Nacionalista que vai pôr fim à ajuda à Ucrânia vence eleições na Eslováquia

Os analistas antecipam que Robert Fico assumirá uma atitude pragmática em relação à UE e à NATO. A maioria dos eslovacos acredita que a Ucrânia e os seus aliados ocidentais são culpados da guerra.

Foto
Robert Fico prepara-se para negociar uma coligação que o levará ao poder pela quarta vez MARTIN DIVISEK/EPA
Ouça este artigo
00:00
04:26

As preocupações da União Europeia e dos Estados Unidos acabaram por se confirmar na Eslováquia, quando a contagem dos votos corrigiu as sondagens à boca das urnas e Robert Fico, um nacionalista de centro-esquerda que fez uma campanha pró-Rússia, ganhou o direito a tentar formar governo. Olhando para os resultados finais das legislativas de sábado, é bastante provável que o ex-primeiro-ministro eslovaco consiga desenhar uma coligação e voltar ao poder uma quarta vez.

O seu partido, Smer, somou 23,3% dos votos, batendo assim o centrista e europeísta Eslováquia Progressiva, do eurodeputado eslovaco Michal Simecka, que obteve 17%. Em terceiro lugar surge o Hlas, uma cisão do Smer liderado pelo ex-primeiro-ministro Peter Pellegrini, que conseguiu 14,7%. Relevante para o futuro da governação no pequeno país da UE é também o resultado do ultranacionalista (e assumidamente pró-russo) Partido Nacionalista Eslovaco (SNS), que conseguiu 5,6%.

Partido mais moderado e europeísta, o Hlas mantém-se próximo do Smer. Pellegrini, ex-número “dois” de Fico, notou que pode ser complicado gerir a presença de dois ex-chefes de governo num executivo: “Não é ideal, mas isso não significa que essa coligação não possa ser formada.”

Fico “tem um caminho claro para o poder”, afirmou à emissora pública alemã Deutsche Welle Milan Nic, analista do centro de estudos internacionais German Council on Foreign Relations.

“A coligação com o Hlas e com o nacionalista pró-russo SNS terá uma maioria estreita e é a primeira escolha para os três partidos”, explicou. Nic não tem dúvidas de que “Robert Fico vai regressar para o seu quarto governo e acabar com a ajuda bilateral militar à Ucrânia”, mas recorda que “isso já não é muito significativo porque os stocks na Eslováquia acabaram”.

“Apesar disso, penso que vai ser muito táctico na escolha das suas batalhas. Não acredito que vá tentar acabar com as sanções da UE, nem [o primeiro-ministro da Hungria Viktor] Orbán fez isso”, defendeu o especialista em política eslovaca — durante a campanha, Fico descreveu as sanções contra Moscovo como “inúteis”. “Espero que abandone a retórica extremista que lhe valeu os votos e que governe de forma mais pragmática. O desafio para Washington e Berlim vai ser decidir se se relacionam com ele ou se se distanciam”, antecipou.

Em declarações ao jornal britânico The Guardian ainda antes da contagem, Andrej Matisak, jornalista do diário eslovaco Pravda, previa que, “pelo menos a curto prazo, Fico não deverá fazer nada drástico do ponto de vista internacional para evitar chamar a atenção das instituições da UE”.

Considerando “inteiramente possível que Fico aja de forma pragmática em relação à UE e à NATO”, Matisak também admitiu que isso pode ser complicado, depois de o veterano dirigente ter “pisado algumas linhas vermelhas” e tendo em conta que “os seus potenciais aliados de extrema-direita são ainda mais pró-Rússia do que ele”.

A ameaça dos EUA

Caso se confirme a aliança dos três partidos, Fico terá o apoio de uma maioria parlamentar. Ainda assim, Michal Simecka afirmou que o seu partido fará o possível para evitar esse cenário. “Pensamos que isto são notícias muito más para a Eslováquia”, disse o eurodeputado que é um dos vice-presidentes do Parlamento Europeu, num comentário aos resultados. “E as notícias serão ainda piores se Robert Fico conseguir formar governo.”

De acordo com uma sondagem encomendada em Março pelo think tank Globsec, de Bratislava, e recordada agora pelo Guardian, a maioria dos eslovacos acredita que a responsabilidade da guerra da Ucrânia é dos países ocidentais ou de Kiev — 40% consideram que é da Rússia. Ao mesmo tempo, metade vê os Estados Unidos como uma ameaça ao seu país.

Com muitos episódios de violência verbal (e até física) e discurso de ódio, a campanha ficou marcada por uma onda de desinformação, promovida em grande parte por políticos eslovacos, mas vinda também do estrangeiro e alimentada ainda pela embaixada russa, “a mais activa de todas as embaixadas russas no mundo, se analisarmos os dados do Facebook”, disse ao diário francês Libération Tomas Krissak analista da organização Gerulata Technologies, que produz ferramentas para combater a propaganda online.

Segundo avaliava no final da campanha Peter Duboczi, editor do site eslovaco de luta contra a desinformação Infosecurity.sk, ouvido pela AFP, “o ecossistema de desinformação atingiu o seu apogeu na Eslováquia”, pelo que estas foram as primeiras eleições no país a “reflectir todo o potencial da desinformação”.

Sugerir correcção
Ler 59 comentários