Morreu Jesuslee Fernandes, o chef de Goa sem medo do picante

Fundador e cozinheiro do restaurante Jesus é Goês tinha 44 anos.

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Jesuslee Fernandes, fundador e chef do Jesus é Goês, tinha 44 anos Rodrigo Cabrita for Culinary Backstreets

“Perdemos um talento imenso e um coração gigante.” Jesuslee Fernandes, fundador e cozinheiro do Jesus é Goês, junto à Avenida da Liberdade, em Lisboa, “partiu ontem à noite”, anunciou o restaurante esta quinta-feira nas redes sociais. Tinha 44 anos.

É no picante que está o forte da comida goesa e Jesuslee Fernandes administrava-o com mestria no Jesus é Goês, restaurante que abriu em 2013 junto à Avenida da Liberdade. De paredes coloridas e pratos de paladar intenso, o espaço com apenas 16 lugares depressa se tornou uma referência em Lisboa.

Na ementa, desfilavam os sabores goeses, alguns adaptados ao gosto português, entre “bojés” com chutney, “bhajituri” e chamuças, caril de camarão com quiabos, cafrea de frango, xec-xec de caranguejo, sarapatel ou xacuti de cabrito.

“A comida goesa é até mais picante do que a indiana. Comê-la é um prazer, mas é também um sofrimento”, reconhecia numa entrevista à Fugas em 2012. Há dois anos, a propósito de uma reportagem sobre as “várias Índias que moram em Portugal”, ia logo avisando que quem não gostar de picante entrava no restaurante errado.

"Não fazia concessões em relação a isso", recorda André Magalhães, da Taberna da Rua das Flores, à Fugas. Enquanto outros restaurantes de gastronomias "mais exóticas" acabam por reduzir as doses de picante para adaptá-las ao gosto europeu, Jesuslee "fazia [os pratos] tal como eles eram". "As misturas das especiarias dele eram sempre fortes e potentes. Isso também fazia parte da identidade dele."

Recorda "um colega e um amigo leal, caloroso", "que tinha um encanto pessoal e um certo magnetismo". Era um homem "cativante" e que veio trazer "um bocadinho uma lufada de ar fresco" à gastronomia goesa de influência portuguesa que até então se servia na capital, sublinha André Magalhães. "Teve uma grande responsabilidade na divulgação da cozinha goesa em Portugal, até porque era o mais jovem e o mais brilhante de todos."

"Comi pratos dele que não eram tão goeses quanto isso, como as pataniscas de berbigão com arroz de berbigão, que eram muito mais especiais e que tinham o toque dele, porque tinham uma identidade que se percebia que era goesa mas não era um prato de raiz. Também tinha liberdade criativa e fazia coisas que saíam dos cânones da cozinha." Na memória ficam as "extraordinárias" chamuças de camarão "bem picantes". "Ficámos todos mais pobres hoje."

De sorriso solto e dedo para as especiarias, Jesuslee chegou a Portugal em 1994, então com 14 anos. O nome caricato resulta das paixões, tão díspares, da família: o pai fanático por Bruce Lee, a mãe por religião.

Durante vários anos, Jesuslee esteve à frente do restaurante Tentações de Goa, na Mouraria. Em 2010 decidiu regressar ao estado indiano, depois de 16 anos em Lisboa, “para descansar e estar com a família”. “Tentei abrir lá um restaurante, mas não me consegui adaptar àquele estilo de vida”, contava à Fugas em 2012, no regresso a Portugal. Pouco depois abria o Jesus é Goês.

Agora, com a morte do fundador, o restaurante vai manter-se encerrado “até informação em contrário”, indicam nas redes sociais.

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