Ailton Krenak é o primeiro indígena eleito para a Academia Brasileira de Letras

É um dos grandes pensadores indígenas da actualidade e disputou a vaga deixada pelo historiador José Murilo de Carvalho, que morreu em Agosto, com outro líder indígena, Daniel Munduruku.

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Activista e pensador Ailton Krenak nos jardins da Gulbenkian em Julho de 2023 Rui Gaudêncio

O escritor e activista Ailton Krenak foi eleito nesta quinta-feira para a Academia Brasileira de Letras (ABL) tornando-se assim na primeira pessoa indígena a ocupar uma cadeira na instituição centenária. O autor do recente Futuro Ancestral (Companhia das Letras, 2022) era já o favorito desde que tinha anunciado a sua candidatura, em Agosto, candidatura essa que chegou a estar ameaçada na corrida pelos também candidatos Mary Del Priore, historiadora, e Daniel Munduruku, também líder indígena.

No final, Ailton Krenak obteve uma votação histórica: 23 votos entre os académicos, contra 12 de Del Priore e quatro de Munduruku – havia outros 12 candidatos à concorrida cadeira número 5, antes ocupada pelo historiador José Murilo de Carvalho, que morreu em Agosto aos 83 anos.

Krenak catapultou o seu reconhecimento como intelectual, nos últimos anos, com a trilogia composta por Ideias para Adiar o Fim do Mundo, A Vida Não É Útil e Futuro Ancestral, que contribuíram para popularizar cosmogonias indígenas por todo o Brasil mas também no exterior – esteve recentemente em Portugal, por exemplo, para uma conferência na Culturgest no âmbito da trienal Antropocénica.

Mas a actuação do activista, que acaba de completar 70 anos de idade, remonta décadas atrás, e inclui uma participação decisiva na Assembleia Constituinte, em 1987, quando representava a União das Nações Indígenas, tendo colaborado para incorporar demandas dos povos originários na Carta promulgada no ano seguinte.

Mais indígenas, mais mulheres

Não é de hoje que se reivindica a presença de uma liderança indígena na instituição fundada por Machado de Assis e Rui Barbosa no final do século XIX. Eleições como a de Gilberto Gil e Fernanda Montenegro ampliaram a noção de intelectualidade abarcada pela instituição, que tem também dado passos, ainda que tímidos, para uma maior presença de mulheres e negros na Academia. Além de Gil, a única pessoa negra na Casa de Machado de Assis é o académico Domício Proença Filho. Agora, Krenak vem reforçar a diversidade racial do lugar.

Na primeira candidatura de Munduruku, há dois anos, houve uma mobilização feita num abaixo-assinado para que ele fosse eleito. Mas a ABL não costuma lidar bem com pressões populares, como já havia demonstrado na candidatura de Conceição Evaristo, há cinco anos.

A eleição foi marcada por um inusual conflito público. Na semana passada, Munduruku deu uma entrevista à Folha acusando Krenak de traição ao se candidatar a uma vaga que, segundo ele, ambos tinham combinado que seria do primeiro.

Depois de Munduruku ter perdido a sua vaga para o médico Paulo Niemeyer Filho, em 2021, ele diz ter sido aconselhado "por vários imortais a tentar de novo", já que havia angariado a quantidade expressiva de nove votos. "Disseram que teria muitas chances porque seria o indígena que eles queriam", apontou o autor e educador na ocasião.

Quando Krenak anunciou a sua candidatura, Munduruku chegou a demonstrar-lhe o seu apoio na rede social X (ex-Twitter), afirmando ser "capaz de abandonar um sonho longamente sonhado, fartamente gestado e literariamente escrito para que a causa seja vencedora". Depois mudou de ideias.

O escritor afirmou então que Krenak lhe "puxou o tapete" ao oferecer a sua candidatura à ABL. O autor de Ideias para Adiar o Fim do Mundo rebateu dizendo que nunca houve combinação alguma com o colega. "Nunca fiz um trato com ele, sequer tomamos um café."

Na mesma entrevista, Krenak demonstrou incómodo com a disputa, afirmando que só soube que sua candidatura para se tornar imortal estava a ser veiculada através da imprensa. "Não estava no meu horizonte uma coisa dessas, estou desmarcando um monte de coisas para cumprir as burocracias e demandas da Academia sem sequer fazer parte dela."

Os dois líderes indígenas, contudo, seguiram os ritos e burocracias internas da instituição e mantiveram as suas candidaturas activas até ao final.

Exclusivo PÚBLICO/Folha de S. Paulo

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