Cassandra já tem uma casa “só sua” — e “é um lugar de resistência” no Porto

A estrutura artística Cassandra, fundada pela actriz e criadora Sara Barros Leitão, abre as portas da sua nova casa a 21 de Outubro. O Espaço Cassandra “será um lugar de resistência”.

neg - 20 OUTUBRO 2023 - ESPACO CASSANDRA
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Nelson Garrido
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Já foi uma garagem e um armazém de tubagens. Agora, o espaço perto do Campo 24 de Agosto, no Porto, é a nova casa da estrutura artística Cassandra, fundada pela actriz e criadora Sara Barros Leitão.

O espaço abre portas a 21 de Outubro, pelas 18 horas, e estreia-se com a exposição Lenços de Amor- séculos de poesia bordada no feminino, da artista Sara Duarte Brandão. A ilustradora apresenta 82 trabalhos a lápis de cor que replicam e exploram a tradição dos lenços dos namorados, que mais correctamente se chamariam "lenços de amor".

Nessa mesma tarde, o Espaço Cassandra acolhe uma sessão de teatro radiofónico, gravado ao vivo e reproduzido na Antena 2. Esta conversa performativa é conduzida por Cátia Terrinca e surge no contexto do projecto Mil e uma noites, que mapeou as mulheres do século XX a partir de fragmentos literários.

Cassandra é teatro e muito mais

A estrutura artística, fundada em 2020, foi baptizada com o nome de uma personagem da mitologia clássica. Sara Barros Leitão conta que na mitologia grega, Cassandra era a deusa por quem Apolo se apaixonou, “tendo-lhe atribuído o dom de ver a verdade”. Quando esta recusa a tentativa de sedução de Apolo, ele amaldiçoou-a “fazendo com que, apesar de Cassandra ter o dom de ver a verdade, nunca ninguém acreditasse nela”.

O Espaço Cassandra, no Campo 24 de Agosto Nelson Garrido
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O Espaço Cassandra, no Campo 24 de Agosto Nelson Garrido

“Cassandra é a minha personagem mitológica preferida”, confessa a actriz, “porque na história ela tem muita dificuldade em ser ouvida, algo que considero não ser muito diferente da experiência das outras mulheres, pelo menos quando há um homem na mesa”, reflecte.

O eixo principal do colectivo artístico é a criação teatral e o seu primeiro sucesso, Monólogo de uma Mulher chamada Maria com a sua patroa, estreou-se em 2021 e continua em circulação. Já passou por cerca de 50 cidades por todo o país e será também apresentado no Uruguai.

Mas Cassandra vai para além do teatro. A estrutura artística organiza também um clube do livro feminista chamado Heróides, que move uma comunidade de leitores portugueses “e da diáspora portuguesa”, como destaca Sara Barros Leitão, que mobiliza mais de cem pessoas. Mensalmente, as Heróides reúnem-se, de forma presencial ou online, e conversam sobre o livro seleccionado para o mês.

Ademais, esta estrutura artística organiza uma iniciativa designada Parlapatório que junta pessoas dos 18 aos 65 anos para discutirem a democracia. Tudo isto, enquanto desenvolvem o próximo espectáculo, Guião para um país possível, que parte do arquivo das transcrições da Assembleia da República.

Uma “casa” só sua

“Virginia Wolf diz que uma mulher, para escrever, precisa de um quarto só seu, da sua secretária e do seu dinheiro”, começa Sara Barros Leitão por dizer, “e a verdade é que uma companhia de teatro, para fazer o que faz, também precisa de um espaço só seu”, acrescenta a actriz.

Cassandra já existe desde 2020, mas antes de encontrarem esta nova “casa”, a estrutura artística dispunha apenas de uma sala de ensaios, partilhada com outros artistas, que foi uma das vítimas “das inundações de Janeiro no Porto”, conta Sara ao PÚBLICO. No início do ano, a companhia ficou sem tecto, mas a criadora salienta que “como depois da tempestade vem sempre a bonança, surgiu-nos a possibilidade de ocupar este espaço”.

“É muito diferente termos um lugar que é nosso”, afirma Sara. “Acho que é a primeira vez na vida que tenho a chave de uma sala de ensaios.” A fundadora da estrutura artística diz que ter um lugar para Cassandra tem imenso impacto na criação, “não dependemos de uma instituição que nos cede a sala e que no final temos de arrumar”. Além disso, têm agora a liberdade “de poder ficar aqui o tempo que quisermos, às vezes noite dentro, a pensar”, reflecte.

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A garagem no Campo 24 de Agosto é a “casa” de Cassandra, mas pretende ir um pouco mais além, “assim que vimos este espaço, percebemos que tínhamos de reestruturar o nosso projecto artístico”. Este novo lugar não será apenas uma sala de ensaios, os planos passam também por se tornar na livraria de Heróides, ou seja, o sítio onde é possível adquirir os livros discutidos no clube de leitura. Mas não se fica por aí.

“Temos a ambição de que o espaço se torne um sítio de convívio, onde podes visitar uma exposição, comprar um livro e ficar aqui a usar a nossa internet sem teres de consumir”, explica Sara. “Achamos que sítios assim, onde podes conviver, ler ou estudar sem teres obrigatoriamente de consumir fazem falta no Porto”, e por isso a lógica será “beberes um café ou copo de vinho e pagares aquilo que achas que o serviço custou”.

Para a artista, o Espaço Cassandra “será um lugar de resistência”: “Estamos a poucas ruas do STOP, de Passos Manuel, de Santa Catarina e do centro da cidade, completamente tomado.” Para Sara, o Porto está a tornar-se “numa cidade da qual já não fazemos parte”. E, seguindo essa lógica, “qualquer lugar que se consiga abrir que não seja very typical wine and tapas, é um sítio de resistência”, reforça.

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