Jovens processam Montana por apoio inconstitucional a combustíveis fósseis. Tribunal vai ouvi-los

Há casos climáticos de jovens contra outros estados nos EUA, mas é a primeira vez que o tribunal leva a julgamento um com bases constitucionais. Julgamento no estado de Montana começa a 12 de Junho.

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Os 16 jovens e crianças que estão a processar o estado do Montana, nos EUA DR Our Children’s Trust

Pela primeira vez na história dos EUA, uma acção judicial climática movida por jovens vai ser ouvida em julgamento. A 12 de Junho, um grupo de jovens vai defender perante um juiz do tribunal de Helena, no estado norte-americano de Montana, que o apoio a um “sistema energético baseado em combustíveis fósseis, que está a contribuir para a crise climática”, viola a Constituição de Montana, que consagra a obrigação de “manter e melhorar um ambiente limpo e saudável para as presentes e futuras gerações”.

Já existem casos climáticos de jovens contra outros estados nos EUA, mas é a primeira vez que um tribunal aceita ouvir os queixosos em julgamento num caso de acção climática com bases constitucionais. As audiências deste caso Held v. Montana vão durar duas semanas, concluindo a 23 de Junho.

Montana é um dos seis estados norte-americanos cuja constituição integra direitos ambientais. Numa acção climática histórica, estes jovens, que em Março de 2020 processaram o estado com o apoio da associação de litigância ambiental Our Children’s Trust – que já ajudou jovens a processar os governos de todos os 50 estados americanos e acompanha casos emblemáticos, como Juliana v. EUA –, alegam que o estado de Montana também está a violar o direito constitucional de “procurar segurança, saúde e felicidade; e a dignidade individual e igualdade de protecção pela lei”.

Este julgamento será uma oportunidade histórica para estes 16 jovens de Montana e para os especialistas que os acompanham testemunharem em tribunal sobre como a promoção histórica e actual dos combustíveis fósseis feita pelo estado de Montana está a causar graves danos aos queixosos, e [para] falarem sobre a necessidade urgente de intervenção judicial”, afirmou à revista Scientific American Nate Bellinger o advogado da Our Children’s Trust, que lidera a equipa jurídica desta acção.

Os queixosos argumentam ainda que o “sistema energético de combustíveis fósseis está a degradar e a esgotar os recursos públicos protegidos constitucionalmente, incluindo a atmosfera, os rios e lagos, os peixes e a vida selvagem”.

Quem são estes jovens?

Rikki Held, que dá nome à acção, é a jovem mais velha do grupo e tinha 18 anos quando o processo foi interposto. O rancho de 28 mil metros quadrados onde cresceu, em Broadus, é uma das propriedades que têm tido dificuldades com a falta de água e a seca, devido às condições meteorológicas cada vez mais imprevisíveis. O mais novo é o pequeno Nathaniel K., na altura com apenas dois anos, uma criança com problemas respiratórios e com a saúde ameaçada pelos incêndios florestais agravados pelas alterações climáticas, como explicam os seus pais ao New York Times.

Sariel Sandoval, que tinha 17 anos quando a acção foi aberta, cresceu na reserva indígena Flathead, no norte de Montana, e explicou ao jornal norte-americano que o facto de estar a nevar cada vez menos no Inverno faz descer o nível da água no lago Flathead, prejudicando a pesca praticada pela sua tribo. “Quando temos esse relacionamento íntimo com a terra, é duro ver como as alterações climáticas a estão a afectar, o mal que está a ser feito.”

Os irmãos Badge e Lander Busse (hoje com 15 e 18 anos), que no final da semana passada deram rosto à reportagem do NYTimes sobre o caso contra o estado de Montana, recordam-se de casos como o da sua professora de Biologia do 8.º ano, que questionava a ciência que explica a causa humana das alterações climáticas, num estado conservador, com um governo republicano, onde participar num caso destes não é uma decisão muito popular.

Investimento fóssil é inconstitucional?

Michael Gerrard, director do Centro Sabin de Direito para as Alterações Climáticas da Universidade Columbia, afirmou ao New York Times que este é o primeiro julgamento que vai “discutir os méritos das alterações climáticas, o que precisa ser feito e como o Estado pode ter que mudar a sua acção”.

Os advogados da organização Our Children’s Trust têm trabalhado na preparação dos 16 jovens e crianças que subscrevem a acusação, recolhendo provas do impacto das alterações climáticas no estado de Montana e do amplo apoio dado pelo estado à indústria dos combustíveis fósseis, que se traduz em autorizações, subsídios e regulamentos favoráveis.

“Estamos a fazer um grande esforço para levar a geração jovem aos tribunais e fazê-lo pela óptica dos direitos humanos”, afirmou a advogada Julia Olson, fundadora da Our Children’s Trust, ao NYTimes.

Mesmo que seja dada razão aos jovens, o tribunal não poderá dizer ao estado de Montana o que fazer. No entanto, a grande vitória deste processo poderá estar na palavra do tribunal sobre se os combustíveis fósseis estão a causar poluição e a aquecer o planeta e se o estado está, ou não, a violar os direitos constitucionais ao apoiar essa indústria.

Michael Burger, director executivo do Centro Sabin, que tem uma das maiores bases de dados de litígios climáticos, explicou à NBC que parte do que torna este julgamento importante é que, pela primeira vez, o juiz quer ouvir as provas apresentadas. E, se o tribunal do estado “determinar que é inconstitucional não considerar as alterações climáticas ao abrigo da lei de avaliação do impacto ambiental de um Estado... isso é algo grande”, nota o jurista.

Por todo o mundo, surgem cada vez mais casos de litigância climática. Na Europa, esta também foi uma semana de audiências históricas: pela primeira vez, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos ouviu casos relacionados com as alterações climáticas.

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