Um dos mares de Titã está mesmo cheio de metano

Informação recolhida pela sonda Cassini, entre 2007 e 2015, permitiu analisar a natureza de um dos mares de lua de Saturno.

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O Mare Ligeia fica no Pólo Norte de Titã NASA/ESA
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Pólo Norte de Titã, com os seus mares e lagos de metano NASA/ESA
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Lagos cheios e vazios de Titã NASA/ESA

Quase 2% da superfície de Titã, a maior lua de Saturno, é líquida. Mas este líquido não é água, como acontece na Terra. Com uma temperatura à superfície de 180 graus Celsius negativos, a água estaria congelada. A dinâmica atmosférica de evaporação e condensação de Titã é desempenhada por outros compostos: o metano e o etano. Segundo o que se sabe, o metano que está à superfície vai-se evaporando e as suas moléculas são partidas devido aos raios de sol que atingem a atmosfera, acabando por produzir o etano. Por isso, chove etano em Titã e os cientistas pensavam que os mares desta lua seriam uma mistura destas duas moléculas.

Mas uma análise baseada na informação recolhida pela Cassini, uma sonda da agência espacial norte-americana NASA e da Agência Espacial Europeia (ESA), mostra que pelo menos o mar chamado Mare Ligeia é constituído à base de metano. O trabalho foi publicado recentemente na revista científica Journal of Geophysical Research: Planets.

“Antes da Cassini, esperávamos descobrir que o Mare Ligeia tivesse quase só etano. Em vez disso, o mar é constituído predominantemente por metano puro”, diz Alice Le Gall, uma investigadora que trabalha com um dos radares da Cassini, e que pertence ao Laboratório Atmosférico, do Ambiente, das Observações Espaciais francês.

A investigadora sugere algumas explicações para esta descoberta. “Ou o Mare Ligeia é reabastecido por chuvas de metano, ou alguma outra coisa está a retirar o etano de lá. É possível que o etano acabe na crosta submarina, ou que, de alguma forma, escoe para um dos mares adjacentes, o Mare Kraken. Mas para compreendermos o que se passa vai ser necessário fazer mais investigação”, diz Alice Le Gall, citada num comunicado da ESA.

Gelada, mas com lagos de metano, chuva de etano, uma atmosfera mais densa do que a da Terra, Titã é uma fonte de curiosidades. O facto de ter uma dinâmica atmosférica que faz lembrar a da Terra mas, ao mesmo tempo, estar submetida a condições tão diferentes só serve para causar um espanto acrescido.

Na Terra, o metano (uma pequena molécula constituída por um átomo de carbono ligado a quatro átomos de hidrogénio) está naturalmente no estado gasoso devido à temperatura muito superior do nosso planeta, e é um dos gases que alarma os cientistas por reforçar o efeito de estufa e potenciar as alterações climáticas. Mas na atmosfera de Titã, o efeito de estufa causado pelo metano permite que a pouca luz solar que atravessa a atmosfera e alcança a superfície torne a lua um pouco menos fria.

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Imagem da superfície de Titã obtida pela sonda Huygens NASA/ESA

Até à missão da Cassini-Huygens, pouco era conhecido sobre esta e outras luas de Saturno, como a famosa Encelado, que se sabe agora que contém um oceano interior. A missão partiu da Terra em 1997 e chegou ao sistema de Saturno em 2004. Em Dezembro desse ano, a sonda Huygens (referência ao astrónomo holandês Christiaan Huygens, que no século XVII descobriu Titã) desacoplou-se da Cassini (referência ao astrónomo italiano Giovanni Cassini que descobriu outras quatro luas de Saturno também no século XVII) e aterrou em Titã, obtendo as primeiras e únicas imagens da superfície daquela lua.

Desde então, a Cassini, ainda em órbita do sistema de Saturno, tem usado os seus instrumentos para analisar Titã – o segundo maior satélite natural do sistema solar, maior do que a nossa Lua e do que o planeta Mercúrio, e apenas ultrapassado pela lua Ganimedes, que orbita Júpiter.

Titã tem três grandes mares localizados no pólo Norte, incluindo o Mare Ligeia, e muitos lagos mais pequenos a rodear estes grandes mares. No Hemisfério Sul, há apenas um grande mar. Ao todo, 1,6 milhões de quilómetros quadrados da superfície do planeta estão cobertos de líquidos. Numa experiência científica de 2013, um radar da Cassini permitiu calcular a profundidade máxima do Mare Ligeia: 160 metros.

Tal como a Terra, a atmosfera de Titã é quase maioritariamente composta por azoto. Além de etano, há muitos compostos orgânicos que vão sendo produzidos na atmosfera devido a várias reacções químicas. Parte destes compostos voltam à superfície trazidos pela chuva. Alguns dissolvem-se no mar de metano, outros não. Os dados do radar permitiram os cientistas descobrir que o fundo do Mare Ligeia tem uma camada rica em compostos orgânicos.

“É uma proeza da investigação maravilhosa que estejamos a fazer oceanografia extraterrestre numa lua alienígena”, considera Steve Wall, que lidera a equipa do radar da Cassini, e que pertence ao Laboratório de Propulsão a Jacto da NASA, em Pasadena, na Califórnia. “Titã não pára de nos surpreender.”

Notícia corrigida às 10h08 de 4 de Abril de 2016: o metano tem quatro átomos (e não três) de hidrogénio.

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