Descoberto novo oceano numa das luas mais pequenas de Saturno

Numa das mais pequenas luas geladas de Saturno esconde-se outro oceano. Os resultados da sonda Cassini mostram um oceano recente numa lua improvável e dão azo a novas formas de procurar água nas luas.

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A lua Mimas é a mais recente aquisição do catálogo dos mundos oceânicos do nosso sistema solar Frédéric Durillon/Observatório de Paris
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A caça aos oceanos gelados que se escondem nas luas do nosso sistema solar já nos deu nomes como Encelado, Titã (ambas em Saturno) ou Europa e Ganimedes (em Júpiter). O que não se esperaria é que uma pequena lua de Saturno, como Mimas, também entrasse neste esquadrão de luas geladas e gigantes. As observações da sonda Cassini, que terminou a sua missão em 2017, permitiram descobrir um oceano debaixo da crosta gelada de Mimas – uma surpresa que refaz os critérios para os cientistas definirem o que é uma lua com um oceano escondido.

Para quem viu A Guerra das Estrelas, não é surpresa que Mimas seja conhecida, entre os cientistas, como a Estrela da Morte – tal como também é apelidada a estação espacial imperial na ficção de George Lucas. A cratera gigante, nomeada Herschel em homenagem ao astrónomo que descobriu a Mimas em 1789, quase ao centro desta pequena lua de Saturno torna as similaridades indesmentíveis. E é, aliás, um dos motivos que levaram o cientista francês Valéry Lainey a dedicar-se a Mimas e às suas peculiaridades.

Com apenas 400 quilómetros de diâmetro – a nossa Lua tem 3500 quilómetros, por exemplo –, Mimas era considerada um sólido gelado, como muitas luas dos planetas mais distantes do sistema solar. A ideia de que esta lua esconde água debaixo da sua superfície gelada é quase improvável. As características da superfície, da sua órbita ou rotação são bem diferentes de Encelado ou Europa, duas luas que são geralmente utilizadas como comparação para avaliar a hipótese de haver água noutras luas do nosso sistema solar.

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Ao centro, a lua Mimas entra para o quadro das luas com oceanos escondidos pela superfície, como é o caso de Encelado ou Europa Frédéric Durillon/Observatório de Paris

“A Mimas parece extremamente velha e inactiva, devido ao elevado número de crateras e à ausência de características geológicas que mostrem actividade debaixo da superfície”, explica ao PÚBLICO Valéry Lainey , do Observatório de Paris (França), que liderou o trabalho que revela o oceano debaixo desta lua – agora publicado na revista Nature. Há outros dois factores que tornam esta descoberta surpreendente.

Esta lua de Saturno é pequena o que faria com o calor interno se dissipasse rapidamente (impedindo a formação de um oceano) e tem uma órbita pouco circular – e geralmente um interior derretido teria tornado essa órbita mais próxima de um círculo perfeito.

Mesmo sendo contra-intuitivo, a equipa de Valéry Lainey explorou os dados recolhidos pela sonda Cassini e confirmou a presença de um oceano debaixo da carapaça de Mimas. Depois da missão da Cassini, que estudou Saturno durante 20 anos e encerrou o seu percurso em 2017, não há nenhuma viagem programada para Mimas, “mas os dados da Cassini ainda são uma mina de ouro”, garante o investigador. Há outros investimentos em curso, como a visita às luas Calisto, Europa e Ganimedes (todas em Júpiter) por parte da sonda europeia Juice – a sua chegada aos subúrbios do maior planeta do sistema solar está prevista para daqui a sete anos.

Máquina do tempo para as luas

O avanço dos anos e das missões pelo nosso sistema solar adentro têm trazido notícias, cada vez mais frequentes, sobre os potenciais oceanos escondidas pelas superfícies geladas das luas. Algumas das muitas luas de Júpiter, como as de Saturno e também de Úrano, têm aguçado a curiosidade dos cientistas: como se formaram oceanos nestes locais gelados? A lua Mimas pode ajudar a responder a parte dessas dúvidas, já que poderá funcionar como uma máquina do tempo para o “nascimento” destes oceanos.

O oceano nesta lua terá 20 a 30 quilómetros de profundidade, mas ainda é jovem – terá entre dois milhões a 25 milhões de anos. Apesar de parecer muito, na grande escala do tempo geológico, é praticamente uma criança. “Estes resultados sugerem que os recentes processos [evolutivos] em Mimas podem ter semelhanças com as fases iniciais da formação de outros mundos gelados”, escrevem os cientistas Alyssa Rose Rhoden (Instituto de Investigação do Sudoeste) e Matija Cuk (Instituto Seti), ambos radicados nos Estados Unidos, num comentário à descoberta também publicado na Nature.

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A lua Mimas com a cratera Herschel bem visível no lado direito, com 139 quilómetros de diâmetro NASA/JPL-CALTECH/Instituto de Ciência Espacial

Mimas poderá, assim, ser uma máquina do tempo para observar como poderá ter sido a evolução de mundos oceânicos como Encelado ou Europa, por exemplo. “A alteração mineral aquosa em mundos gelados é conhecida por ser geologicamente rápida, normalmente da ordem de milhões a dezenas de milhões de anos. Mimas será um dos poucos lugares onde isso pode estar a acontecer agora”, apontam Alyssa Rose Rhoden e Matija Cuk. Em certa medida, quase podemos ver em directo estas alterações minerais da água provocadas pelas interacções com a água ou pelas elevadas temperaturas, por exemplo.

A “intuição” de que Mimas poderia não ser a “lua que todos pensavam ser”, como diz Valéry Lainey, já tem mais de uma década. Desde 2010 que a equipa do Observatório de Paris tem estas suspeitas – agora confirmadas.

Com estes resultados, luas tão pequenas como Mimas têm agora a oportunidade de receber um novo olhar dos cientistas: afinal, não é preciso ser assim tão grande para ter um oceano escondido. “O sistema solar terá sempre surpresas guardadas”, escrevem Alyssa Rose Rhoden e Matija Cuk. No catálogo dos mundos oceânicos, há uma nova fotografia de uma lua que lembra A Guerra das Estrelas, mas bem menos ameaçadora.

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