Portugal integra consórcio europeu que quer ir buscar lítio aos resíduos esquecidos da indústria

Projecto Relief conta com três instituições portuguesas e quer recuperar 70% do lítio perdido nos resíduos secundários obtidos na mineração e em outras actividades industriais.

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Ao todo, 27,33% do lítio produzido não é aproveitado e encontra-se em resíduos ADRIANO MIRANDA/PUBLICO
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O lítio está no centro da transição de energia, já que tem uma grande importância na produção de baterias. No entanto, a sua mineração é frequentemente malvista a nível local. Mas pode haver formas de obter lítio sem ir directamente à fonte primária. Um consórcio europeu quer optimizar a exploração do lítio a partir de resíduos secundários obtidos na sua mineração e em outras actividades industriais. O projecto é um bom exemplo da aliança entre a reciclagem e a luta pelo clima.

“Quando falamos de descarbonização e combate às alterações climáticas, tudo o que é transição energética passa muito por tecnologias que necessitam de lítio”, resume ao PÚBLICO Alexandra Ribeiro, investigadora na área de Engenharia do Ambiente da Faculdade de Ciência e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa (FCT-UNL), que é uma das três instituições portuguesas que está no consórcio Relief — Recycling of Lithium from Secondary Raw Materials and Further (qualquer coisa como Reciclagem de Lítio a partir de Matérias-Primas Secundárias e Afins).

O projecto, liderado pela empresa belga Avesta Battery & Energy Engineering, que tem sede em Bruxelas, iniciou-se em Julho de 2022 e decorre ao longo de 36 meses. O consórcio foi financiado pela União Europeia em cerca de seis milhões de euros distribuídos por 12 entidades (metade delas empresas) de sete países: Alemanha, Bélgica, Finlândia, França, Países Baixos, Portugal e Roménia.

As três instituições portuguesas — além da FCT-UNL, há ainda o Instituto de Ciência e Inovação em Engenharia Mecânica e Engenharia Industrial (Inegi), no Porto, que vai fazer a análise do ciclo de vida do processo de reciclagem, e a Pegmatítica — Sociedade Mineira de Pegmatites Lda, em Mangualde — recebem mais de um milhão de euros.

Ao todo, 27,33% do lítio produzido não é aproveitado e encontra-se em resíduos, avança o projecto. “O Relief propõe uma instalação de reciclagem integrada para o lítio a partir de fontes de matéria-prima secundária com um processamento contínuo para produzir materiais para baterias”, lê-se na página da Comissão Europeia sobre o consórcio. A ambição é reduzir este desperdício de lítio em 70%.

Esta é uma forma de diminuir a dependência da Europa de um material que é considerado raro e que muitas vezes é proveniente de “países politicamente instáveis”, refere Alexandra Ribeiro. “Além disso, o consumidor está alertado e não quer usar tecnologias que incorporem matérias-primas essenciais exploradas de forma não sustentável ou recorrendo a mão-de-obra infantil”, sublinha.

As potenciais fontes de exploração secundária de lítio são muitas. A mais óbvia tem que ver com a mineração. Em Portugal, que tem a maior reserva de lítio da Europa, este elemento está associado aos pegmatitos, granitos com minerais muito grandes, alguns deles ricos num tipo de mica chamada lepidolite, que contém lítio. Mas durante a exploração do minério, além dos impactos ambientais e sociais inerentes, há sempre material que se perde, transformando-se num “passivo ambiental”, como descreve Alexandra Ribeiro.

“Um dos recursos secundários que estamos a usar é a partir deste passivo ambiental. Já foi gasta imensa energia para ‘partir a pedra’. Mas ainda ficou lá uma quantidade de lítio que é preciso estudar para ver se faz sentido a nível económico ser recuperado”, explica a investigadora, que tem um historial na liderança e trabalho em projectos de remoção de substâncias minerais e orgânicas de resíduos de várias indústrias, incluindo a mineira.

Mas há outras matérias-primas secundárias onde potencialmente se pode recolher o lítio, como efluentes de diferentes indústrias, catalisadores, lubrificantes, entre outros, enumera Alexandra Ribeiro. Para todas elas, o Relief está a fazer as mesmas perguntas. Qual é a quantidade de lítio que contém? Qual é a percentagem que se pode retirar? Qual é a melhor técnica que se deve usar em termos de eficácia, mas também a nível ecológico?

“É importante usar as fontes secundárias [de lítio] antes de ir às primárias, mas primeiro temos de saber o que existe”, refere a cientista. Para isso, algumas entidades do consórcio estão a aplicar diferentes técnicas às mesmas matérias-primas secundárias para ver quanto é que conseguem obter de lítio. O objectivo final do consórcio é atingir uma produção de semanal de entre 1,5 a 2,5 quilos de materiais activos para baterias.

A empresa Pegmatítica, que explora lítio a partir de pegmatitos para fornecer a indústria de cerâmica, está a providenciar os resíduos que sobram da exploração a parceiros do consórcio como a FCT-UNL e a Universidade Livre de Bruxelas, na Bélgica, para investigarem como retirar o lítio desta matéria-prima secundária.

Excelentes resultados

Alexandra Ribeiro, que pertence ao Cense — Centro para a Investigação de Ambiente e Sustentabilidade da FCT-UNL, trabalha há décadas com o uso de correntes eléctricas para conseguir retirar substâncias de diferentes tipos de substratos, tal como o fósforo de lamas de efluentes, e aplicou agora a técnica ao lítio.

A investigadora aprendeu a técnica durante o doutoramento realizado na Universidade Técnica da Dinamarca durante a década de 1990. Em resumo, utiliza-se um eléctrodo (cátodo) que atrai iões com carga positiva e outro (ânodo) que atrai iões com carga negativa. Quando se criam compartimentos na célula com diferentes tipos de membranas, consegue-se filtrar várias substâncias dentro deste sistema. Esta tecnologia permitiu à equipa da investigadora aplicar o processo a material sólido como terra.

No caso da matéria-prima secundária vinda da exploração mineira, a equipa da cientista já conseguiu retirar “à volta dos 30%” de lítio. Por comparação, a Universidade Livre de Bruxelas “já chegou aos 90%” usando outra técnica, compara Alexandra Ribeiro.

Já os efluentes da indústria farmacêutica deram, por outro lado, “excelentes resultados”, aponta a perita, adiantando que “foi muito fácil recuperar mais de 90% do lítio”. Mas a tecnologia que está a ser desenvolvida também terá de dar provas a nível ambiental. “Estamos todos a trabalhar em tecnologias ambientalmente sustentáveis. Não queremos adicionar compostos que sejam deletérios para o ambiente”, remata.

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