Convívio ou telemóvel, eis a questão

Os pais não se devem demitir de protegerem os filhos daquilo que põe em causa o seu bem-estar, presente e futuro, mesmo que isso cause desagrado.

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Através das redes sociais e das aplicações, uma criança torna-se um alvo fácil para pessoas mal-intencionadas PETER CALHEIROS
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Há cerca de duas semanas, foi realizada uma petição para restringir o uso dos telemóveis no recreio das escolas, dado verificar-se um uso excessivo dos referidos aparelhos num espaço que deveria estar associado à diversão e ao convívio.

Para muitas crianças e adolescentes, os telemóveis representam um sinal de crescimento e de poder, na medida em que se sentem importantes e pertencentes a um grupo. Todavia, o que muitas crianças não estão capazes de perceber é o contributo do uso do telemóvel na redução da interação espontânea e consequente aumento do fosso relacional entre pares. Esta percepção cabe, em primeiro lugar, aos adultos.

Pese embora o conhecimento pelos pais de que o telemóvel nem sempre será usado da melhor forma, o aparelho é facultado sob o pretexto de que é mais fácil comunicarem na hora da saída da escola e/ou atendendo à pressão da criança, que alega que todos os seus colegas têm telemóvel e nenhum pai ou mãe quer ver o seu filho ser excluído do grupo.

Curiosamente, este receio representa um paradoxo, porque para evitar o isolamento social, dá-se o telemóvel à criança, porém, é justamente o seu uso desmedido que promove o isolamento, acrescendo a dependência.

Algumas vezes, ocorre o absurdo das crianças ou jovens estarem no mesmo espaço e comunicarem através das redes sociais! O problema agrava-se dado o acesso sem restrições nem controlo de tempo e de conteúdos a todos os tipos de sites e de redes sociais.

Como consequência, muitas crianças apresentam dificuldades sociais, como por exemplo, de iniciar e de manter um diálogo com alguém, e perdem a possibilidade de criarem laços e de desenvolverem as bases para as suas relações futuras, quer sejam de amizade ou amorosas.

As crianças tímidas e introvertidas baixam ainda mais os olhos e evitam o contacto, escondendo-se atrás da tela e aparentando estar ocupadas com algo mais importante do que a socialização.

Ademais, temos vindo a presenciar um fenómeno preocupante do ponto de vista do desenvolvimento: as crianças não sabem estar sozinhas consigo próprias em momentos de ócio, a maioria sente-se agitada e entra em stress, recorrendo aos aparelhos eletrónicos como fonte de regulação. E é assim que o telemóvel ocupa um lugar tão central que se transforma numa espécie de ama eletrónica que faz companhia e serve, ao mesmo tempo, de objeto de segurança.

O que é que os pais podem fazer?

O acesso aos telemóveis e à internet encerra muitos benefícios, mas também desafios que devem ser encarados de modo a não se transformarem em prejuízos. Naturalmente, não se pretende pôr fim aos aparelhos eletrónicos, mas sim, recorrer a estes como um auxílio para o dia a dia, contrariamente ao que acontece quando o seu uso é excessivo e torna-se prejudicial.

O convívio social é fundamental para o desenvolvimento saudável das crianças e favorece a aprendizagem de competências sociais e emocionais, por isso, os pais não se devem demitir de protegerem os filhos daquilo que põe em causa o seu bem-estar, presente e futuro, mesmo que isso cause desagrado. O exemplo deve começar em casa, ensinando o uso sensato dos aparelhos eletrónicos — como pedir à criança para desligar se o adulto não o faz e também se mostra dependente?

Os pais devem fomentar a convivência em família e não permitir que a criança ou jovem esteja a comer e, ao mesmo tempo, a ver TV ou a usar o tablet ou o telemóvel — além de prejudicar a socialização, demonstra falta de respeito pelas pessoas que estão à sua volta.

Outro aspeto de relevo é a adequada supervisão parental.

Através das redes sociais e das aplicações, uma criança torna-se um alvo fácil para pessoas mal-intencionadas. Em consonância, a definição da idade de uso (uma criança do 1º ciclo precisa mesmo de um telemóvel?), do momento e do tempo em que são permitidos, bem como a limitação de acesso a determinados sites promove uma utilização segura.

Há medidas que podem ser tomadas individualmente pelos pais e em conjunto com a escola de forma a proteger as crianças. Parte da solução passa por conversar abertamente com os mais novos sobre este assunto, explicando o impacto do uso excessivo dos telemóveis no seu bem-estar.

À escola cabe definir regras sobre o uso do telemóvel no seu espaço, atendendo a que quando são claras, consistentes e aplicadas por todos, mais fácil será a adesão e a integração na rotina de todos. A prática diária da manutenção dos telemóveis na mochila até ao horário de saída da escola é um exemplo de medida que já foi posta em prática por algumas escolas com resultados positivos — então, porque não torná-la regra?


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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