PJ faz buscas na GFK por suspeitas de adulteração dos números das audiências televisivas

Em causa estão suspeitas de adulteração dos números das audiências televisivas, com consequências directas no mercado publicitário. Investigação remonta a 2021. Empresa fala em tentativa de descredibilização.

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A GFK Portugal mede as audiências televisivas Glenn Carstens-Peters

A Polícia Judiciária (PJ) esteve esta terça-feira a fazer buscas na sede da GfK, a empresa que mede as audiências televisivas em Portugal, além de outros estudos de mercado. A empresa “repudia e lamenta a tentativa, infundada e injusta, de descredibilização do sistema de medição de audiências”, como assinala em comunicado enviado ao final da tarde.

A notícia das buscas foi avançada durante a manhã desta terça-feira pelo Correio da Manhã e confirmada pelo PÚBLICO. De acordo com a CNN Portugal em causa estarão suspeitas de adulteração dos resultados das audiências, com consequências directas no mercado publicitário. Em Junho de 2021, o semanário Tal & Qual dava conta de uma investigação do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) sobre alegada “adulteração de audiências televisivas a favor da SIC”.

Essa investigação foi confirmada pela Procuradoria-Geral da República (PGR). A PGR disse que recebeu uma denúncia sobre a alegada adulteração de audiências televisivas e que a mesma tinha sido remetida ao DIAP, “onde deu origem a um inquérito”. O PÚBLICO sabe que a denúncia na origem da investigação é anónima.

A TVI reagiu esta terça-feira tarde à notícia das buscas dizendo que envidará “todos os esforços para que quaisquer dúvidas sobre a fiabilidade dos processos de medição de audiências sejam rapidamente esclarecidas, para que a publicidade continue a cumprir com eficácia o seu importante papel no funcionamento da sociedade portuguesa”.

O PÚBLICO questionou o canal da Media Capital sobre se tinha informação sobre a origem da queixa, que entretanto este jornal confirmou ser anónima, mas o gabinete de comunicação da estação não teceu comentários. Frisou sim que “é do interesse da TVI e dos demais operadores que o negócio da publicidade, principal fonte de financiamento do sector da comunicação social, seja credível aos olhos de todos”, acrescentando que “a TVI tem contribuído activamente para a credibilidade e transparência do processo de medição de audiências”. O PÚBLICO questionou também a SIC sobre esta investigação, mas não obteve ainda resposta.

Por seu turno, a GfK confirmou a existência das buscas e disse que está a cooperar de forma transparente e total com as “diligências da PGR”. A empresa repudia o questionamento da sua actividade e diz que o “propósito [da alegada tentativa de descredibilização da sua audimetria] será certamente apurado”.

Além disso, a GfK salienta “que a metodologia e a forma como conduz a medição de media, quer para a Comissão de Análise de Estudos de Meios (CAEM), quer para quaisquer outros clientes, obedece a critérios de total rigor”.

Investigação em curso

Em Julho, também o semanário Nascer do Sol avançava que o MP já tinha até solicitado às três operadoras (Altice, Nos e Vodafone) dados sobre as audiências registadas no cabo. O mesmo semanário relembrou que em 2021 tinha noticiado que as audiências registadas no cabo não eram coincidentes com os dados divulgados pela GfK, nem batiam certo com o impacto dos programas nas redes sociais.

No último ano, e com as regulares e obrigatórias revisões dos painéis de lares em que estão os audímetros que registam que televisão vêem os portugueses, a quota da televisão por subscrição tem aumentado nitidamente. Entre Setembro de 2021 e Setembro de 2022 a parcela dos espectadores que vêem cabo subiu dos 35,5% de share (a quota de mercado, ou percentagem que viu o canal num dado horário ou período) para os 41,6%, segundo dados da GfK.

A GfK tornou-se a empresa responsável pela medição de audiências em Portugal em 2012 e no final de 2020 a CAEM, que lança o concurso internacional para a selecção da entidade responsável por essa actividade, decretou-a novamente vencedora e atribuiu à empresa a tarefa até 2025.

Segundo a empresa diz esta terça-feira em comunicado, a metodologia que usa está “em conformidade com os procedimentos de controlo de qualidade para serviços de medição de audiências e de acordo com as regras estabelecidas para a elaboração de estudos de mercado e com as directrizes das associações de pesquisa de mercado e sociais, em obediência aos padrões da ESOMAR (Global Association for the Data Analytics, Research and Insights Industry) e às directrizes do GGTAM (Global Guidelines for Television Audience Measurement), bem como às normas e práticas em vigor definidas pela CAEM”.

No comunicado, é referido ainda que a “conduta da GfK respeita escrupulosamente as obrigações contratuais convencionadas com a CAEM e respectivas especificações” e que é líder global em dados e análises.

A GfK sublinha o facto de fornecer “informações para o consumidor e para o mercado há 85 anos, actuando sempre com idoneidade, imparcialidade e em estrito e rigoroso cumprimento dos princípios de ética, sem qualquer interesse conflituante com o negócio de media em Portugal, sendo merecedora de toda a confiança que lhe tem sido concedida”.

Guerra de audiências

As audiências e a forma como as mesmas são medidas e divulgadas têm suscitado ao longo dos anos muitas dúvidas e braços-de-ferro.

Em 2010, quando era líder e a Marktest era responsável pela audimetria, a TVI exigiu uma auditoria à empresa devido, entre outros aspectos, aos maus resultados obtidos nas audiências de jogos da liga de futebol portuguesa e que foram, argumentava, “o culminar de um processo de descrédito total do actual sistema de mediação de audiências de televisão em Portugal”. A Marktest media as audiências em Portugal desde o início da década de 1990.

A GfK sucedeu-lhe depois de um processo conturbado, como escreveu na altura o Jornal de Negócios, porque anunciantes, as agências de meios que negoceiam os espaços publicitários e os próprios canais não concordavam quanto à empresa mais bem equipada para o processo. “As televisões e as agências de meios preferiam a proposta da Marktest, por ter sido a primeira classificada na vertente técnica”, escrevia na altura o jornal económico. A RTP, em Março de 2012, noticiava que a empresa tinha sido “escolhida por vantagem comparativa nos custos”.

Em 2012, a TVI chegou a anunciar que deixava de reconhecer a validade dos dados produzidos pelo painel de medições da empresa GfK. Decisão que teve também o apoio da RTP e que a empresa explicava com o processo inicial de afinação técnica do sistema. A polémica instalada levou o director da GfK, António Salvador, a dizer na altura ao PÚBLICO: “

Actualmente, a relação dos canais com a GfK normalizou e todos são associados da CAEM) O PÚBLICO sabe que a TVI tem sido crítica em vários fóruns quanto aos números que diariamente são fornecidos pela GfK.

"Transparência"

Quando em 2021 veio a público a existência da investigação do DIAP, SIC e TVI reagiram à notícia com firmeza. Por um lado, a SIC negava a alegação de que existisse “concertação entre SIC e a empresa que mede as audiências para a CAEM, a GfK” e frisava a sua confiança no sistema de medição de audiências em vigor “tal como o resto do mercado, representado pela CAEM (que agrega anunciantes, agências e meios de comunicação social)”, recordando que essa confiança existia “mesmo durante os anos em que a SIC não foi líder de audiências”.

Já a TVI escrevia em comunicado estar em causa “o apuramento da verdade e a assunção de eventuais responsabilidades” e explicava que o canal veiculara “à direcção da CAEM as suas reflexões críticas”.

Desde a abertura do espectro televisivo às emissoras privadas, a expressão “guerra de audiências” ganhou preponderância na comunicação social portuguesa e a luta pela liderança, em tempos monopólio da RTP e, no final dos anos 1990, com a SIC de Emídio Rangel em primeiro lugar. Seguiu-se uma ascensão meteórica da TVI sob a égide de José Eduardo Moniz a partir da viragem do século e uma liderança de 12 anos e meio até que, em Fevereiro de 2019 e depois da transferência de Cristina Ferreira para o canal da Impresa, a SIC passou para a frente com Daniel Oliveira ao leme. Entretanto, Cristina Ferreira regressa à TVI e José Eduardo Moniz reemerge para ocupar o cargo de director-geral em Fevereiro deste ano.

A SIC começa com um share de 8,5% em 1992 (em apenas três meses) e em 1998 atinge os seus píncaros: 49,2% de share, quase metade do país com olhos em Carnaxide. Terminou 2021 com 19,3% de share médio e em Setembro último comemorou o seu 44.º mês na liderança.

A TVI, cujas contas começam em 20 de Fevereiro de 1993, tem como primeiro share médio 6,6% e em 2001, no ano pós-Big Brother, chega ao cume de 31,9% de share; actualmente, está nos 16,9%. A RTP perdeu a posição central que tinha na sociedade mediática portuguesa logo nos anos 1990 e agora faz as suas contas entre os 10 e os 11% de share.

Os outros elementos que competem pela atenção dos portugueses frente a um ecrã são a televisão por subscrição (vulgo, “o cabo”), o streaming pago e outros usos do aparelho como os jogos. Esses são hoje, como um todo, dominantes em relação às audiências dos canais em sinal aberto e uma tendência mundial. As audiências são determinantes para estabelecer as tabelas de preços para os anunciantes, cuja publicidade é uma importantíssima fonte de receitas dos canais privados.

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