Países estão a travar transição verde com restrições à exportação de matérias-primas

OCDE identifica obstáculos à transição verde: produção de matérias-primas como o lítio concentra-se em poucos países (Portugal é um deles) que limitam a comercialização. China impõe mais barreiras.

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Amostras de lítio extaídas em Boticas, Portugal ADRIANO MIRANDA/PUBLICO

Para se fazer a transição para uma economia verde, deixando os combustíveis fósseis para trás, projecta-se um aumento entre quatro e seis vezes da actual procura por alguns minerais, como o lítio, que são usados pelas tecnologias renováveis. Mas há obstáculos a esta expansão: as restrições à exportação destas matérias-primas, cuja produção está cada vez mais concentrada em alguns países, aumentaram cinco vezes durante a última década, diz um novo relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) divulgado esta terça-feira. Portugal é referido no estudo quando se fala na produção de lítio e na exportação de grafite.

A produção de matérias-primas consideradas críticas, como lítio, elementos de terras raras, crómio, arsénico, cobalto, titânio, selénio e magnésio cresceu rapidamente durante os últimos dez anos. O aumento foi desde os 208% para o lítio, até aos 33% para o magnésio. Mas, ao mesmo tempo, a produção global de outras matérias-primas, como chumbo, grafite natural, zinco, minérios preciosos e concentrados, bem como estanho, diminuiu na última década.

“O desafio de alcançar a neutralidade carbónica vai exigir a escalada significativa da produção e do comércio internacional em matérias-primas”, comentou o secretário-geral da OCDE, Mathias Cormann, citado num comunicado de imprensa. Aconselha os políticos e responsáveis pela definição de políticas económicas a “escrutinar atentamente como a concentração da produção e do comércio, conjugada com o uso cada vez mais frequente de restrições à exportação, estão a afectar os mercados internacionais”.

O risco é que que a escassez de algumas matérias-primas possa pôr em causa os compromissos de redução das emissões de gases com efeito de estufa, salienta Mathias Cormann.

Durante a última década, a produção de matérias-primas ficou mais concentrada em alguns países. China, Rússia, Austrália, África do Sul e Zimbabwe estão entre os principais produtores e também os países com mais reservas de minerais preciosos, lítio, magnésio ou platina, entre outras matérias-primas.

Portugal surge nesta lista como produtor de lítio, embora a Austrália seja o maior produtor deste metal, usado em baterias de iões de lítio (que equipam múltiplos equipamentos electrónicos, como computadores portáteis). Segundo dados da Statistical Review of World Energy da BP, divulgados em Janeiro, Portugal está entre os oito maiores produtores de lítio.

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O lítio é um componente essencial para fabricar carros eléctricos Mark Blinch/REUTERS

O lítio é um componente essencial para fabricar carros eléctricos e a União Europeia tem uma estimativa de que será necessária uma quantidade de lítio 35 vezes maior do que a usada hoje se quisermos alcançar até 2050 a meta de neutralidade carbónica prevista pelo Pacto Ecológico Europeu.

Mas a China, Índia, Argentina, Rússia, Vietname e Cazaquistão são os seis países que mais restrições às exportações das matérias-primas consideradas críticas para a transição ecológica entre 2009 e 2020 (o período analisado pelo estudo Matérias-primas críticas para a transição verde: produção, comércio internacional e restrições à exportação). A China era em 2020 o país com o maior número de restrições à exportação – que aumentaram nove vezes durante o período em estudo.

UE tenta diminuir dependência

Pelo menos 10% do valor global das exportações de matérias-primas consideradas críticas é alvo de algum tipo de restrição, diz o relatório. Estas medidas são normalmente taxas em vez de limites à produção, que são geralmente proibidos pelas regras da Organização Mundial do Comércio.

Porquê esta tendência marcada para o aumento das restrições à exportação? Pode haver vários motivos, mas a ideia geral é que os países não garantem o crescimento económico e o desenvolvimento só por terem recursos naturais abundantes. Pode mesmo estar acontecer o contrário – aquilo que se denomina a “maldição dos recursos naturais”.

As restrições à exportação de minério em bruto podem ser uma forma de tentar encorajar a criação de empregos na indústria de processamento, diz um comunicado de imprensa da OCDE. “As restrições são também usadas para outros objectivos: gerar rendimento para o Governo, controlar a exportação de produtos extraídos ilegalmente, para aumentar protecções ambientais. Tudo isto são objectivos legítimos determinados por cada país pelas preferências dos seus cidadãos”, salienta a nota.

No entanto, os países da OCDE podem ficar bastante expostos às consequências destas restrições. “No cômputo geral, a investigação sugere que as restrições podem estar a desempenhar um papel não trivial nos mercados internacionais de matérias-primas, afectando a sua disponibilidade e preços”, lê-se no relatório.

No mês passado, a União Europeia apresentou uma proposta para criar uma Lei das Matérias-Primas Cruciais, com o objectivo de diminuir a exagerada dependência da UE de fornecedores externos, alguns dos quais considera rivais, tais como a China, que estabelece metas para a produção e reciclagem de materiais críticos para a transição verde e digital.

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