A advocacia nos 50 anos do 25 de Abril

Os números da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS) não mentem e não permitem esconder o que aí vem.

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I

Vivemos a antecâmara da celebração dos 50 anos do 25 de Abril de 1974 e as advogadas e advogados portugueses continuam na solidão da “caverna” onde foram colocados – assuma-se que também por responsabilidade própria.

A verdade dos factos nem sempre é apreensível de forma clara. Nós, advogados, sabemos bem o que isso quer dizer. Mas neste caso não há dúvidas sobre o escuro em que vivemos – e sabemos também, ou devíamos saber, que nesse vazio há pouca luz e nenhuma razão.

Sejamos claros: neste preciso momento, as advogadas e advogados não têm um sistema de protecção social igual ao de todos os outros cidadãos (todos, todos sem excepção), não beneficiam de um sistema de equiparação no exercício da profissão aos demais prestadores na área da justiça e, por ridículo que pareça, trabalham para o Estado numa função essencial à democracia e são remunerados por uma tabela indigna e que não reflecte, ao menos, as actualizações médias salariais desde a sua publicação.

Por isso mesmo, há pelo menos dez anos que defendo a abertura da ADSE a advogados, contra o pagamento de um valor per capita assumido pela Ordem dos Advogados, com o acerto a ser feito no âmbito da relação Ordem/advogado. A denominada “per capitação” traria claros e inequívocos benefícios e permitiria universalizar os cuidados de saúde a todas e todos os advogados, no âmbito do direito de escolha que a ADSE (e bem!) permite.

Por outro lado, o tema de que ninguém quer falar mas que todos desejamos resolver desapareceu da agenda mediática: qual o futuro previdencial das advogadas e dos advogados portugueses?

Os números da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS) não mentem e não permitem esconder o que aí vem: transformámo-la numa “caixa de mínimos” que não tem perspectiva de garantir uma reforma digna aos actuais contribuintes. Dizer que não tem perspectiva, sublinho, é uma forma tímida de assumir a realidade: sem uma reformulação profunda, as futuras reformas, no âmbito das expectativas geradas, estão comprometidas.

Qual a resposta que será dada a esta questão? Ninguém sabe.

Não sabemos, sequer, se está prevista uma reforma profunda no âmbito da CPAS que garanta a solidariedade e a responsabilidade ou se a única solução é a sua integração na Segurança Social – e, sendo assim, em que termos será realizada.

II

Escolho estes entre tantos outros exemplos porque são ilustrativos de uma questão subjacente a todo o percurso de raciocínio que aqui me trouxe: uma profissão que não aposte na coesão social jamais poderá respeitar a tradição portuguesa da advocacia enquanto profissão liberal.

Aqui chegados cabe, de novo, explicar porque insisto em manifestar o que vai na alma de milhares de advogadas e advogados, das mais diversas idades, espalhados por todo o território nacional: a advocacia portuguesa transformou-se numa profissão que não é respeitada e a quem o poder e a sociedade civil deixaram de reconhecer a dignidade que se exige.

Celebraremos em breve os 50 anos do 25 de Abril, do dia inicial inteiro e limpo, nas eternas palavras de Sophia. Para que essa data seja hoje a “Festa da Democracia”, muito contribuíram advogadas e advogados que se empenharam activamente na luta pela pelo Estado de Direitos Fundamentais, dando em troca a sua liberdade e a, porque não assumi-lo, a sua vida.

É por isso que hoje, perante o enfraquecimento da advocacia enquanto profissão livre, independente e autónoma, perante a ideia que “advogado pode ser qualquer um e não quem o seja de facto”, o silêncio e a omissão são cúmplices (na violação, aliás, das prerrogativas de Abril).

III

Lançar o repto de incluir as advogadas e os advogados na comemoração dos 50 anos do 25 de Abril, não apenas em honra do passado, mas em celebração do presente e do futuro, reconhecendo a profissão como essencial na defesa do Estado de Direito, não é apenas uma carta de intenções.

Bem pelo contrário, tal deve ser entendido como uma exigência ética, uma obrigação sem derivações: a ausência de destaque do papel do advogado enquanto defensor das liberdades não é admissível nem aceitável. Destaque esse que deve, assumimos, começar pela discussão essencial: a coesão social da advocacia portuguesa.

Tenho dito, afirmado e reafirmado: se a advocacia é a mais livre das profissões, custe o que custar, está na hora de pagarmos esse valor, impondo-a na construção permanente da democracia. Nunca contra ninguém, sempre em defesa de todos, a começar dos que carregam esse ónus: as advogadas e os advogados portugueses.

Que Abril seja também o mês da advocacia!

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