Por cá, a desobediência civil pelo clima não quer arredar pé em 2023

Em Inglaterra, o grupo de activistas climáticos Extinction Rebellion vai parar com os protestos disruptivos, para não alienar aliados. Em Portugal, a ideia é continuar a usar todas as ferramentas.

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Protesto climático pela redução do tráfego aéreo, em Lisboa (Maio de 2021) RODRIGO ANTUNES/LUSA

Anunciada no primeiro dia de 2023, a “resolução de ano novo” da ala britânica do Extinction Rebellion, grupo internacional de activistas climáticos, é acabar com as suas “tácticas de disrupção pública”. O colectivo ficou conhecido pelas suas acções de desobediência civil, mas sente que precisa de mudar o modus operandi para trazer mais pessoas para a luta climática, ao invés de alienar possíveis aliados. Em Portugal, a estratégia dos grupos de activistas climáticos para 2023 ainda está a ser definida, mas colectivos como o Climáximo, por exemplo, planeiam continuar a empreender acções de desobediência civil.

“O Climáximo vai continuar a fazer acções este ano. Aliás, já tivemos uma [na terça-feira], diz ao PÚBLICO Sinan Eden, um dos elementos deste grupo.

Eis o que aconteceu esta terça-feira: um pequeno grupo de jovens activistas organizou um protesto perturbador (porém, não violento) à porta de três sedes: a da Redes Energéticas Nacionais (REN), empresa de transporte de electricidade e gás natural; a da EDP; e a da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), “o regulador financeiro que tem como objectivo proteger os investidores”, argumenta o movimento Parar o Gás.

O Parar o Gás é “uma nova plataforma de acções”, criada pela campanha Gás É Andar para Trás. “Somos um conjunto de colectivos e organizações da sociedade civil que vêem com gravidade e preocupação a continuação de investimento público e privado em projectos e infra-estruturas de gás fóssil”, contextualiza no seu site o movimento, que defende “uma transição energética justa de combustíveis fósseis para alternativas limpas e sustentáveis”.

A campanha agrupa diversos grupos de activistas climáticos, designadamente o Climáximo e a Greve Climática Estudantil (GCE), mas também agrega, por exemplo, a associação ambientalista Zero, cuja intervenção é mais institucional.

“Este ano, vamos ter acções de rua em dois grandes campos: o do gás e o da aviação. São ângulos essenciais”, comenta Sinan Eden.

Relativamente ao sector da aviação, a Aterra, uma “campanha pela redução do tráfego aéreo e por uma mobilidade justa e ecológica”, continua com um movimento que tem como objectivo abolir jactos privados. E promete uma grande acção internacional para os próximos tempos. “Este Fevereiro, em conjunto com milhares por toda a Europa, queremos tornar andar de jacto totalmente impossível”, anuncia a Aterra num texto sobre o movimento, cujo slogan é o seguinte: “Estamos lixados e eles estão a lixar-nos.”

As viagens de jacto privado têm uma pegada carbónica relevante e são “um luxo desnecessário no contexto em que estamos”, opina Sinan Eden.

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Ocupação do Liceu Camões (Lisboa), em Novembro de 2022 Daniel Rocha

“Não queremos que falem de nós, queremos que falem dos problemas”

Fevereiro será um mês importante para os grupos de activistas climáticos, que nos dias 10 e 11 se reunirão no VIII Encontro Nacional pela Justiça Climática. O evento servirá para melhor definirem a sua estratégia para 2023. E a sua localização será o Departamento de Física da Universidade de Coimbra — o que é relevante, argumenta Hugo Paz, da ala portuguesa do movimento Scientist Rebellion.

“Esta será a primeira edição do encontro fora de Lisboa, o que é muito bom, para conseguirmos mobilizar mais pessoas”, refere o licenciado em Química Aplicada.

O Scientist Rebellion deriva do Extinction Rebellion e é composto por cientistas (ou pessoas com algum tipo de ligação à academia e ciência, como, por exemplo, pessoas que se formaram em ciência, mas não trabalham na área) que se envolvem em acções de desobediência civil. Sentem que alertar simplesmente para os perigos das alterações climáticas a partir do laboratório é uma estratégia que até agora não tem surtido efeito.

Em Novembro, nos dias da Cimeira do Clima de 2022 (COP27), o Scientist Rebellion esteve muito activo, tendo organizado, em vários países, acções de desobediência civil pela descarbonização do sector dos transportes. Em nações como a Alemanha, a mobilização resultou na detenção de vários manifestantes.

Agora, conta Hugo Paz, o colectivo está a tentar “perceber qual foi o impacto” que teve na comunidade científica, para depois “definir a melhor táctica” para 2023. “Estamos a contactar cientistas para perceber qual é que pode ser o nosso papel — e também qual é que pode ser a melhor estratégia para chamarmos mais pessoas”, afirma. E frisa: “Não queremos que falem de nós, queremos que falem dos problemas.”

​A necessidade de experimentar novos protestos

Hugo Paz acredita que a luta climática vai continuar a precisar de estratégias como a​ desobediência civil. Sinan Eden concorda, embora não exprima esta ideia da mesma forma.

“O [grupo britânico do] Extinction Rebellion disse que vai deixar de fazer resistência civil para criar pontes, falar com as pessoas, criar espaço para outras pessoas fazerem parte do movimento climático. Nós estamos a fazer tudo isso ao mesmo tempo que fazemos as acções de desobediência civil”, diz o membro do Climáximo.

As manifestações menos disruptivas, como as​ marchas [o Extinction Rebellion inglês está a preparar uma grande marcha para 21 de Abril, à porta do Parlamento britânico], são uma parte essencial do movimento, mas as acções de desobediência civil também o são. Sendo que também não são suficientes por si só”, sublinha.

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Ocupação do Liceu Camões (Lisboa), em Novembro de 2022 Guillermo Vidal

Só vamos fazer uma avaliação positiva do nosso trabalho quando houver um corte de emissões. O nosso balanço dos protestos que já fizemos, entre marchas e acções de desobediência civil, é que, até agora, eles foram um fracasso. Neste momento, a luta está a ser perdida. Estamos mesmo numa ‘highway to hell’ [‘auto-estrada para o inferno’, nome de uma conhecida música da banda rock AC/DC e expressão que o secretário-geral da ONU, António Guterres, usou na COP27 para descrever a rota de destruição do planeta], não há dúvidas disso”, reflecte Sinan Eden.

O activista refere que “o movimento [climático] está sempre a experimentar, sempre a tentar perceber como pode trazer novidade à luta”. “As ocupações [de várias escolas e universidades em Lisboa, em Novembro de 2022] foram uma experimentação — e tiveram sucesso”, afirma, dizendo que “uma acção numa escola traz pessoas novas”.

O membro do Climáximo acredita que, em 2023, o desafio dos activistas pelo clima será perceber como continuar a experimentar com sucesso, em que a desobediência civil terá de figurar algures no meio da equação. “Nenhuma táctica, sozinha, resolve o problema. Precisamos nde várias vertentes, alinhadas e coordenadas.”

Em Novembro, quando as ocupações estudantis em Lisboa terminaram, os jovens foram rápidos a prometer que estes protestos regressariam esta Primavera. “Embora ainda não tenhamos vencido nas nossas reivindicações, decidimos dar fim a esta vaga [de ocupações, para começar já a preparar a] próxima vaga, mais fortes e mais capazes na Primavera de 2023”, afirmaram então num comunicado de imprensa.

Os quatro estudantes que foram detidos durante a ocupação da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, na segunda semana de Novembro, foram, a meio de Dezembro, condenados por um crime de desobediência a uma multa de 295 euros. Questionada pelo PÚBLICO sobre se vão recorrer, Ana Carvalho, uma das detidas, diz que os jovens ainda não tomaram uma decisão.

Alice Gato, da GCE, conta ao PÚBLICO que os activistas ainda estão a definir uma data para as novas ocupações. Aponta para “Abril, Maio”. E revela também que, antes disso, o já conhecido movimento estudantil Fridays for Future voltará a organizar uma greve climática internacional. Ainda não houve um anúncio oficial, mas ocorrerá em Março.​​

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