EUA: primeiro julgamento sobre crise climática coloca jovens contra Montana

Um grupo de 16 jovens procura responsabilizar o Estado pelas políticas favoráveis aos combustíveis fósseis que agravam o aquecimento global e ameaçam o seu futuro.

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É a primeira vez que um tribunal aceita ouvir os queixosos em julgamento num caso de acção climática com bases constitucionais DAVID BENITO/GettyImages

O primeiro julgamento de vários casos de alterações climáticas nos Estados Unidos, apresentados por jovens, teve início na segunda-feira em Montana, onde dezasseis jovens procuram responsabilizar o Estado pelas políticas favoráveis aos combustíveis fósseis que, segundo dizem, agravam o aquecimento global e ameaçam o seu futuro.

Roger Sullivan, advogado dos jovens queixosos, traçou um quadro abrangente dos custos e consequências das políticas energéticas do Montana, que, segundo argumenta, violam uma disposição constitucional do Estado que garante o direito a um "ambiente limpo e saudável", durante o seu discurso de abertura no julgamento de duas semanas no tribunal estadual.

Os queixosos, que tinham entre 2 e 18 anos quando intentaram a acção em 2020, querem que a juíza Kathy Seeley, de Helena, declare que as políticas do Estado violam os seus direitos. Esperam que isso estabeleça um precedente importante e incentive os legisladores da capital do estado a tomar mais medidas para combater as mudanças climáticas, de acordo com seus advogados.

Rikki Held, que dá nome à acção, é a jovem mais velha do grupo e tinha 18 anos quando o processo foi interposto. O mais novo é o pequeno Nathaniel K., na altura com apenas dois anos, uma criança com problemas respiratórios e com a saúde ameaçada pelos incêndios florestais agravados pelas alterações climáticas, como explicam os seus pais ao The New York Times.

Sullivan afirmou que o licenciamento contínuo de combustíveis poluentes, como o carvão e o gás, está a contribuir para uma crise global que está a diminuir os glaciares e a fazer secar os seus rios, e argumentou que os jovens que representa estão a sofrer danos psicológicos, de saúde e económicos em consequência disso.

"Vacas magras e gado morto"

Montana é um dos seis estados norte-americanos cuja constituição integra direitos ambientais. Numa acção climática histórica, estes jovens alegam que o estado de Montana também está a violar o direito constitucional de “procurar segurança, saúde e felicidade; e a dignidade individual e igualdade de protecção pela lei”.

A queixosa principal, Rikki Held, actualmente com 22 anos, testemunhou que as alterações climáticas já provocaram condições graves no rancho da sua família no leste do Montana. Segundo ela, as secas deixaram "vacas magras e gado morto" e os incêndios florestais fizeram cair cinzas do céu.

Mas a jovem diz estar optimista quanto à possibilidade de as coisas mudarem. "Temos a tecnologia e o conhecimento, só precisamos de empatia e vontade de fazer a coisa certa", disse ela.

O advogado Mark Stermitz, que representa o Estado, disse que o julgamento vai incluir "muitas emoções" e "muitas suposições, acusações, especulações e prognósticos e, nomeadamente, medo" sobre o futuro. Mas, defende: a realidade é "muito mais aborrecida" do que o que os jovens afirmam.

As emissões de gases com efeito de estufa do Montana estão a diminuir, referiu Stermitz. E os jovens não estão a desafiar políticas que, se invalidadas, mudariam agora significativamente o impacto do estado no clima.

Segundo refere, isso deve-se ao facto de a principal política visada na acção judicial, a Lei de Política Ambiental de Montana, se tratar de uma lei "processual" que exige revisões ambientais para grandes projectos, mas não determina resultados específicos.

Advogados tentaram arquivar o caso

Os advogados do Estado tentaram repetidamente que o processo fosse arquivado antes do julgamento, argumentando que as alterações climáticas são uma questão que deve ser tratada através do processo político e não em tribunais.

Os queixosos alegam que a "autorização, permissão, encorajamento e facilitação sistémica" dos combustíveis fósseis por parte do Estado agrava a crise climática, apesar do que chamam um dever afirmativo, ao abrigo de uma emenda de 1972 à Constituição do Montana, de proteger e melhorar o ambiente para as gerações passadas e futuras.

Os jovens originalmente tinham tentado obter uma ordem judicial que obrigasse o estado a desenvolver um plano de remediação ou políticas para reduzir as emissões. Seeley rejeitou essa proposta em 2021, uma vez que, segundo a juíza, isso exigiria que o tribunal tomasse decisões políticas que seriam melhor deixadas para outros ramos do governo.

O caso é um dos vários casos constitucionais sobre o clima em nome de jovens queixosos em todos os EUA, e é o primeiro a ir a julgamento. Já existem casos climáticos de jovens contra outros estados nos EUA, mas é a primeira vez que um tribunal aceita ouvir os queixosos em julgamento num caso de acção climática com bases constitucionais. As audiências deste caso Held v. Montana deverão durar duas semanas, concluindo a 23 de Junho.

No final de Março, vimos pela primeira vez o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos a ouvir casos ligados ao clima. No mesmo dia, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou uma resolução, promovida por Estados do Pacífico-Sul liderados pela república de Vanuatu, para pedir ao Tribunal Internacional de Justiça um parecer que clarifique as obrigações legais dos Estados no combate às alterações climáticas.

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