou as dificuldades do PCP. Miguel Tiago dá o exemplo de uma audição em que o viu "fazer uma coisa que nunca tinha visto um secretário-geral fazer”: “Uma intervenção final, sem ser lida, com referência a todos os contributos que foram dados naquela reunião, pelo nome.”

É recorrente os comunistas elogiarem Raimundo por "saber ouvir", mas a palavra que mais surge é "humanismo". Inclusive pela líder da bancada, Paula Santos, que conhece Raimundo desde os tempos da JCP e o descreve como “muito humano", embora garanta que também tem "grande combatividade".

Apesar dessa faceta, os camaradas asseguram que não tem dificuldade em dialogar. Quando o partido passava pela crise entre renovadores e ortodoxos, o então responsável da JCP "nunca mudou a sua opinião", mas “lidou com essas convulsões com o maior dos respeitos”, lembra o ex-deputado.

Se isso significa que se dará bem como parceiro num acordo à esquerda, fica reservado para o futuro. Mas tendo em conta a frase repetida por Raimundo — o PCP “nunca faltou nem falta para apoiar tudo o que for positivo” —, talvez não esteja assim tão longínquo.

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