É verdade que os incêndios são das principais fontes de emissões de carbono em Portugal?

A frase foi proferida por António Costa. Ainda que seja verdade que as florestas absorvam o dióxido de carbono e o devolvam à atmosfera quando ardem, tal não corresponde à maior parte das emissões emitidas por Portugal.

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O primeiro-ministro, António Costa, esta quarta-feira Nuno Ferreira Santos

A frase

“A floresta é um sumidouro de carbono, mas temos de ter uma floresta ordenada, porque se não a floresta torna-se um grande emissor de carbono. E as grandes emissões de carbono no nosso país nos últimos anos têm tido mesmo como fonte os grandes incêndios florestais”
António Costa, primeiro-ministro

O contexto

A afirmação do primeiro-ministro foi feita na quarta-feira 22 de Junho, no debate sobre política geral, no Parlamento. Estava inserida numa resposta dada ao deputado João Marques, do PSD, sobre as medidas de combate aos incêndios e ordenamento da floresta.

Os factos

De 1990 a 2020, “o sector da energia, que inclui os transportes é, para toda a série temporal, o principal responsável pelas emissões nacionais de gases com efeito de estufa”, lê-se num memorando da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), que analisa as emissões de gases com efeito de estufa (GEE) de 1990 a 2020.

Os dados mais recentes são relativos a 2020 e, nesse ano, “o sector da energia, que inclui os transportes, representa cerca de 67% das emissões nacionais”, com um decréscimo de 13,2% face a 2019. Nesse sector, a produção de energia eléctrica correspondeu a 18,1% do total de emissões desse ano e os transportes corresponderam a 25,8% do total de emissões.

Também a Pordata diz que é o sector dos transportes que é actualmente o principal responsável pelas emissões de GEE no país (28% das emissões totais; 17.748 milhares de toneladas equivalentes de dióxido de carbono [CO2] em 2019​).

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“Os fogos florestais acabam por ser algo irrelevante em termos de emissões”, diz ao PÚBLICO o presidente da associação ambientalista Zero, Francisco Ferreira. “Não têm grande expressão sem ser em anos de catástrofe.”

Os dados relativos ao sector do solo e das florestas no relatório da APA mostram que esta categoria funciona como sumidouro de carbono desde 1992, ainda que tal tenha sido revertido em 2003 e 2005 “devido aos graves incêndios florestais registados nesse ano”. Também em 2017 este voltou a ser um “emissor líquido”, com um total de 10,2 megatoneladas de dióxido de carbono equivalente. Nesse ano, tal correspondeu a 12% do total das emissões do país.

Questionado pelo PÚBLICO sobre a fonte desta afirmação, o gabinete do primeiro-ministro cita o mesmo relatório do Inventário Nacional de Emissões por Fontes e Remoção por Sumidouros de Poluentes Atmosféricos (INERPA) em que menciona que o sector uso de solo e floresta deixou de ser um sumidouro de carbono “entre 2003 e 2005 devido aos graves incêndios florestais” e que em 2017 voltou a ser um “emissor líquido”, contribuindo para os tais 12% de emissões do país nesse ano. “Esta situação deveu-se aos incêndios florestais ocorridos no ano de 2017, agravados por um ano particularmente seco, associada às altas temperaturas verificadas e a ventos invulgarmente fortes”.

Em 2017, as emissões do sector em que estão integradas as florestas “foram ainda mais significativas (emissões sem incêndios de 70,8 milhões de toneladas e com incêndios de 92,2 milhões de toneladas), tendo representado a segunda maior fonte de emissão a nível nacional”, referiu ainda o gabinete do primeiro-ministro.

No ano de 2017, Portugal foi fustigado por vários incêndios florestais (sobretudo no mês de Junho, em Pedrógão Grande, e de Outubro, na região Centro), que causaram a morte a mais de 100 pessoas. Foi o ano com mais área ardida da década, com cerca de 540 mil hectares ardidos em 2017. Desde 2018 que este sector voltou a ser novamente considerado um sumidouro de carbono, ao ter absorvido 6,8 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente em 2020.

No documento elaborado pela APA sobre as emissões de gases com efeito de estufa de 1990 a 2020 é também referido que o gás com maior representatividade é o dióxido de carbono, com cerca de 73% do total das emissões nacionais, e que tal se deve “à importância do sector da energia e predominância do uso de combustíveis fósseis”. “O sector dos transportes, que é em grande parte dominado pelo tráfego rodoviário, é um dos sectores cujas emissões mais aumentaram no período 1990-2020: 37%”, lê-se no memorando da APA.

Mesmo antes da paragem imposta pela pandemia, o memorando sobre emissões de gases com efeito de estufa da APA relativo a 2019 referia que “o sector da energia, que inclui os transportes, representa cerca de 70% das emissões nacionais”.

Em suma

Não é verdade que os grandes incêndios florestais correspondam à grande parte das emissões de carbono emitidas em Portugal nos últimos anos. Em 2017, o sector das florestas contribuiu com um total de emissões de 10,2 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente, correspondendo a 12% do total das emissões do país. Mas o sector da energia (em que se inclui os transportes) teve mais peso.

Ainda assim, é verdade que as florestas funcionam como sumidouros de carbono e que, quando ardem, esses gases com efeito de estufa são devolvidos à atmosfera. Mas essas emissões não correspondem à maior parte dos gases com efeito de estufa emitida no país. Além disso, nos últimos anos (desde 2018) que o sector do solo e das florestas voltou a ter um saldo favorável e a ser considerado um sumidouro de carbono.

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