Europa precisa de produzir 35 vezes mais lítio até 2050

Se quiser alcançar as metas do Pacto Ecológico, a Europa tem de apostar já na mineração e reciclagem de metais essenciais à construção de baterias de veículos eléctricos, indica estudo belga.

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Fábrica de empresa produtora de baterias de lítio em Mafra Nuno Ferreira Santos

Será necessária uma quantidade de lítio 35 vezes maior do que a usada hoje se quisermos alcançar até 2050 a meta de neutralidade carbónica prevista pelo Pacto Ecológico Europeu. No que toca a outros metais raros, também importantes para a produção das inúmeras baterias que abrirão caminho para a transição energética, estima-se que a indústria de metais na Europa tenha de os produzir num volume entre sete a 26 vezes maior do que o actual. Estas são as conclusões de um estudo da Universidade Católica de Lovaina, na Bélgica, divulgado esta segunda-feira.

O cumprimento das metas estabelecidas pela União Europeia também vai exigir um fornecimento muito maior de alumínio, cobre, silício, níquel e cobalto do que o actual. Estes metais são essenciais para a produção dos instrumentos necessários para reduzir drasticamente a emissão de gases nas cidades: baterias e veículos eléctricos, tecnologias associadas às energias renováveis (eólica, solar e hidrogénio) e infra-estruturas de rede.

“A criação de uma cadeia de valor para as baterias de lítio na Europa geraria uma procura brutal desse mineral: algo entre 200 e 250 quilotoneladas em 2030. A menos que União Europeia consiga minerar e refinar seu próprio lítio, ficaremos dependentes de importações. Na hipótese optimista de que a Europa consiga operacionalizar todos os projectos de extracção mineral previstos actualmente, poderá desenvolver uma taxa de auto-suficiência de 55% até 2030. Por outras palavras, ainda assim teria de importar 45% [da matéria-prima]”, explicou ao PÚBLICO Liesbet Grégoir, autora principal do estudo e investigadora da Universidade Católica de Lovaina.

O estudo, intitulado “Metais para energia limpa”, foi encomendado pela Eurometaux, a associação representa a indústria do metal na Europa. Trata-se do primeiro documento independente que oferece dados específicos da União Europeia relacionados com a mineração de metais para energias limpas, refere um comunicado de imprensa. Em 2021, a Agência Internacional da Energia deu um alerta claro: há constrangimentos alarmantes para conseguir obter os metais necessários para colocar um ponto final no uso de combustíveis fósseis.

A investigação desenvolvida por Liesbet Grégoir sugere que, se quisermos mesmo alcançar as metas de produção de energia limpa na União Europeia até 2050, teremos de ser mais ambiciosos no sector da mineração. O estudo belga sugere que serão necessárias 4,5 milhões de toneladas de alumínio (significando um aumento de 33% em relação ao volume utilizado hoje), 1,5 de cobre (mais 35%), 800 mil de lítio (mais 3500%), 400 mil de níquel (mais 100%), 300 mil de zinco (mais 10 a 15%), 200 mil de silício (mais 45%), 60 mil de cobalto (mais 330%) e, por fim, três mil de metais raros como o neodímio e o disprósio (mais 700 a 2600%).

“Embora a União Europeia se tenha comprometido a acelerar a transição energética e a produzir internamente a maior parte das tecnologias de energia limpa, continua muito dependente da importação de muito do metal necessário para o efeito”, refere o estudo da Universidade Católica de Lovaina. “E existe uma preocupação crescente com a segurança do aprovisionamento [desses recursos minerais]”, lê-se no documento, apresentado esta segunda-feira, 25 de Abril, na conferência “Metais para uma Energia Limpa: Solucionando o Desafio Europeu das Matérias-primas”, em Bruxelas.

O documento sublinha que a Europa pode enfrentar, já em 2030, grandes limitações no abastecimento de cinco metais: lítio, cobalto, níquel, cobre e metais raros. Estima-se que a carência destes recursos no espaço europeu atinja um pico por volta de 2040 e que, a partir daí, a reciclagem crescente destas matérias-primas vá pavimentar o caminho da auto-suficiência. Contudo, referem os autores, este cenário auspicioso parte do pressuposto de que investimentos importantes já terão nessa altura sido feitos não só na infra-estrutura pesada de reciclagem, mas também na resolução de impasses legislativos.

Reciclagem de baterias

A boa notícia é que, segundo o estudo, 40 a 70% da procura de metais associados a energias limpas em 2050 pode ser alcançada através da reciclagem. Mas há uma condição: temos de começar a investir muito e já na produção local. E temos também de resolver alguns impasses no sector. Um dos maiores desafios actuais reside na subida dos preços da energia, que constituem um entrave para o sector metalúrgico que consome muita electricidade – é o caso da produção de alumínio, silício e zinco.

Há outros obstáculos, segundo a autora do estudo. A falta de apoio público a novas operações de mineração e processos de licenciamento desmotivam os investidores na Europa. “Ganhar a confiança do público no que toca ao papel dos metais e da mineração pode ajudar a criar uma base de apoio mais positiva. O passo seguinte é ganhar a confiança com os investidores. Precisamos de mudar o nosso paradigma e de nos focarmos na seguinte questão: se não queremos importar minerais ou tecnologias limpas, temos que os produzir nós mesmos. Então uma nova questão emerge: como fazemos isso de forma sustentável?”, afirma Liesbet Grégoir ao PÚBLICO, sugerindo que a transição energética exige que nós, enquanto sociedade, façamos simultaneamente escolhas e cedências.

Havendo uma aposta séria na reciclagem, a matéria-prima reaproveitada localmente poderá garantir os metais necessários para produzir até 75% das baterias dos veículos eléctricos produzidos na Europa. O estudo defende que a reciclagem oferece o melhor caminho para a Europa alcançar uma auto-suficiência duradoura, eliminando de uma vez por todas a actual dependência do gás e do petróleo. Os vários riscos da insegurança energética, que ficaram óbvios com a eclosão da guerra na Ucrânia, poderiam também ser drasticamente reduzidos com a transição energética.

“É preciso observar que o volume de importações de lítio necessário [até 2050] é muito menor do que o de combustíveis fósseis que a Europa importa hoje e, em geral, estamos já em transição para um sistema mais eficiente que não depende de combustíveis fósseis. Já não haverá uma dependência, pois os metais que entram nas baterias são materiais permanentes que podem ser reciclados indefinidamente após o primeiro uso. Precisamos construir esse stock e depois preservá-lo como um recurso precioso e sustentável”, nota Liesbet Grégoir.

Em resumo, esta é a mensagem do estudo belga: se não houver uma aposta rápida e robusta na extracção e reciclagem local de metais para uma energia limpa, podemos correr o risco de entrar num novo ciclo de dependência, desta vez da importação de matérias-primas necessárias ao armazenamento de energia limpa.

“Até 2050, a reciclagem poderá assumir um papel de liderança no fornecimento [dos metais]. Até três quartos da procura para as necessidades dos cátodos das baterias da Europa poderão ser atendidas pela reciclagem no fim da vida útil [das baterias de viaturas eléctricas]. Então, definitivamente, com as acções certas, a cadeia de suprimentos de lítio pode ser amplamente circular a longo prazo, eliminando a dependência europeia de recursos não renováveis”, explicou Liesbet Grégoir.

Populações que se opõem à mineração

A investigação belga sugere ainda que as minas em território europeu têm, em teoria, potencial para cobrir entre 5 a 55% das necessidades da União Europeia em 2030. Esta estimativa tem em conta os grandes projectos europeus de mineração de lítio e metais raros. Contudo, muitos destes planos podem ter um futuro incerto devido aos processos de licenciamento, à oposição das comunidades locais e, por fim, à adopção de métodos de extracção que ainda não foram testados.

“Existe um desafio que reside na oposição local a novos projectos de mineração em vários países europeus, incluindo Portugal. Transparência e confiança são necessárias, aliadas ao compromisso de uma exploração sustentável. É impossível evitar todo e qualquer impacto, mas estes têm de ser geridos com responsabilidade. A necessidade de uma comunicação clara [com a população] não pode nunca ser subestimada. Todos os impactos ambientais e sociais precisam ser bem geridos”, alerta a investigadora belga.

Portugal pode ocupar um lugar estratégico na corrida aos metais cruciais para a transição energética. O país tem uma das maiores reservas mundiais de lítio e, por isso, está bem posicionado para a construção de sistemas de captação, armazenamento e utilização da energia. Contudo, isto não significa que seja fácil técnica e sociopoliticamente obter o mineral. Em território nacional, o lítio ocorre com frequência associado a rochas (pegmatitos), o que exige trabalhos de extracção do minério e posterior tratamento industrial para o transformar em metal. Se as comunidades onde estão as reservas se opuserem à exploração mineira – a exemplo do que acontece por exemplo no Barroso (Montalegre), onde a população contesta o projecto –, isto também pode implicar desafios burocráticos, tensões sociais e desgaste político.

“Existem grandes desafios na gestão o impacto de sustentabilidade de tais operações. A Europa tem actualmente padrões e legislação comparativamente elevados para gerir os impactos sociais e ambientais, mas esta é uma área que requer melhorias contínuas”, conclui a investigadora belga.