Trump condenado a pagar cinco milhões de dólares por abuso sexual e difamação de E. Jean Carroll

Decisão foi tomada em apenas três horas, no final de um julgamento que durou duas semanas. Ex-Presidente dos EUA diz que foi vítima de uma “caça às bruxas”.

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Manifestantes à porta do tribunal onde decorreu o julgamento, em Manhattan JUSTIN LANE/EPA
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Um tribunal de Nova Iorque decidiu, na terça-feira, que Donald Trump pode ser responsabilizado por ter abusado sexualmente e difamado E. Jean Carroll, e ordenou o ex-Presidente dos Estados Unidos a pagar cinco milhões de dólares (4,5 milhões de euros) em indemnizações e compensações à escritora norte-americana.

A decisão foi anunciada ao fim de apenas três horas de deliberações, na terça-feira, e após um julgamento que durou duas semanas. Tratando-se de um processo civil — e não criminal —, Trump não podia ser condenado a uma pena de prisão.

Ao mesmo tempo, o júri — composto por seis homens e três mulheres — não validou uma outra parte da queixa de Carroll, em que a escritora e ex-colunista da revista Elle acusou Trump de a ter violado.

O ex-Presidente dos EUA reagiu à decisão através de uma mensagem publicada na rede social Truth Social e escrita em letras maiúsculas: "Não faço ideia de quem é esta mulher. Este veredicto é uma vergonha — é a continuação da maior caça às bruxas de sempre!"

Ao contrário do que acontece num processo criminal nos EUA, em que os queixosos têm de conseguir provar as suas acusações "para além de toda a dúvida razoável", o critério nos processos civis — como o que Carroll apresentou contra Trump — é o da probabilidade prevalecente, sendo suficiente convencer os jurados de que as acusações são "mais prováveis do que não".

Violação e difamação

Em causa na decisão de terça-feira estava a acusação, feita por Carroll em 2019, num artigo publicado na revista New Yorker, de que Trump a violou num provador dos armazéns de luxo Bergdorf Goodman, em Manhattan.

Segundo Carroll — na época uma conhecida colunista na revista Elle —, os dois conheceram-se de forma fortuita nos armazéns, na famosa 5.ª Avenida, numa data que não conseguiu especificar e que colocou "entre o Outono de 1995 e a Primavera de 1996".

Depois de uma troca de palavras com elogios de parte a parte, a escritora diz que Trump lhe pediu que o ajudasse a escolher uma peça de lingerie para oferecer a "uma amiga" e que a empurrou para dentro de um provador, onde a agrediu e violou.

Na sequência da denúncia feita em 2019, o então Presidente dos EUA desmentiu a acusação de Carroll e acusou a escritora de ter mentido para promover a publicação de um livro.

Em resposta, Carroll apresentou uma primeira queixa contra Trump por difamação, num processo que está a ser analisado nos tribunais e que ainda não chegou a julgamento.

Segundo o Departamento de Justiça norte-americano, os comentários de Trump em 2019 devem ser considerados como declarações oficiais de um Presidente dos EUA; se for essa a leitura final dos tribunais, a queixa de Carroll apresentada em 2019 será arquivada porque o Governo norte-americano não pode ser acusado por difamação.

O caso cujo julgamento chegou ao fim esta semana diz respeito a uma segunda queixa de Carroll contra Trump, apresentada em Novembro de 2022.

Nesse mês, a assembleia legislativa de Nova Iorque aprovou uma lei que, na prática, suspende por um ano as prescrições das queixas de violência sexual no estado, o que permitiu a Carroll apresentar uma nova queixa por difamação — na sequência de novas declarações de Trump já depois de ter abandonado a Casa Branca — e por agressão sexual.

Credibilidade

Na segunda-feira, no último dia do julgamento, os advogados de Carroll voltaram a insistir na ideia de que o critério para uma responsabilização de Trump foi superado, e por duas questões principais: a decisão da defesa do ex-Presidente dos EUA de não o chamar para depor durante o julgamento, o que deve ser visto pelo júri como uma forma de admissão de culpa; e a improbabilidade de que a escritora e as quatro mulheres que testemunharam em sua defesa mentiram durante todo o julgamento.

"Para decidirem a favor dele, terão de concluir que Donald Trump, o mentiroso compulsivo, é a única pessoa a dizer a verdade a este tribunal", disse a advogada Roberta Kaplan na segunda-feira, dirigindo-se aos jurados.

Do outro lado, os advogados de Trump argumentaram que foi isso mesmo que aconteceu nas últimas duas semanas: "Toda a história é uma obra de ficção inacreditável", afirmou Joe Tacopina, um advogado de Trump.

Num caso em que não foram apresentadas provas materiais, os advogados de Trump adoptaram uma estratégia de negação total e de descredibilização dos depoimentos das testemunhas chamadas pela defesa de Carroll.

"Quem é que poderíamos ter chamado [a depor em defesa de Trump]? Alguém que não esteve nos armazéns Bergdorf Goodman numa data não especificada?", questionou Tacopina? "E o que poderíamos ter perguntado a Donald Trump? Onde é que você esteve num dia desconhecido há 27 ou 28 anos?"

Duas das testemunhas chamadas pela defesa de Carroll — a empresária Jessica Leeds e a jornalista Natasha Stoynoff — disseram, sob juramento, que foram alvo de assédio e agressão sexual por parte de Trump em diferentes ocasiões, em finais da década de 1970 (no caso de Leeds) e em Dezembro de 2005 (no caso de Stoynoff).

Durante o julgamento, os jurados voltaram a ser confrontados com uma gravação divulgada em 2016, em que Trump surge a gabar-se de agredir sexualmente mulheres, numa prova — segundo os advogados de Carroll — de que a queixa de violação enquadra-se no comportamento habitual do ex-Presidente dos EUA.

Outras duas testemunhas — a escritora Lisa Birnbach e a antiga jornalista Carol Martin —, ambas amigas de Carroll, disseram que a escritora lhes contou o que tinha acontecido na época, por telefone.

"Isto nem sequer é um caso de 'a palavra de um contra o outro'", disse outro advogado de Carroll, Mark Ferrara, na segunda-feira. "Donald Trump nem sequer veio aqui para vos olhar nos olhos e dizer que é inocente."

Outros processos

O ex-Presidente dos EUA, que é também candidato à eleição presidencial de 2024 pelo Partido Republicano, está no centro de várias investigações criminais que podem resultar em condenações a penas de prisão.

Os principais casos são as investigações do Departamento de Justiça sobre o seu envolvimento na invasão do Capitólio e sobre a retenção de milhares de documentos da Casa Branca na sua mansão de Mar-a-Lago; a investigação da procuradora de Fulton, na Georgia, sobre um plano para tirar a Joe Biden a vitória na eleição presidencial de 2020; e outros processos em Nova Iorque, incluindo o pagamento para manter em silêncio uma antiga actriz de filmes pornográficos — pelo qual já foi formalmente acusado, a 30 de Março —, e outros relacionados com a sua actividade empresarial.

Nos últimos cinco meses, Trump e a sua empresa tiveram pelo menos quatro derrotas significativas nos tribunais norte-americanos.

A 7 de Dezembro de 2022, a Trump Organization foi considerada culpada de 17 crimes de fraude financeira e de evasão fiscal cometidos ao longo de mais de uma década; a 30 de Março, Trump tornou-se no primeiro Presidente ou ex-Presidente dos EUA a ser acusado criminalmente nos tribunais, neste caso pelo pagamento do silêncio da actriz Stephanie Clifford (conhecida como Stormy Daniels) durante a campanha eleitoral de 2016; na semana passada, a 4 de Maio, um tribunal de Nova Iorque rejeitou uma queixa de Trump contra o The New York Times e obrigou o ex-Presidente dos Estados Unidos a pagar as despesas relacionadas com o processo, incluindo os honorários dos advogados do jornal norte-americano; e, na terça-feira, Trump tornou-se também no primeiro Presidente ou ex-Presidente dos EUA a ser responsabilizado nos tribunais por abuso sexual.

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