Costa negoceia com patrões e sindicatos aumentos salariais maiores que o previsto

Governo ainda negoceia salário mínimo acima dos 810 euros previstos e redução das taxas do IRS em sede de concertação. Aumento de 6,5% das pensões em 2024 representa mais 2000 milhões de despesa.

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Primeiro-ministro afirmou que o aumento de 6,5% das pensões em 2024 representa 2000 milhões de euros. Nuno Ferreira Santos
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O aumento do salário mínimo nacional (SMN) em 2024 poderá ir além dos 810 euros acordados no ano passado em concertação social e, a uma semana da entrega do Orçamento do Estado no Parlamento, o Governo ainda está em negociações com os parceiros sociais sobre a redução do IRS. Na entrevista desta segunda-feira à noite à TVI/CNN Portugal, António Costa não quis apontar valores para a redução das taxas de IRS alegando, precisamente, que o assunto ainda está em discussão com patrões e sindicatos, mas garantiu que a “trajectória de redução de 2000 milhões de euros é para seguir até ao final da legislatura” – e conseguiu não comentar a proposta de redução das taxas do PSD.​

"Há uma proposta da UGT [a central sindical afecta ao PS] para que o aumento [do salário mínimo] seja superior ao previsto", e passe para 830 euros, e o líder das confederações patronais "admitiu que que há abertura [dos patrões] para rever o valor do aumento. (...) Não será do lado do Governo que haverá impedimento", garantiu António Costa.

Mas o primeiro-ministro não fica tão agradado com a proposta dos patrões de pagar um 15.º mês optativo para alguns trabalhadores que atinjam algumas condições. Se as empresas têm disponibilidade para pagar esse prémio, então seria preferível pegar nesse valor, “na ordem dos 7%”, ou seja, superior aos 4,8% do acordo de rendimentos, e transformá-lo num valor de aumento dos salários para todos, sustentou António Costa.

“Entre o que pode descer o IRS (…) e se as entidades patronais estiverem disponíveis para um aumento superior dos salários, podemos aproximar-nos de algo semelhante a isso. (…) É o que estamos a negociar em concertação social”, disse o primeiro-ministro. Garantiu que "vai ser mantida a trajectória de redução de 2000 milhões de euros" no IRS até ao final da legislatura, e conseguiu não responder sobre o que pensa das propostas de redução fiscal do PSD.

Fim do regime de IRS para residentes não habituais

Ainda no IRS, o primeiro-ministro anunciou que vai acabar o regime do estatuto de residente não habitual que prevê uma taxação de apenas 10% no IRS durante dez anos. A medida para os residentes não habituais foi criada em 2009 e pressupõe uma taxa de apenas 10% de IRS durante dez anos. Mas percebeu-se que mais de metade dos beneficiários se mantinha no país depois desse período. Já "não faz sentido manter uma medida de injustiça fiscal e é uma forma enviesada de continuar a inflacionar o mercado de habitação", disse Costa.

O primeiro-ministro haveria de defender depois, na parte das perguntas de cidadãos, que o país precisa de um choque salarial mas sem que isso ponha em causa o tecido empresarial. Apesar de o salário mínimo ter crescido 50% em 20 anos, o salário médio apenas 30%. António Costa admitiu que "com os salários que são pagos, as pessoas não estão disponíveis para trabalhar" porque olham para além do dinheiro, para as condições que as empresas dão, para a forma de relacionamento e para a disponibilidade que lhe deixam para a vida familiar. "Temos que criar condições para a nova geração se sentir plenamente realizada no país."

Já o aumento, pela lei, de 6,5% nas pensões e reformas em Janeiro do próximo ano vai representar uma despesa adicional de 2000 milhões de euros.

"Vamos ter um novo excedente orçamental, apesar de termos menos mil milhões de euros no IRS", disse Costa, defendendo a necessidade de manter a estabilidade na dívida. "Cada décima que pouparmos [na dívida] significa [uma poupança de] 60 milhões de euros de juros, que é o mesmo do IVA zero na alimentação durante um mês", argumentou.

Professores? "Não vendo ilusões"

Sobre a recuperação do tempo de serviço congelado proposta pelo PSD, Costa volta a usar o termo "ilusões" para dizer que consigo "também não haverá frustrações". "A minha mulher foi educadora. Infelizmente, conheço de perto a frustração dos professores", havia afirmado antes, apontando duas razões: "Tinham expectativa da idade da reforma e das progressões na carreira que foram sendo frustradas."

"Não vou estar a comprometer-me com algo que sei que não posso cumprir e que é insustentável para o país", defendeu o primeiro-ministro sobre a recuperação integral, dizendo que há temas mais importantes para discutir hoje do que essas ilusões, como o uso de telemóvel e os manuais digitais.

"Acho bem que o PSD, que conviveu bem com o congelamento, agora queira recuperar tempo (...) Não posso recuperar só para algumas carreiras; o que fizemos foi aplicar aos professores o que se fez para os outros."

PSD e Marcelo contra direito à habitação?

Acerca da habitação, Costa admitiu a sua frustração por a realidade da falta de casas ter “avançado mais depressa do que as medidas políticas”. Depois de elencar as medidas e objectivos do pacote tão contestado do Mais Habitação, o travão ao aumento das rendas e os apoios no crédito à habitação, ainda deixou espaço para as críticas ao PSD e a Marcelo, como que irritado com uma pergunta sobre ter feito "orelhas moucas" das críticas.

"Os argumentos das pessoas com quem simpatizo e que estiveram a manifestar-se pelo direito à habitação são opostos aos do PSD e do Presidente da República (...) e entendem que esse direito prevalece sobre o direito à propriedade”. Logo a seguir, o primeiro-ministro fez questão de salientar que "as dúvidas do Presidente [que levaram ao veto] tiveram a ver com o facto de [o plano] funcionar ou não no curto prazo" e que várias propostas do diploma original acabaram por ser mitigadas.

Sobre o novo aeroporto, Costa congratulou-se com acordo com o PSD para a comissão técnica que irá entregar até fim do ano a sua recomendação técnica e que o Governo tomará a decisão política rapidamente. "Espero que em conjunto com o PSD." Sobre a hipótese de o PSD rejeitar, Costa admite que não o "surpreenderia", porque "o PSD já disse tudo e o seu contrário". "Não há nenhuma solução 100% boa ou má; temos que ter confiança nos técnicos para tomarmos a decisão mais sustentável do ponto de vista técnico. Como há quatro ou cinco soluções, a decisão que for tomada vai ter um coro imenso de oposição. Por isso, é importante que haja entendimento para que, quando houver um Governo do PSD, a obra não volte para trás."

Cabaz das famílias mais pobres e alojamento para professores

Nas questões do público, houve quem perguntasse se haverá novas medidas de apoio como o cabaz alimentar, Costa disse que o IVA zero se vai manter e que será reforçado o subsídio trimestral dado ao milhão de famílias "em matéria alimentar". Um ex-professor quis saber se haverá medidas para evitar que os professores morem no carro à porta da escola e Costa disse estar a ser desenhada uma medida de apoio ao alojamento de professores deslocados, cujo modelo não quis especificar, e que está também a ser negociado com municípios.

À chegada ao ISEG, questionado pela repórter da TVI sobre se o OE2024 trará medidas para melhorar a vida dos portugueses tendo em conta o contexto de crise actual, António Costa preferiu olhar para o passado: disse que os seus governos têm procurado incluir medidas, como a redução de impostos, descongelamento de carreiras, eliminação de cortes de pensões e salários ou manuais escolares gratuitos. Mas admitiu que os próximos tempos não serão fáceis, sobretudo devido ao aumento das taxas de juro e ao mau desempenho de algumas das potências económicas europeias, como a Alemanha. "A subida das taxa de juro vai refrear investimento privado; é importante acompanhar com investimento público e com ajuda ao aumento dos rendimentos", prometeu.

Sobre se esperava tanta contestação com uma maioria absoluta, o primeiro-ministro considerou que "faz parte de viver em liberdade que quem está descontente se manifeste, faz parte do diálogo democrático. "Temos procurado" ter uma política relativamente equilibrada, embora nem sempre com tudo aquilo a que todos "aspiram".

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