Clima: por que pedem os activistas a demissão de um ministro?

Por que associam os activistas climáticos António Costa Silva à indústria do petróleo? Como reagiu o ministro da Economia aos protestos? E o que pensa sobre as energias renováveis? Explicamos tudo.

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Manifestantes questionam ligação do ministro aos interesses da indústria do petróleo Nuno Ferreira Santos

Muito se tem falado sobre os protestos pelo clima e as diferentes ocupações em escolas e universidades. Entre as exigências dos jovens está a demissão de António Costa Silva, ministro da Economia e do Mar, assim como o fim da exploração de combustíveis fósseis até 2030. Por que pedem os activistas climáticos a sua demissão? Estão a visar a pasta da Economia ou a do Ambiente também? O que pensa António Costa Silva sobre as energias renováveis? Como reage aos protestos? O PÚBLICO preparou um Perguntas e Respostas sobre uma das reivindicações mais importantes dos movimentos climáticos.

Por que pedem os activistas climáticos a demissão de um ministro?

Os activistas exigem que António Costa Silva, ministro da Economia e do Mar, se demita devido ao facto de o seu percurso profissional estar muito ligado à indústria do petróleo.

“Nós sabemos que, não só em Portugal mas a nível internacional, há uma promiscuidade entre a indústria fóssil e os governos, os Estados. No fundo, a ideia vem de [exigir] fim ao fóssil também ao Governo”, afirmou ao PÚBLICO Matilde Alvim, uma das organizadoras da Greve Climática Lisboa, num podcast, gravado em Setembro, sobre as iniciativas Fim ao Fóssil: Ocupa!.

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António Costa Silva, ministro da Economia e do Mar, afirma que defende as energias renováveis LUSA/RODRIGO ANTUNES

É verdade que o ministro esteve ligado ao sector do combustível fóssil?

Sim. António Costa Silva iniciou a carreira profissional em 1980 na Sociedade Nacional de Combustíveis de Angola (Sonangol), a empresa estatal responsável pela exploração do petróleo e do gás natural naquele país.

Entre 2001 e 2003, foi director de Engenharia de Reservatórios e de Produção no Beicip-Franlab, ramo empresarial do Instituto Francês de Petróleos.

Entre 2004 e 2021, Costa Silva foi gestor da petrolífera Partex, empresa detida pela Fundação Calouste Gulbenkian (FCG) até 2019. No anúncio da venda, a presidente da FCG, Isabel Mota, referiu que o “portfólio financeiro e de investimentos” da fundação apostaria agora na “diversificação, impacto social e ambiental”. A Partex foi vendida à empresa tailandesa de exploração e produção de petróleo PTT.

A carreira académica de António Costa Silva também está ligada ao sector da energia. O ministro é licenciado em Engenharia de Minas pelo Instituto Superior Técnico, mestre em Engenharia de Petróleos pelo Imperial College de Londres e doutor em Engenharia de Reservatórios Petrolíferos simultaneamente pelas duas instituições onde estudou previamente, refere a biografia no site oficial do Governo.

Os protestos visam só a pasta da Economia? Ou a do Ambiente também?

A exigência visa unicamente o ministro da Economia, António Costa Silva – e não Duarte Cordeiro, ministro do Ambiente e Acção Climática.

Costa Silva disse recentemente achar irónico os activistas pedirem a sua demissão quando, na verdade, a pasta da energia não está sob a sua tutela. “A ironia disto tudo é que não é este o ministério que gere o ambiente e a energia”, disse o ministro.

O que pensa António Costa Silva sobre as energias renováveis?

O ministro posiciona-se actualmente a favor das energias renováveis e do hidrogénio. Numa entrevista concedida ao PÚBLICO em 2020, Costa Silva afirmou que não recomendaria a aposta no petróleo e no gás.

“Não vou recomendar a aposta no petróleo e no gás. Isso do gás natural foi excluído por decisão política há alguns anos. Vou recomendar uma grande aposta no cluster das energias renováveis. Reforçá-lo. Acredito que a energia solar será uma das grandes soluções deste século. Recebemos em cada dia que passa oito mil vezes mais de energia do Sol do que todo o planeta consome. E os custos têm-se reduzido, com uma redução de cerca de 70% a 75% nos últimos sete, oito anos”, referiu António Costa Silva há dois anos.

Numa outra entrevista ao PÚBLICO, realizada em 2018, Costa Silva criticava os anticorpos portugueses à exploração de gás natural. “Temos uma política energética muito errática, porque hostiliza o projecto de gás do Algarve [em que a Partex era parceira da Repsol], que acaba por fechar, e hostiliza também as energias renováveis e, portanto, pode render dividendos políticos, mas é muito populista e é por isso que o país avança pouco”, afirmou Costa Silva há quatro anos, quando ainda estava à frente da Partex.

No dia 12 de Novembro, quando em dezenas de manifestantes invadiram um edifício em Lisboa, onde decorria um evento privado no qual participava, António Costa Silva afirmou aos jornalistas que, apesar de ter uma carreira ligada à indústria do petróleo, defende as energias renováveis.

“É um facto que tive uma carreira nas indústrias do petróleo e, particularmente, na empresa Partex, mas nunca defendi nos últimos 20 anos o maior uso do petróleo. Pelo contrário, mesmo dentro da Partex, o que defendi foi a diversificação da companhia com a aposta crescente nas energias renováveis e a Partex, com a sua accionista na altura – a FCG –, foram um dos principais investidores no cluster de energias renováveis que se desenvolveu em Portugal”, afirmou o ministro.

Como o ministro reage aos protestos que exigem a sua demissão?

No dia 12 de Novembro, dia em que foi organizada a marcha do clima, António Costa Silva mostrou-se solidário com os movimentos climáticos e afirmou considerar a manifestação “absolutamente legítima”.

Os jovens estavam a manifestar-se, não houve de facto possibilidade de encetar qualquer tipo de diálogo naquelas condições, mas estarei sempre pronto para dialogar com os jovens, explicar o que estamos a fazer, ouvir as suas opiniões. Sou um homem de diálogo”, disse.

Na terça-feira, dia 15 de Novembro, António Costa Silva recebeu representantes do movimento climático que lhe apresentaram uma carta de demissão e pediram para que assinasse. O ministro recusou-se a firmar o documento. Em protesto, alunas colaram as mãos à entrada do Ministério da Economia e do Mar. Cinco activistas acabaram por ser detidas.

“Não podemos construir um país com futuro sem os jovens. Estava preparado para os ouvir”, afirmou o ministro nessa ocasião, referindo que os activistas não apresentaram qualquer proposta além da sua saída do Governo. “Eles não querem discutir estas questões e soluções e centraram-se no meu passado, no meu percurso”, acrescentou aos jornalistas.

António Costa Silva reiterou que não se demitiria.

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