Pacto verde do calçado está em marcha e a atrair mais empresas

Número de adesões ao compromisso pela sustentabilidade subiu 20% em duas semanas. Empresas terão diagnóstico, plano de acção e acompanhamento gratuitos. Meta é cortar 50% do CO2 em sete anos.

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O sector do calçado tem 1900 empresas e 40 mil trabalhadores em Portugal Manuel Roberto (arquivo)

É fácil prometer que se vai ser "mais verde". É uma expressão que está na boca de toda a gente. Mas os números mostram que uma coisa é o que se diz, outra é o que se faz. "A nossa economia só reaproveita 9% dos materiais usados", exemplifica o ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro. "Precisamos de alterar este paradigma."

Falou-se muito em economia circular nesta sexta-feira de manhã, no Palácio de Cristal, no Porto, onde 120 empresas assinaram o compromisso verde da indústria do calçado. Há duas semanas, a lista de adesões tinha 97 empresas. Mas à medida que uns aderem, outros sentem-se atraídos e motivados a subscrever um pacto que tem uma meta concreta (reduzir a pegada carbónica em 50% até 2030) e promete diversos benefícios – desde logo um diagnóstico e um plano de acção ambiental gratuitos para as empresas aderentes.

Daqui até Dezembro, o Centro Tecnológico do Calçado de Portugal (CTCP) irá fazer uma radiografia ambiental e, em conjunto com os empresários, definir um plano de acção, resume Maria José Ferreira. É um trabalho que pode custar à volta de 300 mil euros, no total, mas que as empresas não terão de pagar, vinca a directora técnica do CTCP. Definido o roteiro, a empresa aderente terá ainda acompanhamento gratuito.

"Isto é como um casamento", atira Pedro Castro, líder de uma empresa especialista em produção de solas para calçado técnico, a Aloft (V. N. Gaia). A assinatura de um compromisso é apenas "um ritual", mas torna "o processo transparente, público e auditável. "Estamos a dizer ao país, aos nossos parceiros nacionais e internacionais, que acreditamos nisto e que vamos fazer este percurso", prossegue.

"Isto não é uma ferramenta de marketing para vender melhor Portugal", concorda José Pinto, líder da Procalçado (V.N. Gaia). "A primeira coisa é ter consciência do que estamos a fazer e porquê. Urge fazer [este pacto] e este compromisso é só oficializar o amor que temos."

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Manuel Carlos, presidente executivo da Apiccaps (esq.) e Duarte Cordeiro, ministro do Ambiente, na pequena exposição de calçado patente no Palácio de Cristal, onde foi assinado o pacto verde desta indústria Estela Silva/Lusa

Trata-se, antes de mais, de mudar a forma como se trabalha. Já muito mudou. Pela digitalização, a Procalçado deixou de gerar uma quantidade infindável de resíduos na produção de 400 protótipos. "Fazíamos 400 para apresentar 150. Era um nível de desperdício inacreditável. Hoje desenvolvemos as colecções de forma digital", exemplifica.

Mas não chega. É preciso fazer mais. E é preciso que mais empresas façam mais. "Portugal ainda não está no patamar que desejamos", salienta Pedro Castro. "Mas temos factores críticos de sucesso. E um deles é a permeabilidade entre as empresas e a academia."

Foi, por isso, num auditório repleto de pessoas e de esperanças que se falou na tal "mudança de paradigma". De forma simbólica, apenas três empresas (Belcinto, Skypro e Lusocal) das 120 aderentes confirmadas subiram ao palco para assinarem o tal pacto verde, sob o olhar aprovador do ministro do Ambiente e do comissário europeu do Ambiente, que se deslocou de propósito ao Porto.

As 120 que já aderiram representam cerca de metade das exportações anuais de calçado nacional. "Diria que são também as que darão mais trabalho, provavelmente", acrescenta Maria José Ferreira. Os dirigentes da associação Apiccaps, que representa entre 400 e 500 os industriais do calçado, componentes, artigos de pele e sucedâneos, acredita que a lista de adesões vai continuar a crescer. Até porque "este pacto assegura também uma política de portas abertas, de transparência e é o nosso contributo para a construção de um futuro melhor", sublinharia o presidente executivo da Apiccaps, Manuel Carlos.

Não passou despercebido que este também era o dia do primeiro aniversário da invasão da Ucrânia pela Rússia. Viram-se muitas lapelas com as cores da Ucrânia, o que mereceu a atenção do comissário do Ambiente, Virginijus ​Sinkevičius, que destacou ser dia de um "aniversário sinistro".

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O comissário do Ambiente, Virginijus Sinkevicius, na sua intervenção no Porto Estela Silva/Lusa

"Esta guerra ensinou-nos muitas coisas. Uma das lições mais surpreendentes para muitas pessoas é a renovada importância de uma recuperação 'verde'. Agora está mais claro que as políticas verdes têm muito para dar em múltiplas frentes", afirmou o comissário, de origem lituana.

"Há sempre riscos. Especialmente para quem quer inovar (...). Nem sempre é fácil integrar a sustentabilidade e circularidade nos modelos de negócio. Mas todos sentimos que o mundo precisa de uma economia diferente, outros padrões de produção e de consumo" e, nesta deslocação, Portugal "mostra ao mundo como estas coisas podem funcionar na prática".

"Há semanas estava na Gronelândia e o calçado de inverno que vi à venda era português. Isto sucede pela vossa qualidade, pela tecnologia e resulta da vossa coragem", concluiu.

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