O rei Carlos III não vai à Cimeira do Clima no Egipto — em causa pode estar uma questão de direitos humanos

Media britânicos sublinharam a estranheza pela decisão de o seu novo rei, defensor de causas ambientais de há muito, não ir à COP27, e sugeriram que isso poderá ter sido uma decisão da primeira-ministra Liz Truss.

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O rei Carlos III poderá ter outras prioridades agora para além das causas em que sempre se empenhou Russell Cheyne/REUTERS

Cerca de 90 chefes de Estado confirmaram já a sua presença na Cimeira das Nações Unidas sobre o Clima (COP27) que decorre no Egipto, de 6 a 18 de Novembro. Mas o rei Carlos III, que enquanto príncipe de Gales sempre teve um discurso activista pelo ambiente e era um dos convidados, não estará presente. A decisão suscitou algumas suspeitas de que a primeira-ministra conservadora do Reino Unido, Liz Truss, tenha dito ao rei que para não ir – mas em causa pode estar, além da agenda climática, uma questão de direitos humanos.

“Este assunto, a sua agenda de viagens, compete inteiramente ao rei”, assegurou Liz Truss, à rádio LBC, e citada pela Reuters. “Mas não vou revelar o conteúdo de qualquer discussão que tenha tido com o rei Carlos II”, assegurou, numa resposta à notícia do Sunday Times, que divulgou que teria sido a primeira-ministra que disse ao rei para não ir à COP27 em Sharm-el-Sheik​.

O Palácio de Buckingham confirmou que o rei Carlos III não irá à COP27, apesar de ser esperado que o fizesse antes da morte da sua mãe, a rainha Isabel II. No ano passado, Charles falou na cerimónia de abertura da COP26, em Glasgow (Escócia, Reino Unido), depois de a rainha ter sido aconselhada pelos médicos a não comparecer pessoalmente. Descreveu a conferência como “uma última oportunidade” para salvar o mundo das alterações climáticas.

Desta vez, nem ele nem o novo príncipe de Gales – o seu filho mais velho, William – irão a Sharm el-Sheik, no Egipto, à COP27. William estará a concentrar-se no Prémio Earshot, que lançou com o naturalista David Attenborough em 2021, diz o jornal The Telegraph. O prémio, que será anunciado a 2 de Dezembro em Nova Iorque, atribui um milhão de libras a cinco vencedores anualmente que se distingam pelas suas contribuições ambientais, em categorias inspiradas pelos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas (restauro e protecção da natureza, limpeza do ar, recuperação do oceano, vida sem lixo e acção climática).

Redução de compromisso com agenda do clima?

A Sky News cita fontes do Palácio de Buckingham dizendo que “qualquer sugestão” de que a presença do rei Carlos na COP27 fosse um ponto de desacordo com o Governo não é de todo verdade, e que a decisão foi tomada em conjunto. Está-se ainda a discutir se é possível o rei mostrar o seu apoio à Conferência do Clima de alguma outra forma.

Carlos III tinha dito no mês passado que agora, enquanto rei, deixaria de ser possível “dar tanto do meu tempo e energia a organizações sem fins lucrativos e causas pelas quais me interesso profundamente”, relata a Reuters.

Há, no entanto, alguma preocupação sobre se esta decisão reflectirá uma redução do compromisso do Governo britânico com a agenda climática global - reflectindo uma subalternização destes temas no seu Governo. Um porta-voz da COP27 notou o “desapontamento do presidente da COP27 [o ministro egípcio dos Negócios Estrangeiros, Sameh Shoukry] pela notícia de que Carlos II não estará presente”, relata o Guardian.

Reconhecendo o compromisso de longa data do monarca com a causa do clima, a presidência egípcia da COP27 adianta que a sua presença daria grande visibilidade à conferência. “Esperamos que isto não indique o Reino Unido esteja a recuar em relação à agenda climática global, depois de ter sido o país que presidiu à COP26”, disse o porta-voz da COP27 citado pelo Guardian, notando que o convite para a primeira-ministra Liz Truss ir à conferência no Egipto ainda estava de pé.

Alguns países da Commonwealth expressaram preocupação pelo eventual afastamento do rei Carlos III da conferência pelo Governo britânico, diz o Guardian, até porque muitos deles são alguns dos mais vulneráveis às alterações climáticas.

A prisão de Alaa ​

O Governo de Londres não confirma ainda a agenda de Liz Truss, dizendo que só haverá uma decisão mais perto da data da conferência.

Para além do compromisso com a agenda climática, é possível que outras questões diplomáticas travem a presença de governantes britânicos de Sharm el-Sheik, nomeadamente relacionados com os direitos humanos.

O regime egípcio liderado pelo Presidente Abdul Fattah al-Sissi tenta dar uma imagem positiva do país organizando a COP27 numa cidade que é uma estância turística muito procurada por ocidentais, mas subsistem graves violações dos direitos humanos e restrições dos direitos políticos.

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A Praça Tahrir, no Cairo, onde começaram os protestos contra o regime em 2011, nos quais Alaa Abd El Fattah uma figura proeminente Amr Abdallah Dalsh/REUTERS

Uma questão grave é a prisão do activista Alaa Abd El Fattah, uma das figuras mais proeminentes dos protestos na Praça Tahrir, no Cairo, que desencadearam a Primavera Árabe no Egipto em 2011. Está em greve de fome há 186 dias, em protesto contra a forma como está a ser tratado na prisão – incluindo contra a forma como as autoridades egípcias tentaram impedir uma visita consular britânica que pretendia avaliar o seu estado de saúde.

Em Junho, quando era ministra dos Negócios Estrangeiros, Liz Truss disse ao Parlamento que o Governo “estava a trabalhar arduamente para garantir a libertação de Alaa Abd El Fattah”, recorda o Guardian. Mas desde então não falou mais no assunto.

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