Casos climáticos em tribunal duplicaram em cinco anos. 30% já são fora dos EUA

Processos por todo o mundo estão a aumentar, mas dois terços ainda ocorrem nos EUA. Processo de jovens portugueses contra 33 Estados no Tribunal dos Direitos Humanos é destacado em relatório.

Foto
Um dos casos destacados no relatório foi o processo movido por seis jovens portugueses, entre os quais os irmãos André e Sofia Oliveira e as vizinhas Cláudia Agostinho e Catarina Mota (no ecrã) Rui Gaudencio

O número de processos judiciais relacionados com as alterações climáticas mais do que duplicou em cinco anos, à medida que os impactos, que vão desde a escassez de recursos hídricos a ondas de calor perigosas, atingem milhões de pessoas, segundo um relatório publicado na quinta-feira pelo Programa das Nações Unidas para o Ambiente (UNEP) e da Universidade de Columbia, em Nova Iorque, que acompanha processos climáticos de todo o mundo.

Entre 2017 e 2022, foram instauradas cerca de 2180 acções judiciais relacionadas com o clima em 65 jurisdições, de acordo com o Global Climate Litigation Report: 2023 Status Review, que agregou casos em tribunais internacionais, regionais e nacionais, e ainda outros tribunais, órgãos parajudiciais e outros órgãos de recurso, incluindo procedimentos especiais da ONU e tribunais de arbitragem.

De acordo com este relatório sobre litigância climática global, em 2017 havia apenas 884 casos documentados em 24 jurisdições. “Estamos a assistir a um enorme aumento do número de casos”, disse Maria Antonia Tigre, do Centro Sabin da Universidade de Columbia, acrescentando que o número de casos apresentados por ano duplicou nos últimos cinco anos.

Embora os Estados Unidos continuem a dominar com mais de 1500 processos, outros países estão a registar aumentos. Cerca de 17% dos casos foram apresentados em países em desenvolvimento (incluindo os pequenos Estados insulares em desenvolvimento, conhecidos pela sigla SIDS), sendo que o Brasil e a Indonésia, países ricos em florestas tropicais, são os que registam o maior número de processos.

Nas Filipinas, por exemplo, o Inquérito Nacional sobre as Alterações Climáticas da Comissão dos Direitos Humanos concluiu que 47 grandes empresas petrolíferas e de gás têm responsabilidade empresarial de levar a cabo as devidas diligências em matéria de direitos humanos e de reparar os danos causados, refere o relatório.

Uma questão de direitos humanos

À medida que as populações esperam que os governos e as empresas reduzam as emissões de gases com efeito de estufa - e sofrem as consequências quando não o fazem -, “as pessoas estão cada vez mais a recorrer aos tribunais para obter respostas”, afirma Andrew Raine, chefe da unidade de direito ambiental internacional do UNEP.

Um dos exemplos dados no relatório é a decisão histórica, em 2021, de um tribunal dos Países Baixos que ordenou à Shell que reduzisse as suas emissões de dióxido de carbono em 45% até 2030, em relação aos níveis de 2019.

Muitos casos envolvem acusações de greenwashing por parte das empresas, outros batem-se por uma maior divulgação de informações sobre o clima. Alguns procuram ainda responsabilizar os governos pela falta de políticas relacionadas com o clima ou pela não aplicação das leis existentes.

Este ano, milhares de mulheres suíças idosas foram ouvidas pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, alegando que os esforços climáticos “lamentavelmente inadequados” do seu governo, que resultaram na restrição da sua liberdade e em risco para a sua saúde durante as ondas de calor causadas pelas alterações climáticas, violam os seus direitos humanos.

Espera-se também mais casos apresentados por grupos vulneráveis que sofrem o impacto de fenómenos extremos causados pelas alterações climáticas, como pessoas obrigadas a deslocar-se dentro dos próprios países e refugiados que se vêem forçados a abandonar os seus países. Isto colocará alguns desafios aos tribunais, nomeadamente sobre como determinar a responsabilidade dos Estados numa matéria com tantas implicações transfronteiriças.

Há ainda vários processos relacionados com a falta de medidas de preparação e redução de risco contra desastres naturais, em particular os que estão relacionados com fenómenos climáticos extremos, e processos movidos por comunidades indígenas em defesa dos seus territórios.

Jovens lutam pelo futuro

Os jovens activistas do clima já desempenham também um papel central na litigância climática, com 34 processos apresentados em nome de crianças, adolescentes e jovens adultos entre 2017 e 2022.

Foto
Catarina Mota integra o grupo de seis jovens portugueses que processou 33 países no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos Rui Gaudêncio

É o caso do processo no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos que coloca seis crianças e jovens portugueses contra 33 Estados. Com o apoio do Global Legal Action Network (GLAN), os jovens defendem que a Convenção Europeia dos Direitos Humanos obriga os Estados a tomarem acções concretas para reduzir as emissões de gases com efeitos de estufa (GEE) e a cumprirem aquilo a que se comprometeram quando assinaram o Acordo de Paris, assegurando um ambiente seguro para os cidadãos.

Citados no relatório do UNEP e da Universidade de Columbia, os jovens querem que o tribunal tome uma decisão que obrigue Portugal e as dezenas de países processados a agirem de forma urgente para travar a crise climática, para que eles e os que ainda não nasceram possam continuar a usufruir do planeta.

Apesar do impulso destes casos em defesa do ambiente e do clima, os peritos afirmam esperar também mais casos que resultem em retrocessos, à medida que as empresas procuram proteger as operações e os activos dos combustíveis fósseis. Este backlash poderá sentir-se, por exemplo, através de processos que travem medidas tomadas pelos Estados de mitigação e de adaptação às alterações climáticas.

Os processos judiciais que visam as acções dos activistas climáticos também estão a aumentar, alertou Maria Antonia Tigre, do Centro Sabin da Universidade de Columbia.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários