Ocupações de escolas pelo clima deverão regressar em Abril

Movimento climático português anunciou a sua agenda para os próximos meses. Haverá novas greves estudantis e, posteriormente, um protesto no porto de Sines. Também há quem queira processar o Estado.

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Ocupação do Liceu Camões, em Lisboa, no passado mês de Novembro Daniel Rocha

O movimento climático em Portugal anunciou, no passado fim-de-semana (11 e 12 de Fevereiro), a configuração do seu calendário para os próximos meses. Vem aí nova greve global dos estudantes pelo clima (3 de Março). Estão também para regressar as ocupações de várias escolas (a partir de 26 de Abril).

Já a “plataforma de acções” de desobediência civil Parar o Gás quer protagonizar, no dia 13 de Maio, o protesto “mais disruptivo que o movimento climático português alguma vez fez”, tentando interferir com o normal funcionamento do porto de Sines, recebedor de gás natural liquefeito que os activistas consideram ser incompatível com o cenário de crise climática que atravessamos.

Estas novas acções foram comunicadas depois do oitavo Encontro Nacional pela Justiça Climática, que aconteceu a 11 e 12 de Fevereiro, em Coimbra. Foi a primeira vez que este evento, que anualmente junta uma série de organizações ambientalistas, grupos de activistas e demais pessoas, individuais ou colectivas, interessadas em saber mais sobre o movimento climático português, se realizou fora da capital.

Era “importante” retirá-lo de Lisboa, para o “descentralizar” e também para “envolver na luta climática pessoas de todo o país”, sublinha ao PÚBLICO António Assunção, da Parar o Gás.

É este jovem activista quem nos diz que a ambição dos manifestantes é fazer do protesto climático de 13 de Maio o “mais disruptivo” alguma vez realizado em solo português. “Centenas de pessoas vão travar o funcionamento da entrada principal de gás em Portugal”, promete no seu site o movimento Climáximo, que já protagonizou acções de desobediência civil com visibilidade mediática e que apoia a iniciativa da Parar o Gás.

Desobediência é essencial para chamar a atenção, dizem activistas​

António Assunção lembra que o movimento climático português dos últimos anos demorou ainda algum tempo a incorporar a desobediência civil no seu modus operandi. Primeiro, vieram as relativamente tradicionais manifestações e marchas — que, se mobilizaram muitas pessoas, terão no entanto sido “ignoradas” pelos decisores políticos, argumenta este jovem.

As “cheias que vimos este Inverno” e ainda a actual “crise do custo de vida” são “a demonstração de que o que fizemos até agora não é suficiente”, entende o activista, referindo acreditar que não só a desobediência civil é essencial para os manifestantes serem ouvidos, como estes têm de, em 2023, apostar nela de forma ainda mais declarada. “Temos de organizar algo que seja diferente e ainda mais disruptivo do que aquilo que já fizemos”, diz.

Jovens querem luz renovável e acessível a todos até 2025​

A greve global dos estudantes pelo clima, a 3 de Março, e as ocupações — que, depois de terem marcado o passado mês de Novembro, em Lisboa, deverão regressar a partir de 26 de Abril — são iniciativas da Greve Climática Estudantil (GCE), sendo que a primeira está integrada em mais um apelo do movimento internacional Fridays for Future. Os jovens farão sobretudo duas reivindicações: electricidade “100% renovável e acessível a todas as famílias” até 2025 e o fim dos combustíveis fósseis até 2030, contextualiza Alice Gato, da GCE.

Esta jovem diz que, relativamente às ocupações, o plano é que estas venham a ser “muito mais disruptivas” esta Primavera do que no passado Outono. “Queremos ocupar com mais força”, afirma, explicando que, se no final de 2022 foram ocupadas seis instituições de ensino (tanto escolas como faculdades), agora a GCE pretende “pelo menos duplicar” esse número. “E desta vez queremos que pelo menos uma ocupação seja feita fora de Lisboa.” Alice Gato diz querer ainda que as novas ocupações perdurem mais no tempo.

Contrariamente ao que fizeram no final de 2022, os jovens já não vão partir para estas novas ocupações exigindo a demissão do ministro da Economia e do Mar, António Costa Silva — que durante anos presidiu à petrolífera Partex e que, em Novembro, chegou a receber no seu gabinete um grupo de estudantes contra si. Mas vão apelar a que o resto da sociedade faça pressão nesse sentido, para que a voz dos jovens não seja a única nesta frente, refere Alice Gato.​

Na sequência de uma das ocupações do passado mês de Novembro, quatro estudantes que foram detidos viriam depois a ser condenados por um crime de desobediência com uma multa de 295 euros. Ana Carvalho, uma das jovens, diz ao PÚBLICO que não recorrerão desta decisão. Temos uma angariação de fundos para pagar as multas, acrescenta.​

Último Recurso deverá mesmo processar o Estado​

A luta dos activistas climáticos não se fará só na rua. A Último Recurso vai mesmo, possivelmente em Abril, processar o Estado, garante Maria Paixão, associada desta associação — que, como já escreveu anteriormente no PÚBLICO a jornalista Vera Moutinho, pretende usar o Direito como ferramenta para responsabilizar aqueles que, na sua perspectiva, são os principais responsáveis pela crise climática no país.

A Último Recurso vai processar o Estado porque, um ano após a entrada em vigor da Lei de Bases do Clima, há muito neste documento que ainda está por cumprir, explica Maria Paixão.

Por exemplo, o Portal de Acção Climática, que compilará uma série de notas sobre as metas climáticas do país (bem como diversas informações científicas relevantes que permitam à população melhor perceber o desafio rumo à redução de emissões do país), ainda não foi lançado. Similarmente, o Conselho de Acção Climática, uma entidade independente que terá como tarefa emitir pareceres sobre as medidas de acção climática do Governo, também ainda não existe.

A ideia é este conselho ser composto por “várias pessoas e entidades da sociedade civil”, diz Maria Paixão. “Vai incluir personalidades do campo científico e é suposto incluir também representantes das gerações mais jovens. É um instrumento muito interessante, mas que ainda está na gaveta”, diz.

A jovem refere que aquilo que a Último Recurso quer é que “o tribunal reconheça o incumprimento do Estado e que este seja responsabilizado por isso”. Só assim é que a Lei de Bases do Clima sairá integralmente do papel, acredita.

A Lei de Bases do Clima, continua, “foi um diploma que, quando foi publicado, gerou entusiasmo” entre activistas climáticos (e não só). “Não é perfeito, mas tem muita coisa interessante — nomeadamente esta questão de uma participação mais activa dos cidadãos na feitura das políticas climáticas.” Havia “expectativa”, mas, passado um ano, muito está por se concretizar, frisa Maria Paixão. “É frustrante.”

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