Palavra do ano: professor

Os pais devem estar atentos ao bem-estar dos seus filhos. Mas também se pode tornar contraproducente se tomarem constantemente o partido dos filhos nas queixas que estes fazem dos professores.

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Matilde Fieschi/Arquivo
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Professor foi a palavra escolhida para o ano que passou, no âmbito de uma iniciativa organizada pela Porto Editora. Num ano marcado pelas greves de docentes, a escolha desta palavra é, sem dúvida, significativa, chamando a atenção para a importância da profissão para a sociedade. Mas num contexto de falta generalizada de professores, que tende a agravar-se nos próximos anos, a seleção da palavra torna-se ainda mais interpelante.

As greves e a falta de professores catapultaram para a opinião pública os motivos de descontentamento dos professores em exercício de funções e para as razões da falta de atratividade da profissão, que afasta os jovens da escolha dos cursos que dão habilitação para a docência.

É que, antes de se procurar uma resolução para as questões, importa pensar seriamente nas razões que estão por detrás das mesmas. Só identificando estas questões é que poderão ser equacionadas soluções que verdadeiramente permitam inverter esta situação. E, já agora, convém não demorar muito tempo. Porque qualquer reflexão, decisão ou ação já peca por tardia.

Há razões para o descontentamento e a falta de professores que são sobejamente conhecidas e que já fizeram correr muita tinta na imprensa. Contam-se entre estas os problemas na colocação dos professores, as condições de progressão na carreira e os salários praticados. Todas estas situações são, sem dúvida, altamente impactantes, não só condicionando o acesso à profissão pelos potenciais candidatos, como também afastando das escolas professores que desistem da docência.

Mas, precisamente por serem sobejamente conhecidas, não é sobre estas questões que pretendo debruçar-me. Tenciono centrar-me em quatro questões que não são tão destacadas e que têm sido altamente disruptivas para o exercício da profissão, fazendo com que os espinhos se evidenciem a ponto de dificultar a visão da beleza da rosa: o desafio à autoridade docente, a postura perante a aprendizagem por parte dos alunos, as ingerências excessivas dos pais e a extrapolação da área pedagógica.

Começando pela questão relacionada com a autoridade dos professores, quem vivencia o quotidiano escolar sabe bem como as questões disciplinares e a oposição à autoridade do adulto por parte dos alunos minam o quotidiano nos estabelecimentos de ensino, fazendo com que os docentes tenham de destinar grande parte do tempo e da energia — que deveria estar focada no ensino — à manutenção (ou tentativa de manutenção) da ordem na sala de aula.

Além de absorverem grande parte do tempo destinado à aprendizagem, as questões disciplinares deixam os professores exauridos e, frequentemente, fazem-nos sentir impotentes perante atitudes desrespeitosas e desafiadoras, que se repetem e, por vezes, agravam, sem que a escola disponha de mecanismos de controlo verdadeiramente eficazes para as conter.

Além das questões disciplinares, existem outras menos gravosas, mas mais frequentes, que afetam o ato de ensinar, transferindo grande parte do esforço que implica a tarefa de aprender para o lado dos professores. Nestas gerações de alunos que parecem mais imaturos, imediatistas, hedonistas, dispersos e avessos às tarefas escolares que pressupõem empenho, foco e perseverança, os docentes enfrentam progressivamente maiores dificuldades na implicação dos seus estudantes na realização das tarefas escolares.

É que, por mais significativa que possa ser a aprendizagem, envolvendo os alunos e motivando-os para dar resposta aos seus reais interesses, há uma parte do ensino que, inevitavelmente, nem sempre é divertida, simples ou fácil, mas que é essencial para que as aprendizagens estruturantes se processem e consolidem.

É precisamente esta parte da atenção, implicação e concretização das tarefas escolares que provoca resistência nos alunos, necessitando de uma atitude mais firme por parte dos professores, sob pena de os estudantes não progredirem nas aprendizagens de acordo com o esperado. No entanto, quando tal acontece, por vezes as crianças queixam-se em casa, levando a uma intervenção por parte dos pais junto da escola.

Claro que os pais devem estar atentos ao bem-estar dos seus filhos e intervir atempadamente quando acham que este não está a ser salvaguardado. Mas também se pode tornar contraproducente se tomarem constantemente o partido dos filhos nas queixas que estes fazem dos professores, sem tentarem inteirar-se primeiro sobre as duas versões do mesmo problema, escutando o ponto de vista dos docentes.

A braços com dificuldades ao nível da parentalidade e do exercício da autoridade, os pais por vezes não conseguem ser os maiores aliados dos professores, havendo uma troca de acusações mútua, que não só não resolve os problemas, como afasta os intervenientes no processo educativo. Para que tal não aconteça, nunca será demais salientar a importância decisiva do alinhamento entre a escola e a família para a qualidade do processo educativo.

Outra das questões que dificulta o exercício da atividade docente é a crescente complexificação das problemáticas dos alunos, quer a nível comportamental, quer a nível emocional, disciplinar ou de aprendizagem. Muitas destas questões ultrapassam largamente a esfera pedagógica, colocando as escolas perante questões que não conseguem resolver. E que não está nas suas mãos resolver.

É que os professores não são médicos, enfermeiros, psicólogos, pediatras do desenvolvimento, terapeutas ocupacionais, monitores de tempos livres, nem assistentes sociais. São professores. Sendo professores, cabe-lhes atuar na área pedagógica. E se fizerem o seu trabalho bem feito, já estão certamente a fazer muito pelos seus alunos.

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