Por que é que a lua Encelado tem um oceano (escondido) de água líquida?

Uma equipa de cientistas juntou todas as peças das descobertas feitas sobre Encelado e explica a razão da existência de um oceano líquido nesta lua de Saturno.

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Encelado e os seus jactos NASA/JPL-Caltech/Instituto de Ciências do Espaço

Está na hora de sairmos do planeta Terra e navegarmos até ao sistema de Saturno. O planeta orelhudo tem uma lua que nos tem suscitado interesse há já muito tempo. Chama-se Encelado e é uma pequena bola de 500 quilómetros de diâmetro com um núcleo rochoso e coberta por uma camada de gelo. Além disso, e é isso que faz dela uma lua especial, tem água líquida, uma das condições consideradas essenciais para a existência de vida. Mas o que permite que Encelado tenha um oceano de água líquida? Um novo estudo, na revista científica Nature Astronomy, refere que é tudo uma questão de “puxões” provocados pela gravidade de Saturno, ou seja, um efeito de maré.

Já sabemos que esta lua existe desde 1789, quando o astrónomo inglês William Herschel a descobriu. Deu-lhe o nome de Encelado, um dos gigantes da mitologia grega. Este era considerado o gigante mais fraco, mas o mais inteligente. Mitologias à parte, Encelado é uma lua interessante. Tivemos imagens marcantes dela nos anos 80 com a missão Voyager. Mas foi com a Cassini, uma missão conjunta da NASA, da Agência Espacial Europeia (ESA) e da Agência Espacial Italiana, que partimos à descoberta do que Saturno nos escondia e, claro, de Encelado.

A viagem da Cassini terminou este ano, com um mergulho de despedida em Setembro em direcção ao planeta, e muito contribuiu para o conhecimento desta lua. Uma série de voos aproximados a Encelado começou em 2005 e um deles fez-se mesmo a cerca de 50 quilómetros de distância. Percebemos assim que Encelado era muito complexa a nível geológico: tem um oceano de água salgada onde há actividade hidrotermal; uma camada gelada de 20 a 25 quilómetros de espessura (no pólo Sul tem entre um e cinco quilómetros); uma fonte de calor; e compostos orgânicos. Condições semelhantes a estas existem também aqui na Terra, nas fontes hidrotermais e nos vulcões de lama submarinos, que permitem à vida existir na ausência de luz solar.

Outra das imagens (e descobertas) foram jactos a sair no pólo Sul, lançados no espaço e que têm vapor de água e moléculas de dióxido de carbono, azoto, metano, amoníaco e outros compostos orgânicos, assim como por “grãozinhos” de gelo. Por exemplo, alguns grãozinhos produzidos em Encelado foram parar um dos anéis de Saturno, o no anel E.

Mas o que faz com que Encelado tenha estas condições e que se torne assim propícia a ter vida?

Agora, pela primeira vez, um estudo junta as peças todas e constrói um “puzzle” que liga o oceano que existe por toda a lua, o aquecimento interno de Encelado, o gelo mais fino no pólo Sul e a actividade hidrotermal. As primeiras pistas vieram do material que saía dos jactos, que incluía sais e grãos de sílica, o que sugeria que se formavam na presença de água muito quente (pelo menos a 90 graus Celsius), através da interacção entre a água e a rocha porosa do núcleo. “Estas observações requerem uma grande fonte de calor, cerca de 100 vezes maior do que é expectável pelo decaimento natural dos elementos radioactivos nas rochas do núcleo”, lê-se num comunicado sobre o trabalho.

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Representação artística das interacções entre a água e a rocha no fundo do oceano interior de Encelado NASA/JPL

A equipa concluiu que é o efeito de maré provocado por Saturno que origina os jactos, que por sua vez deformam a camada de gelo. Simulações realizadas pela equipa, que tem cientistas da Europa e Estados Unidos, permitiram perceber que o núcleo tem uma rocha solta, com 20 a 30% de espaços vazios. Esses espaços permitem assim que a água do oceano entre no interior do núcleo e seja aquecida. Esta actividade hidrotermal pode atingir o seu máximo nos pólos. Afinal, é aí que a água vinda do interior é emanada através dos jactos.

Uma SELFI às plumas

“Tem sido sempre um mistério onde é que Encelado obtém energia contínua para permanecer activa, mas agora examinámos em grande detalhe como é que a estrutura e a composição do núcleo de rocha da lua podem ter um papel-chave na geração da energia necessária”, diz o principal autor do artigo científico, Gaël Choblet, da Universidade de Nantes (França). Mas a energia produzida graças ao efeito de maré pode não ser suficiente para manter o oceano líquido, que poderá congelar dentro de 30 milhões de anos, refere o comunicado.

Os cientistas ainda não conseguem explicar a diferença entre o pólo Sul e o pólo Norte. Por isso, dizem que é preciso mais investigação para perceber o que os jactos contêm, assim como para descobrir se há vida nesta lua. “Futuras missões que analisem as moléculas orgânicas na pluma de Encelado, com uma precisão maior do que a Cassini, poderão revelar-nos se as condições hidrotermais podem permitir que a vida surja”, considera Nicolas Altobelli, cientista da ESA que participou na missão Cassini (e que não fez parte deste trabalho). 

Os cientistas e engenheiros da NASA já estão a conceber um novo aparelho que capta ondas submilimétricas – o Submilimeter Enceladus Life Fundamentals Instrument (ou SELFI), para um dia ir a bordo de uma sonda estudar a composição do vapor de água e das partículas de gelo lançadas pelos jactos de Encelado. Através do estudo dessas plumas, os cientistas acreditam que podem extrapolar qual é a composição do oceano que se encontra por baixo da crosta de gelo e que pode ter vida extraterrestre. “O vapor de água e outras moléculas podem revelar alguma da química do oceano e ajudar a encontrar a melhor trajectória para uma sonda espacial através das plumas, para fazer mais medições directas”, explica Gordon Chin, cientista da NASA. 

E, mais uma vez, surge a questão: terá esta lua com nome de gigante alguma forma de vida? E, a existir, como será ela?

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