Em 40 anos, ardeu o equivalente a metade da área de Portugal continental

Projecto voluntário organizou os dados públicos e mostra que arderam mais de quatro milhões de hectares nas últimas quatro décadas. O ICNF diz ainda que em 2022 arderam já mais de 50 mil hectares – bem mais do que o total do ano passado.

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Mais de 50 mil hectares de terreno foram consumidos pelas chamas este ano: na imagem, um incêndio em Leiria em 2022 Adriano Miranda

Entre 1980 e 2021, ardeu o equivalente a 55% da área de Portugal continental em incêndios florestais, segundo os dados revelados este mês pela Associação Portuguesa de Ciência de Dados para o Bem Social (DSSG PT). A conclusão bate certo com a triste realidade vivida quase todos os anos em Portugal: “Ardeu mesmo muito”, sumariza a cientista de dados Nadiia Basos, que desenvolveu a maior parte deste projecto. Em anos como 2003 ou 2017, a mancha resultante da área ardida é ainda mais notória.

Nos quase 42 anos analisados pelo grupo, arderam 4,86 milhões de hectares (4.858.330) – são 48.583 quilómetros quadrados, o que equivale a mais de metade dos 92 mil quilómetros quadrados correspondentes à área de Portugal. Tal não significa que metade de Portugal tenha ardido, já que há áreas em que nunca se registaram incêndios florestais e outras que arderam mais do que uma vez, mas em alturas diferentes. Os dados vão de 15 de Janeiro de 1980 a 15 de Setembro de 2021.

Foi um trabalho que levou meses a fazer. Os dados públicos do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) e da Protecção Civil são abertos e estão disponíveis para qualquer pessoa, mas estão “espalhados por todo o lado”, explica Nadiia Basos, que é natural da Ucrânia e mora em Portugal há dez anos. Alguns dados também eram confusos ou tinham palavras e formatos diferentes. “Agora continuam abertos, mas mais organizados.” As bases de dados limpas e organizadas podem ser consultadas aqui.

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Nadiia Basos tem 35 anos e trabalha dados geoespaciais

Da análise surgiu ainda um mapa interactivo que permite ver a evolução da área ardida por concelho em cada mês de cada ano. Cada “bolinha” no centro dos concelhos corresponde ao que ardeu em incêndios florestais: quanto maior e mais escuro o círculo, maior a área ardida em casa mês. No mapa, basta carregar no botão play (no canto inferior direito) para assistir à cronologia da área ardida. “Com a localização geográfica de cada fogo, cada pessoa pode descarregar e ver o seu concelho mais em detalhe”, refere Nadiia Basos.

No mês de Junho de 2017, por exemplo, é possível ver um círculo de grandes dimensões no centro do mapa: trata-se dos 30 mil hectares que arderam nos incêndios de Pedrógão Grande durante esse mês, e que causaram dezenas de mortes. Em Outubro de 2017, são vários os círculos gigantes por todo o território nacional (sobretudo na região Centro), correspondendo aos grandes incêndios que devastaram milhares de hectares e causaram também a morte a dezenas de pessoas.

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O esboço feito pela associação no início do projecto, imaginando como ficaria o mapa interactivo DSSG PT

Com este mapa, a associação quer facilitar a compreensão do fenómeno dos incêndios florestais, permitindo “novas observações que informem a estratégia de combate aos incêndios”, como se lê num comunicado. E, ao mesmo tempo, visualizar quais as zonas do país que mais ardem e como esses “pontos de foco” se alteram ao longo do tempo.

A DSSG PT é uma comunidade aberta que reúne centenas de voluntários com interesse na ciência de dados e bem social, que também criou um repositório com os dados da covid-19 em Portugal e analisou outros indicadores como o número de vítimas de violência doméstica ou o impacto da pandemia de covid-19 no mercado de trabalho.

Neste trabalho dos incêndios, o primeiro passo foi recolher os dados que estavam dispersos. Foram usados os dados do ICNF – que tinham já sido organizados por um repositório de dados de acesso aberto em Portugal, chamado Central de Dados – e da Protecção Civil.

Eliminaram-se os fogos que tinham origem doméstica, industrial ou urbana e eliminaram-se também os fogos com área muito pequena, explica Nadiia. Depois, organizaram-se os dados por concelho, acrescenta Nadiia Basos, que trabalha como cientista de dados espaciais na empresa Tesselo. Também já trabalhou como cientista de dados geoespaciais na Direcção-Geral do Território e foi investigadora na Universidade do Algarve.

Mais de 50 mil hectares ardidos este ano

Este mapa interactivo não tem ainda dados sobre os incêndios de 2022. Em resposta ao PÚBLICO, o ICNF diz que o incêndio que gerou maior extensão de área ardida este ano foi o incêndio rural de Vale da Pia, na freguesia de Abiul (concelho de Pombal), que abrangeu outros concelhos e afectou um total de 4467 hectares, segundo os dados provisórios. Este incêndio aconteceu no dia 8 de Julho.

O ICNF explica ainda que “este incêndio rural teve início e decorreu numa região densamente arborizada e povoada, onde as operações de combate se depararam com desafios bastante complexos”.

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Ao todo, até 25 de Julho, segundo o ICNF, arderam 56 mil hectares num total de 6929 incêndios em 2022 – o que significa que já ardeu quase o dobro do total de área ardida em 2021. O ano passado, ainda assim, teve valores muito baixos para a média da década, com o total de área ardida a rondar os 28 mil hectares.

Desde 2012, o ano de 2022 está a ser o segundo com um valor mais elevado de área ardida (com os dados disponíveis até 15 de Julho, em que tinham ardido 40 mil hectares), sendo só ultrapassado por 2017, ano dos grandes incêndios em Pedrógão Grande e no Centro do país. No ano passado, até 15 de Julho, tinham ardido 12 mil hectares.

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