Activistas climáticos condenados a pagar 295 euros. “A História vai absolver-nos”

Jovens foram condenados esta sexta-feira pelo crime de desobediência civil na última sessão do julgamento no Campus de Justiça de Lisboa. Os estudantes ainda não disseram se vão recorrer da decisão.

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Os estudantes que foram ouvidos em tribunal nesta sexta-feira Daniel Rocha

Os quatro estudantes que foram detidos durante a ocupação em prol do clima da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL) foram condenados por um crime de desobediência com uma multa de 295 euros, de acordo com a sentença divulgada esta sexta-feira, numa sessão de julgamento no Campus de Justiça, em Lisboa.

Em causa estiveram os acontecimentos ocorridos na FLUL, na noite de 11 para 12 de Novembro, de sexta-feira para sábado. Ao longo daquela semana, a faculdade foi ocupada por estudantes no contexto do movimento Fim ao Fóssil: Ocupa!, que envolveu vários núcleos estudantis: a escola artística António Arroios, o Liceu Camões, a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, o Instituto Superior Técnico e a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas também foram ocupadas.

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Os quatro estudantes da FLUL que foram julgados Daniel Rocha/PÚBLICO

Mas só na FLUL é que o director, Miguel Tamen, chamou a PSP para obrigar os estudantes a saírem. No entanto, Nemo, Artur, e Mateus, que se colaram ao chão, e Ana Carvalho (que ficou a prestar apoio aos três activistas) recusaram-se a sair do estabelecimento, foram retirados à força e detidos.

Depois de terem sido ouvidos pelo Ministério Público, a 14 de Novembro, os alunos não aceitaram a suspensão provisória do processo e escolheram ir a julgamento, para que o caso não fosse “silenciado”. Agora, ao fim de três sessões, veio a condenação por desobediência de ordem de dispersão de reunião pública.

“Vamos continuar a lutar”

“Estamos desiludidos por não terem desconsiderado a ordem do director”, disse Ana Carvalho aos jornalistas, depois de os estudantes terem ouvido a sentença. “Se queremos defender o Estado de direito e a democracia, então qual é a legitimidade de um director que chama a polícia para remover alunos que estão a protestar pacificamente, numa luta que vai ser todos?”, questionou a estudante, que tem sido a porta-voz dos quatro jovens. “Quantas mais cheias, quantas mais inundações precisam de acontecer para que as pessoas comecem a perceber que isto é real, que estamos a viver isto agora?”

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Os alunos que estiveram a manifestar-se na FLUL na noite de quinta-feira em solidariedade com os activistas que estão a ser julgados DR

O movimento do Fim ao Fóssil: Ocupa! tinha reivindicações gerais. Por um lado, os activistas queriam que o Governo se comprometesse a adoptar políticas para que o país atinja a neutralidade carbónica até 2030. Além disso, pressionaram o ministro da Economia e do Mar, António Costa Silva, para que se demitisse, já que no seu passado profissional esteve ligado à indústria dos combustíveis fósseis. A condenação que agora receberam não demoveu os estudantes da luta. “Enquanto não houver soluções práticas a serem aplicadas, vamos continuar a lutar”, assegurou Ana Carvalho.

Durante a primeira sessão do julgamento, a 29 de Novembro, os estudantes explicaram que a faculdade tinha pedido, durante a ocupação, para não perturbarem o funcionamento do estabelecimento. Os alunos disseram que cumpriram esses pedidos – ainda que pudesse ter havido algum ruído durante as aulas – e que as ocupações foram feitas de forma pacífica.

Mas um comunicado de Miguel Tamen enviado na semana seguinte à detenção dos estudantes para professores e estudantes da FLUL dizia que tinha havido várias queixas vindas de estudantes, funcionários e professores. E que os estudantes da ocupação “perturbaram deliberadamente a realização de aulas”.

Ocupação é “inaceitável”, diz Tamen

No comunicado, Tamen também se justifica por ter chamado a polícia. “A força foi usada (…) para proteger a nossa autonomia e a nossa liberdade, no respeito estrito da lei”, lê-se no comunicado. “A ideia de que uma comunidade autónoma como a faculdade possa ser ocupada desta maneira é para nós inaceitável. Importa-nos a autonomia da universidade, em especial num contexto em que há cada vez menos pessoas interessadas nessa autonomia. É por essa razão que não podemos, nem devemos ser porta-vozes de quaisquer causas.”

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Os estudantes estiveram a dormir e a ocupar a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa em Novembro Daniel Rocha/PÚBLICO

Ana Carvalho rejeita esta acusação: “Deve-se pensar qual é a linha entre o que é a lei e o que é legítimo. É essa a questão que pomos em causa, se era ou não legítima a decisão do director, apesar de estar dentro dos conformes legais. Temos direito à manifestação, também está na lei. Pela Lei de Bases do Clima temos direito a defender o ambiente.”

Na noite desta quinta-feira, Tamen voltou a optar por chamar a polícia em reposta à manifestação que o movimento organizou na FLUL para chamar a atenção para o julgamento desta sexta-feira. Desta vez não houve pessoas detidas.

“A decisão do tribunal não tomou em conta o exercício de direito pacífico de reunião e manifestação por parte dos estudantes”, disse, por sua vez, Marina Caboclo ao PÚBLICO, advogada de defesa dos estudantes, juntamente com André Studer Ferreira. “Achamos que o direito de manifestação e reunião só admitem restrições que sejam realmente necessárias”, acrescentou. Os estudantes ainda não disseram se vão recorrer da decisão.

Lutar contra o caos climático

Mais uma vez, a sessão desta sexta-feira foi acompanhada de uma pequena manifestação de outros estudantes e activistas do clima, que vieram dar força aos quatro arguidos, e da Frente Grisalha, um grupo de pessoas que se formou em apoio ao movimento climático juvenil.

“É uma decisão deplorável”, disse ao PÚBLICO Sara Figueiredo Costa, jornalista e integrante da Frente Grisalha, em reacção à condenação. “Na verdade, estas pessoas foram condenadas por causa do director Miguel Tamen que decidiu chamar a polícia”, recordou. Para a jornalista, a vida universitária deveria contar com a participação dos estudantes, promover a discussão, o pensamento político e a cidadania. “O que está a ser transmitido é que a universidade afinal é um sítio onde as pessoas devem andar como se fossem carneirinhos”, argumenta.

Também Matilde Alvim, estudante e uma das porta-vozes do movimento, diz que a decisão do juiz foi lamentável. “Esta condenação é o sistema a defender-se a ele próprio. Se o que estas pessoas fizeram é um crime, então temos de chamar criminosas às sufragistas que lutaram pelo direito ao voto das mulheres, a Martin Luther King e aos que lutaram contra a ditadura salazarista – porque essas pessoas estavam a incorrer em crimes”, refere a jovem. “Quem devia estar no banco dos réus são as pessoas que estão a perpetuar o caos climático.”

Mas Matilde acredita que o movimento está do lado certo da História: “A História vai absolver-nos. Mas nós não somos vítimas, nós não temos medo.”

Terminado o julgamento, os jovens pretendem voltar a ocupar os estabelecimentos de ensino na próxima Primavera. com Claudia Carvalho Silva

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