Dia histórico para a acção climática na ONU e no Tribunal de Direitos Humanos

Duas audiências inéditas no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos e uma resolução histórica da Assembleia-Geral das Nações Unidas marcaram uma quarta-feira de avanço para a justiça climática.

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Ishmael Kalsakau, primeiro-ministro de Vanuatu, arquipélago do Pacífico Sul Reuters/EDUARDO MUNOZ

A Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou esta quarta-feira uma resolução para requerer ao Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) um parecer que clarifique as obrigações dos Estados no combate às alterações climáticas, o que poderá levar os países a tomar medidas mais fortes e trazer mais clareza ao direito internacional. Neste mesmo dia, a nível do Conselho da Europa, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos ouviu pela primeira vez queixas referentes à inacção dos Estados para combater as alterações climáticas. Um dia marcante para a acção climática.

Nas Nações Unidas, a resolução foi aprovada por consenso, depois de uma campanha de quatro anos liderada pela República de Vanuatu, arquipélago do Pacífico Sul muito vulnerável a fenómenos climáticos potenciados pelas alterações climáticas, incluindo dois ciclones de categoria quatro apenas este mês. Inspirada por estudantes de direito das ilhas do Pacífico que procuram justiça climática no sistema jurídico internacional, a resolução foi promovida por Vanuatu com o apoio de 18 países, incluindo Portugal.

"Esta opinião poderá ajudar a Assembleia Geral, as Nações Unidas e os Estados Membros a tomar a acção climática mais firme e audaz de que o mundo precisa desesperadamente", afirmou esta quarta-feira o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres.

O primeiro-ministro de Vanuatu, Ishmael Kalsakau, afirmou perante a Assembleia-geral da ONU que esta resolução, assim como a opinião que o TPI (órgão judicial da ONU) deverá emitir, "terá um impacto poderoso e positivo em como abordamos as alterações climáticas e protegemos as gerações presentes e futuras". "Hoje testemunhámos uma vitória de proporções épicas para a justiça climática", declarou. "Juntos, vamos enviar uma mensagem clara e sonora, não apenas no mundo de hoje como para o futuro, de que neste dia os povos da ONU, através dos seus representantes, decidiram deixar de lado as suas diferenças e trabalhar em conjunto para agir sobre os desafios do nosso tempo."

O TIJ poderá levar ainda cerca de 18 meses a emitir um parecer consultivo, com os países a serem chamados a contribuir durante o próximo ano. Este parecer não é vinculativo em nenhuma jurisdição, mas pode fortalecer futuras negociações sobre o clima ao clarificar as obrigações dos países sobre as alterações climáticas, incluindo financeiras, além de estabelecer um precedente importante para decisões em tribunais nacionais.

Inédito em Estrasburgo

Num dia preenchido no que toca à acção climática, foram ouvidos pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, numa audiência inédita, dois casos sobre questões climáticas em que os governos da Suíça e de França, respectivamente, são acusados de inacção no que toca ao combate às alterações climáticas, violando o direito à protecção efectiva da vida e ao respeito pela vida privada e familiar.

Durante a manhã, foram ouvidos os representantes de um grupo de centenas de mulheres com mais de 64 anos, encabeçado pela associação KlimaSeniorinnen Schweiz, que acusam o Estado suíço de não agir o suficiente para combater as alterações climáticas, cujos efeitos já conhecidos incluem um impacto maior sobre mulheres desta faixa etária. Os efeitos das alterações climáticas, referiu a advogada Jessica Simor, colocam "ameaças serias não apenas à sua saúde e bem-estar como à sua existência".

À tarde, foi ouvido o eurodeputado Damien Câreme, que iniciou o processo quando era presidente da Câmara de Grande-Synthe, acusando o Estado francês de não fazer o suficiente para reduzir as emissões de gases que alimentam o aquecimento global, o que tem consequências visíveis para a vida dos cidadãos.

No final do Verão será avaliado um terceiro caso, que coloca um conjunto de jovens portugueses e diversas ONG contra 33 países europeus, evocando igualmente a violação do direito à vida e do respeito pela privacidade, mas também a proibição de discriminação - prevista no artigo 14 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos -, uma vez que a inacção dos governos em matéria de acção climática prejudica de forma desproporcional as gerações mais jovens, que vão sentir os impactos no clima durante mais tempo e de forma mais intensa.

Os três casos são os primeiros a serem ouvidos pelo TEDH em matérias climáticas e serão analisados em tribunal pleno, a grande chambre de 17 juízes. Apesar de o direito a um ambiente saudável não estar previsto na Convenção Europeia dos Direitos Humanos, o tribunal já tomou anteriormente decisões favoráveis a questões ambientais com base noutros direitos previstos na Convenção, como o direito à vida. Já as questões do clima, que surgem como um sub-tema dentro do ambiente, trazem nova complexidade e estão a ser analisadas pela primeira vez.

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