Torne-se perito

Não vou dar toques nenhuns nas audiências

É o homem no centro do furacão que está a varrer a televisão. Diz que não há erros nas audiências da Gfk, e que o clima é de "terrorismo puro e duro"

António Salvador, o líder da GfK, a empresa que passou a garantir os dados de audiência da televisão em Portugal, está "muito desagradado" com a polémica que está a rodear o arranque do novo painel de medição de audiências, a 1 de Março. Diz que os dados são os da sua empresa, mas a responsabilidade da sua análise cabe à Marktest, que é quem define os shares [quota de audiência relativa ao total de espectadores] dos canais. Numa entrevista em que revela números e factos até aqui pouco ou nada conhecidos, o líder da GfK afasta o cenário de haver erros grosseiros.

Como vê as reacções ao arranque do novo painel de audimetria?

Estou muito desagradado, até porque considero que tem havido manipulação. Nós damos consumos de audiências, não damos shares. Os shares resultam da interpretação dos consumos de audiência, que é o que nós damos. Ouço falar de comparações de shares [entre a Gfk e a Marktest] e é extremamente desagradável, porque eu não sei o que medem os outros. Eu estou a medir 150 canais, o DVD, os jogos e outras coisas, que não identifico, e dou percentagens de consumo de cada um deles. Se eu só tiver quatro canais, os shares são maiores, porque o share é a divisão entre os consumos identificados.

Quando fala em manipulação...

É que há várias formas de tratar a informação. Eu acho que não tem havido a necessária seriedade na análise da informação.

Então preferia trabalhar com o quê, com o rating?

Claro, o rating [número de espectadores que está a ver um programa] é que é a medida adequada. As nossas curvas de consumo, segundo me dizem, são bastante parecidas com as anteriores [obtidas pela Marktest]. Eu não sei o que vai acontecer com as pessoas que têm os meus audímetros [aparelhos de medição de audiência] em casa. Não sei se alguma dessas pessoas não me vai dizer: "Eh pá, eu não quero colaborar, você está aqui a querer lixar a RTP!"

Isso já aconteceu?

Não, estou a dizer que é uma situação potencial. Não é admissível nem normal que, antes ainda de ter produzido informação, já estivesse a ser crucificado... Porque quando professores universitários, que sabem o que é fundamentação científica, falam sobre dias que não existem, isso é charlatanice.

Explique lá isso.

Dizer-se que num dia qualquer não houve audiência, quando estamos em testes - e eu não estou em testes para dar informação, mas sim para ver que problemas existem e como os resolvo.

Que problemas encontraram nesses testes?

Todos os que foram para aí referidos.

E foram resolvidos?

Sim, evidentemente. Eu não estou a dizer que nunca haverá problemas. O que digo é que é demagógico, incorrecto, feio, misturar as coisas. E agora já estamos num registo de misturar com a intenção do Governo de fazer a privatização da RTP! Quando foi o concurso não havia essa intenção, não era este o Governo... por amor de Deus!

Dê-nos exemplos de problemas que foram resolvidos.

O mais importante é o painel. O nosso foi seleccionado com os melhores critérios possíveis e imaginários. Usámos 127 quotas. Alguns parâmetros nunca tinham sido considerados. Dou-lhe um exemplo: o habitat. Compreenderão que o consumo de televisão de quem habita numa localidade com menos de dois mil habitantes é potencialmente diferente do de uma cidade com um milhão. E sabem qual é a percentagem da população que vive nessas localidades? Cerca de 50 por cento. Mas os senhores da televisão não ligavam a isso. E sabem porquê? Porque quando se fazem recrutamentos por telefone não é possível introduzir o habitat.

Vocês fizeram porta a porta.

Exacto. Fizemos o recrutamento com muito rigor, como nunca foi feito. E além disso fizemos outra coisa: todas as informações [dos testes] são dadas pela GfK.

Está a dizer que foram comunicando os problemas...

A GfK dá a informação completamente despida. Coisa a que não estavam habituados; provavelmente não sabem lidar com a situação...

Mas quem? Os operadores?

Claro. Nós mandamos a informação para a CAEM [Comissão de Análise e Estudo de Meios, responsável pela contratação da empresa que mede as audiências], para os associados da CAEM.

Mas os operadores não foram percebendo que ia haver alterações nas audiências?

Há que tempos!

Por que razão só a RTP1 teve uma evolução radical? Há uma explicação técnica?

Não. Eu só tenho de saber se estou a fazer bem ou não. Nada me move contra ninguém. Não vou agora pensar que as pessoas em Portugal estão a fazer de propósito para não verem a RTP, ou verem sem dizerem que estão a ver, só para a prejudicar.

Noutros países, tem exemplos de situações semelhantes?

Só o posso dizer porque me dizem: sim, é normal. E são as televisões públicas que normalmente perdem. O que é saudável e se passa na Europa inteira é que há um comité local que escolhe um fornecedor. A CAEM tem direito a fazer auditorias que garantam que aquela informação que é só uma e em monopólio, não seja fruto do livre arbítrio de quem a produz.

Já aconteceu alguma dessas auditorias?

Não! Disseram-me na semana passada para avançar, ainda não passou uma semana! E já queria uma auditoria? Não faz sentido.

Em que é que o seu painel difere do anterior? Sendo diferente, produz resultados diferentes, mas...

Seria um milagre não haver mudanças! A questão é: por que é que só a RTP é que perde e os outros não se queixam?

Pois, essa é a grande questão.

Mas eu só meço audiências, não explico os comportamentos.

Então, simplesmente acontece.

Não é bem assim. Convém pesquisar e tentar perceber.

A RTP diz que o painel tem uma baixa representatividade da população mais idosa. É verdade?

É verdade que a partir dos 55 anos há menos gente do que devia haver no painel.

Vai ser aumentado?

Será acertado. Todos os dias há ajustes. Eu tenho que substituir por ano 20 a 25% do painel. Nos 1100 lares, tentamos que haja uma representação da população e distribuição de Portugal continental. Quando um lar corre mal, tenho que encontrar outro que tenha a classe social, região e habitat do mesmo segmento. Este jogo do gato e do rato é constante e sistemático. Se esta população a partir dos 55 anos for de dois milhões, então os cálculos são sempre para dois milhões, os ponderadores é que são diferentes. Se tenho metade das pessoas que devia ter no painel, então o ponderador vai ser multiplicado por dois. Quanto maior é o ponderador, menor é a amostra e maior é o erro potencial. Nada me garante que o desvio existente seja em prejuízo da RTP.

Quando vai ter o painel ideal?

Isso nunca está feito. Acho que mais um mês, dois meses. O compromisso com a CAEM eram quatro meses desde o início para ter tudo acertado, mas isso não significa que esteja hoje mal.

Que benefícios tem uma família do painel?

Damos um benefício mensal que tem como pressuposto não alterar o comportamento das pessoas. E tem o sorteio anual de um automóvel.

Não é dinheiro vivo?

Não, é carregado em cartões [de compras].

Esta polémica também deriva do facto de haver dois números em simultâneo.

É óbvio. É sustentada por esse facto. Provavelmente haveria sempre críticas, mas assim elas são fundamentadas. É um acto de terrorismo puro e duro.

E quem é o responsável?

Não sei. Eu gostaria que aparecesse o árbitro e que pusesse fim a esta selvajaria.

Quem é o árbitro?

Não sei, alguém terá que assumir esse papel.

Porque é a Marktest a divulgar os dados da GfK?

Porque eu digo quem esteve a ver em que período horário e que sons. E há uma empresa que diz que isso significa que foi este programa, e identifica os spots publicitários emitidos. Faz o reconhecimento e a monitorização dos programas. A informação que nós vemos hoje no mercado dizendo - e isso não era objecto do contrato - que os portugueses viram ontem o programa A é o resultado conjunto da informação fornecida por nós sobre quem viu em que período horário, com a informação da Marktest que sabe o que foi emitido nesse horário naquele programa.

Mas essa fonte não dá toda a informação.

Eu dou raw data ponderado. Sobre isso, a Marktest identifica os programas e os spots publicitários. E distribui a informação. Por que é que eu acho que o árbitro tem uma enorme facilidade de actuação? Porque medir os consumos de televisão são os ossos do trabalho. São dois milhões de euros e eu - vou inventar - posso ganhar 200 mil euros. O resto, o que faz a Marktest, são seis milhões de euros e aí pode ganhar dois milhões e meio. É o presunto.

E é sua intenção reclamar essa parte do negócio?

Não. Passo a passo, Roma e Pavia não se fizeram num dia...

Alguma vez pensou estar assim debaixo de fogo?

Não. Nunca percebi, até hoje, que os comportamentos pudessem ser tão extremados que levassem a uma coisa destas. Só comecei a reagir a partir do dia 1. Antes eu ainda nem existia! Isto é um assassinato!

E como é que acha que isto vai acabar?

Não sei. No outro dia, alguém dizia: "Eh, ele agora dá ali uns toques naquilo..." E esse é que é o problema, e eu não vou dar toques nenhuns.

Esta queda das audiências está a ser associada ao processo de privatização da RTP, a uma desvalorização...

Tenho a minha opinião como cidadão, mas como profissional não posso emitir juízos de valor. Se o canal é para vender publicidade posteriormente, é claro que esta informação pesará. Da mesma forma, pode ser muito positiva se quem o comprar o puser com uma dinâmica de conteúdos e mostrar capacidade para inverter a situação. Aí até pode ser positivo o facto de ter descido.

Esse discurso é muito igual ao do ministro Miguel Relvas...

Mas olhe que é só por acaso. Só por acaso.

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