Frente Grisalha quer mostrar que luta climática “não é uma parvoíce de miúdos”

A Frente Grisalha pelo Clima percebeu que estava na hora de outras gerações se solidarizarem com os protestos estudantis. Nesta Primavera das Ocupas, o grupo insiste que os jovens não estão sozinhos.

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Frente Grisalha apoia alunas detidas em Novembro de 2022, Frente Grisalha apoia alunas detidas em Novembro de 2022 Guilhermo Vidal ,Guilhermo Vidal

Quando os protestos pelo clima levaram à detenção de quatro jovens em Lisboa, em Novembro de 2022, um grupo de “indignados” percebeu que estava na hora de outras gerações se solidarizarem com uma luta que, de resto, “é de todos nós”. Assim se formou o embrião do que é hoje a Frente Grisalha pelo Clima, um movimento informal, constituído por pessoas de “diferentes idades”, que apoia publicamente a Greve Climática Estudantil e o Movimento Fim ao Fóssil. Nesta “Primavera das Ocupas”, a Frente Grisalha mantém-se firme no apoio aos estudantes que reivindicam acção climática.

“Revoltava-me ver algumas pessoas a comentar que isto era uma parvoíce de miúdos e nós quisemos contrariar isto. Então, numa manifestação, pensámos que poderíamos dar a cara, fazer cartazes e mostrar que os apoiamos. Foi assim que começámos”, explicou ao PÚBLICO Mariana Pinto dos Santos, uma historiadora da Arte de 47 anos que ajudou a “fundar” a Frente Grisalha.

As aspas que acompanham o verbo “fundar” não estão lá por acaso: o que os “fundadores” da Frente Grisalha pretendem é o avesso de uma associação formal, com direito a estatutos, líderes, actas e reuniões. Então, se ambicionarmos o rigor, a escolha da palavra “fundar” não é precisa – mas é a mais aproximada para designar o momento em que uma mão-cheia de pessoas percebe que é impreterível agir, dizer aos jovens activistas que “não estão sozinhos”.

Começaram por ser poucos, “cinco num grupo do WhatsApp”. Somaram-se companheiros, amigos, conhecidos, simpatizantes. Quando desenharam os primeiros cartazes solidários – artesanais, com letras coloridas sobre cartão reutilizado – e foram para as manifs, houve quem perguntasse como aderir ao movimento lisboeta. A resposta é simples: basta estar ali, na rua, apoiando os jovens. Os convites são lançados nas redes sociais e estão “abertos a todos”. Não há formalismos.

“A Frente Grisalha está na rua: quem quiser estar connosco está. Não é preciso concordar com tudo o que estes jovens fazem para se solidarizar com esta luta”, explica a jornalista Sara Figueiredo Costa, de 44 anos, co-fundadora deste grupo de apoio à luta climática. Esta flexibilidade também está também plasmada na participação de cada um: não há presença obrigatória ou contratos de fidelidade. Quem puder estar presente traz o próprio cartaz (ou não) e manifesta apoio às ocupações, que, nesta Primavera quente, prometem aquecer Lisboa, Porto, Coimbra, Faro e quem sabe outras cidades do país.

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Julgamento dos quatros estudantes detidos em protesto pelo clima, a 29 Novembro de 2022, em Lisboa. Apoiantes dos alunos no exterior do tribunal. Guillermo Vidal

Unidos pela indignação também

Sara Figueiredo Costa e Mariana Pinto dos Santos conhecem-se há muitos anos, desde os tempos de faculdade, quando elas próprias participavam na luta estudantil. Na origem da Frente Grisalha, está ainda Joana Cunha Ferreira, editora da BCF. Estes “fundadores” não eram exactamente amigos próximos. Serão mais, como define a historiadora da Arte, “uma rede de encontros e alguns reencontros”. O grupo embrionário diz ter compreendido a urgência de se colocar ao lado de “gente mais nova que está a tomar a própria vida nas mãos”, acrescenta a jornalista, numa outra videochamada.

“A Joana Cunha Ferreira e a Sara [Figueiredo Costa] só se conheceram neste contexto de indignação perante o desdém pelas ocupações das escolas e faculdades e pela chamada da polícia na Faculdade de Letras de Lisboa (FLUL). A Joana divulgou um abaixo-assinado de gente da cultura (e não só) de repulsa pela acção do director da FLUL [Miguel Tamen, que reagiu à ocupação chamando a polícia] e solidariedade com as estudantes que foram a tribunal”, recorda Mariana Pinto dos Santos, que também é professora e editora das Edições do Saguão, numa resposta por email.

Julgamento dos quatro estudantes detidos em protesto pelo clima. Apoiantes dos alunos no exterior do tribunal, a 29 Novembro de 2022, em Lisboa Guillermo Vidal
Julgamento dos quatro estudantes detidos em protesto pelo clima. Apoiantes dos alunos no exterior do tribunal, a 29 Novembro de 2022, em Lisboa ,Julgamento dos quatro estudantes detidos em protesto pelo clima. Apoiantes dos alunos no exterior do tribunal, a 29 Novembro de 2022, em Lisboa Guillermo Vidal,Guillermo Vidal
Marcha de protesto em defesa do clima a 12 de Novembro de 2022, em Lisboa Nuno Ferreira Santos
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Julgamento dos quatro estudantes detidos em protesto pelo clima. Apoiantes dos alunos no exterior do tribunal, a 29 Novembro de 2022, em Lisboa Guillermo Vidal

Aos poucos, o grupo embrionário tornou-se algo maior, atraindo simpatizantes e chegando mesmo, como ocorreu há menos de uma semana, a divulgar um comunicado oficial. No documento, a Frente Grisalha recorda que enquanto “as Ocupas exigem ao Governo uma transição para energias limpas até 2030, garantindo energia barata para todas as famílias até 2025”, “o Governo prepara-se para expandir o terminal de gás fóssil em Sines”. “Por isso, apoiamos a mobilização das estudantes. Elas fazem o que o Governo evita: agir”, conclui a nota.

Sara Figueiredo Costa sublinha como é “injusto” ver estes jovens, que reivindicam acções baseadas na ciência climática, reprimidos por forças de segurança ou retratados como “inconsequentes” – quando, na verdade, demonstram “uma generosidade comovente”, pois “estão a tentar encontrar formas de resolver problemas comuns uns com os outros”.

O comunicado relembra que o “último relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas avisa que, com as actuais políticas, chegaremos a 2100 com um aumento de 3,2 graus Celsius face ao período pré-industrial”. “Um cenário impensável em que é impossível a vida como a conhecemos. […] Estamos com as Ocupas e apelamos à sociedade civil que se solidarize e que contribua, como melhor puder, para a denúncia das políticas em curso, ajudando a travá-las”, exorta a Frente Grisalha no documento.

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Julgamento dos quatro estudantes detidos em protesto pelo clima, a 29 Novembro de 2022, em Lisboa. Apoiantes dos alunos no exterior do tribunal Guillermo Vidal

Bértholo e outros simpatizantes

A escritora Joana Bértholo é simpatizante da Frente Grisalha desde o início, assim como outros nomes ligados às artes é o caso dos escritores Alexandra Lucas Coelho e Pedro Vieira. “Vi estes movimentos estudantis serem muito maltratados nalguns meios de comunicação social. As pessoas podem ser mais ou menos a favor de atirar comida às obras de arte, mais ou menos a favor de mostrar o rabo, mas não os menorizem por serem jovens ou lutarem pelo nosso bem comum. Isto não é aceitável”, defende a autora, numa videochamada com o PÚBLICO.

Sempre que pode, Joana Bértholo junta-se às acções de rua que, é importante frisar, não são só sobre o clima. Para os activistas – jovens ou grisalhos –, a acção climática entrelaça-se com os direitos humanos e, por isso mesmo, manifestações dedicadas à justiça social também são palco para a luta ambiental. No 25 de Abril ou na marcha da habitação, por exemplo, foram para a rua cartazes da Frente Grisalha que diziam palavras como “Mais cravos, menos carbono” ou “Casa para morar, planeta para viver”.

Desde que começaram as ocupações, Joana Bértholo ficou interessada nos movimentos e tentou estar presente. “Procurei juntar-me de alguma forma quando eles faziam manifestações. Em Março, houve uma manifestação gigante organizada pela Greve Estudantil, que começou no [Largo] Camões e desceu até São Bento, [em Lisboa]. Para mim, foi poderosíssimo”, confessa a autora do romance Ecologia.

O poder dos protestos estudantis consistia, para a escritora, na enorme capacidade de organização e acção de um conjunto de jovens que já testemunharam “duas crises, uma pandemia e uma guerra”. “Eram 90% jovens, mesmo muito jovens. Juntei-me à massa, queria poder participar e dizer-lhes: vocês estão organizados, este é um movimento coerente, não precisam de nenhum timoneiro, mas quero que saibam que há uma sociedade aqui que vos apoia e que quer entrar em diálogo”, conta Joana Bértholo.

Contrariar a crise da imaginação

Um dos vários aspectos da Frente Grisalha que agradaram a Joana Bértholo foi o facto de a solidariedade se traduzir em acções práticas, e não apenas simbólicas. A Frente Grisalha, juntamente com a artista visual Rita Oliveira Dias, lançou um apelo público, em Fevereiro, para ajudar a pagar a multa das quatro activistas condenadas em tribunal. Através da organização de ateliers solidários, nos quais voluntários ensinavam os participantes a bordar ou desenhar, foi possível reunir parte do valor necessário ao pagamento das multas e custas processuais.

“Estas jovens inspiram-me, volto a acreditar que a coragem existe. É nosso dever prestar todo o apoio que esteja ao nosso alcance. Elas lutam por todos nós”, escreve Rita Oliveira Dias na página Não Estão Sozinhas, dedicada precisamente ao caso das quatro activistas climáticas detidas.

Ao ver a luta da Greve Climática e do Fim ao Fóssil, Joana Bértholo também reforça a certeza numa via transformadora. “Esta crise que assola os mais velhos é, de certa forma, uma crise da imaginação. É um conformismo: ‘bem, este é o mundo que conhecemos, é o único possível, como haveríamos de mudar isto?’ Poder falar com os mais jovens é para mim uma lição, porque eu própria caio muitas vezes [neste conformismo.]. São estruturas tão complexas e arraigadas que temos de mudar no sistema socioeconómico que, quando falo com eles, de alguma forma, também eu acredito na mudança”, diz a escritora.

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Greve Climatica Estudantil, a 27 Setembro de 2019 em Lisboa Daniel Rocha
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