“Há muita gente que não percebe a luta pelo clima.” Como chegar a elas?

A “Primavera das Ocupas” começou com estudantes acampados numa escola e duas faculdades e com manifestações de apoio em várias outras. O ponto alto será a 2 de Maio, com mais de dez ocupações.

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Em Março, os estudantes da Greve Climatica Estudantil, aliados ao movimento Fridays for Future, manifestaram-se pelo fim aos combustíveis fósseis até 2030 e por electricidade 100% renovável até 2025 Matilde Fieschi
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Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa DR
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Kira, de 15 anos, a protestar pacificamente à frente da escola secundária Luísa de Gusmão, sob o olhar de vários polícias. DR
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No Técnico, os alunos dormiram à frente do edifício principal DR
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Escola Secundária Tomás Cabreira, em Faro DR

Não será bem o que uma pessoa imagina quando ouve a palavra “ocupação”. Desde esta quarta-feira, estudantes em várias escolas e faculdades estão, efectivamente, a ocupar espaço em protesto pelo clima. Mas também é verdade que, à sua volta, as actividades parecem continuar com normalidade.

Ou talvez não. Nos bastidores, há alguma inquietação sobre até onde vai a boa vontade das direcções para deixar as ocupações do espaço perdurarem.

A “Primavera das Ocupas”, que começou com a “ocupação” de uma escola e duas faculdades e manifestações de apoio em várias outras, terá o seu ponto alto no dia 2 de Maio, quando mais de uma dezena de estabelecimentos em Portugal e centenas por todo o mundo voltarão a organizar ocupações - e, em alguns casos, interromper as actividades lectivas - para pedir o fim da exploração de combustíveis fósseis.

Apesar de as actividades organizadas serem, em geral, pouco invasivas, os “adultos na sala” parecem não saber lidar com esta perturbação da normalidade.

Esta quinta-feira, na escola Luísa de Gusmão, uma tenda voltou a ser montada à porta da escola logo de manhã, a lembrar a cada pessoa que passasse que o clima está a mudar a um ritmo estonteante e que é preciso pensarmos nisso todos os dias. Voltou a ser um protesto de um adolescente vigiado por vários polícias, à espreita de um “perigo” ainda por desvendar.

Em Faro, na Escola Secundária Tomás Cabreira, três alunos conseguiram dormir no recinto. Na manhã desta quinta-feira, tentaram trancar a escola: primeiro a porta, que a polícia veio abrir, depois “com os corpos” removidos da escola, como descreveram no canal na plataforma Telegram utilizado para troca de informações entre grupos.

Nas faculdades da Universidade de Lisboa, o dia correu sem exaltação. Na faculdade de Psicologia, cerca de dez estudantes dormiram nas tendas montadas dentro do edifício, à entrada do maior anfiteatro da faculdade. Cerca das 11h, quando visitados pelo PÚBLICO, havia poucas pessoas no local da ocupação, mas às 13h já estava pronto o almoço vegan gratuito, uma tradição que fará parte da ocupação.

“Quantas pessoas é preciso mobilizar?”

Na faculdade de Letras, os estudantes amanheceram nas tendas montadas no exterior da faculdade, mas logo regressaram ao átrio principal, onde se vê aqui e ali colegas que param para ouvir as reivindicações da “ocupação”. Cerca das 11h30, começava a palestra “Parar o Gás”, onde Mariana Rodrigues, membro do movimento, explicou aos estudantes quais os objectivos da acção prevista para 13 de Maio - para a qual os alunos querem ajudar a reunir 1500 participantes - e esclareceu dúvidas.

Mariana, que é também parte do colectivo Climáximo - um dos vários grupos que, assim como a Greve Climática Estudantil, fazem parte da plataforma Parar o Gás -, começa por explicar que a acção não pretende bloquear o porto de Sines por inteiro, mas “apenas” a operação de entrada de gás natural.

Faculdade de Psicologia e Instituto de Educação da Universidade de Lisboa DR
Faculdade de Letras da Universidade do Porto DR
Faculdade de Psicologia e Instituto de Educação da Universidade de Lisboa DR
Faculdade de Psicologia e Instituto de Educação da Universidade de Lisboa DR
Escola Secundária Dona Luísa de Gusmão, Lisboa DR
Escola Secundária Josefa de Óbidos DR
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa DR
Escola Secundária Tomás Cabreira, Faro DR
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa DR
Escola Secundária Tomás Cabreira, Faro DR
Escola Secundária Tomás Cabreira, Faro. Activista acaba por ser retirada, depois de alguns momentos de conversa com as autoridades. DR
Assembleia de alunos na escola António Arroio DR
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Escola Artística António Arroio DR
Escola Secundária Dona Luísa de Gusmão DR
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa DR
Local para palestras e cinema na FLUL DR
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa DR
Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra DR
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Faculdade de Psicologia e Instituto de Educação da Universidade de Lisboa DR

Os estudantes colocam perguntas, por exemplo, sobre o transporte dos activistas. A ironia é flagrante: “Para Sines há comboios de mercadorias, mas não há comboios para pessoas”, começa por responder Mariana Rodrigues, explicando que haverá autocarros a partir do Porto, Coimbra e Lisboa.

Quantas pessoas é preciso mobilizar em Peniche para conseguir que um autocarro passe por lá?”, pergunta um estudante. “Mais ou menos dez pessoas.”

Terminada a sessão, perguntamos a David Rendeiro, de 19 anos, estudante de estudos africanos, se acha que será fácil reunir dez pessoas em Peniche para se juntarem à acção da Parar o Gás. “Na boa!”, responde. Peniche, explica-nos, tem várias associações de defesa do ambiente, e o estudante defende que é até benéfico chamá-las para este tipo de acção, “para criar comunicação entre a capital e estas cidades mais pequenas, que acabam por ser mais afectadas”. E acredita que esta ocupação tenha algum efeito? “Tem que ter. Se não houver futuro, não vale a pena continuar a estudar, não vale a pena continuar a procurar trabalho.”

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Guillermo Vidal

David juntou-se ao núcleo de ocupações em Fevereiro, ou seja, não esteve na ocupação de Novembro na FLUL, que ficou conhecida por ter terminado com a detenção de quatro estudantes. Nessa altura, esteve por perto, a perguntar sobre o que era, mas nunca imaginou que o resultado seria aquele. “Prender três putos que estavam aqui a protestar pacificamente para melhorar as coisas e para salvar o planeta?” O que aconteceu, acredita, foi um dos grandes motivos pelos quais “a malta se juntou” desta vez.

Há, contudo, alguns pormenores que o têm feito pensar. Uma das questões que colocou durante a sessão da manhã foi que é importante “comunicar com as populações locais estes grandes problemas”. É de uma família de peixeiros, “de pessoas carenciadas”, e um dos poucos da sua zona que entrou na universidade. “Os meus pais têm 40 anos, são considerados millennials, e da geração deles só eles têm o ensino superior na família inteira”, conta ao PÚBLICO. Nota, por isso, que “há muita gente que não percebe a linguagem, que não percebe a luta.” E é preciso trazer os debates também para estas pessoas.

Peniche, explica, é uma zona com um historial de lutas ambientalistas pioneiras no país. Em Março de 1976, ficou conhecido o protesto da população da localidade de Ferrel contra a central nuclear. Hoje, os desafios passam, por exemplo, pela luta contra um “campo fotovoltaico” em Cesaredas. “É tão rica a biodiversidade daquela zona… É triste ser destruída”, lamenta o aluno.

Com alguma ironia, comenta que neste movimento de estudantes faltam talvez mais professores, habituados a explicar conceitos complexos de forma a ensiná-los. É preciso, explica, uma espécie de “filtro” para que as pessoas possam entender conceitos “tão avançados” como são, por exemplo, a ligação entre os impactos da exploração de gás natural e as alterações climáticas.

Protestos em tempo de exames

E, por falar em ciência, damos então um salto ao Instituto Superior Técnico. A meio da tarde, não há sinais da ocupação divulgada durante a manhã. António Cunha, estudante de engenharia informática, explica por telefone que os estudantes têm estado em vários espaços: montaram uma banca num dos edifícios na quarta-feira, dormiram em tendas no exterior do edifício principal do instituto, e na manhã desta quinta-feira estiveram na entrada.

Não é uma semana fácil para angariar participantes para a ocupação. Em semanas de final de semestre, há poucas pessoas que se juntam a tempo inteiro, com muitas a ter que faltar às reuniões para estudar para exames. “Quem participa é quem tem o privilégio de vir protestar”, explica António.

Um dos mantras repetidos pelos estudantes das ocupações (e da Greve Climática Estudantil em geral) é que “não estão aqui porque querem, mas porque o estado das coisas assim o obriga”. E é fácil perceber que, para muitos, esta actividade lhes está a retirar tempo de estudo numa altura particularmente delicada de exames e entrega de trabalhos. Ainda assim persistem. Querem chamar a atenção. Querem ser vistos. Querem ser ouvidos.

Mas, entretanto, perceberam também que as faculdades adaptaram-se desde as últimas ocupações. Por exemplo, já não existe tanto a ameaça de chamar a polícia. No Técnico, “a segurança mudou radicalmente a forma como está a reagir às nossas pequenas infracções”, descreve o estudante. Ao mesmo tempo, “se sabemos que a segurança está a andar à volta da táctica, a táctica tem que mudar”, reconhece.

“Não conseguimos pedir de outra maneira, porque não é escutado

Na faculdade de Belas-Artes, ao almoço, “rolou um concerto”. Islanda Silva, estudante do mestrado em educação artística, tinha assistido a uma das palestras na faculdade de Letras e ficou entusiasmada com a iniciativa. Esta quinta-feira, decidiu criar uma “ocupação artística” para reunir os estudantes à volta da decisão: ocupar ou não ocupar? A resposta foi “sim, mas não hoje”

No seu mestrado na FBAUL, Islanda interessa-se em particular em estudar os ecofeminismos. Conheceu o movimento climático estudantil numa das acções na faculdade de Letras. “É uma causa legítima, mas vai afectar não só pessoal da Europa, mas do mundo inteiro”, comenta a estudante brasileira, que traz um boné do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra brasileiro com um emblema de “LGBT sem terra”.

Conversamos no pátio da FBAUL, ao lado de Natália Ribeiro, que aceitou o convite para se juntar aos colegas para um concerto improvisado com a amiga Heloísa Barros. Natália conta que foi importante a abertura deste momento, em que “antes da música explicamos o movimento do fim ao fóssil”. “É muito importante falar para as pessoas, entender que a revolução não precisa ser sempre isso”. A transformação depende de cada uma das pessoas, descreve. “A ideia da ocupação é, tão simplesmente, pedir um futuro melhor. Não conseguimos pedir de outra maneira, porque não é escutado.”

Depois da apresentação seguiu-se uma assembleia com os estudantes de Belas-Artes, á qual se juntaram Matilde e Matias, organizadores das ocupações em Lisboa, que explicaram o que está planeado para os próximos dias. Decidiu-se, em conjunto, que a FBAUL começará a sua ocupação apenas no dia 2 de Maio, assim como outras faculdades, dando margem para organizar-se com mais tempo, para chamar outras pessoas.

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