Porto acolhe mais de 100 físicos teóricos de todo o mundo

As teorias que governam a física estão a ser debatidas em jardins a partir do Bootstrap um evento que junta mais de cem físicos teóricos e que acontece até 15 de Julho, no Porto.

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Jardim do Círculo Universitário do Porto que vai receber os físicos teóricos presentes no Bootstrap de 2022 durante as tardes Nelson Garrido

Cuidado: se passar pelo Círculo Universitário do Porto pode-se deparar com alguma discussão sobre a teoria de partículas ou a transição de fases. Alguns dos físicos mais conceituados do mundo estão a debater até 15 de Julho pelos jardins deste espaço, no Bootstrap de 2022 – um evento anual que reúne físicos teóricos de todo o mundo em busca de respostas através dos métodos bootstrap e que, este ano, acontece no Porto. O encontro mundial dura um mês.

Desde 2011 que este evento viaja anualmente pelo mundo para reunir cientistas que prezam os princípios de consistência. “Bootstrap é uma coisa algo ilógica. Significa uma pessoa conseguir-se levantar-se puxando os cordões dos seus próprios sapatos – claro que não é possível”, começa por explicar Miguel Sousa Costa, físico teórico que está desde o início neste grupo e é um dos organizadores do evento deste ano. A ideia é representar precisamente que as leis da natureza influenciam-se umas às outras – a natureza puxa os seus próprios cordões, permitindo deduzir o que é consistente com aquilo que já observámos e conhecemos.

Além do também professor da Universidade do Porto, o plantel é composto por investigadores de todo o mundo, desde as mais conceituadas universidades norte-americanas a dois outros portugueses: João Penedones (Escola Politécnica Federal de Lausanne, Suíça) e Pedro Vieira (Instituto Perimeter, Canadá).

Ambos foram alunos de Miguel Sousa Costa no Porto e encontram-se agora para aprender e conversar sobre física a partir das ideias de Geoffrey Chew, que abriu as portas destas técnicas de bootstrap nos anos 1960. “É sobretudo tentar resolver teorias da física pela sua auto-consistência. E essa auto-consistência são condições que estão relacionadas com a causalidade, porque achamos que a física é causal, ou pelo facto de não podemos ter probabilidades negativas, por exemplo”, exemplifica o professor da Universidade do Porto. “Nós conseguimos eliminar muitas teorias ou ideias simplesmente estudando essas condições de consistência e eliminando as que não fazem sentido”.

Chew referia numa entrevista em 1984 que a consistência era a peça-chave nestes métodos. “A ideia de que as leis da natureza são controladas pela consistência e não são arbitrárias”, definia o físico norte-americano, que morreu em 2019.

Ao longo de quatro semanas (de 20 de Junho a 15 de Julho), mais de cem físicos teóricos aplicam estas noções de consistência, que apesar de iniciadas nos 1960 só voltaram a ser uma ferramenta na física na última década – principalmente no entendimento de teorias físicas simétricas.

O bootstrap é um método utilizado, por exemplo, para calcular as relações entre duas partículas descritas, as chamadas funções de correlação. A função de correlação entre dois átomos permite-nos perceber a distância entre eles e compreender (quase) tudo sobre um determinado átomo, mas implicam a utilização de expoentes e coeficientes cujos valores ainda não conhecemos ou são indeterminados. Com as técnicas bootstrap, pretende-se reduzir estas funções ao mínimo necessário para que possam ser mais universais e não depender de factores desconhecidos – simplificando e universalizando o conhecimento. Isto parte, novamente, da ideia de que as leis da natureza se constrangem entre si, definindo que uma teoria deve ser universal e causal, por exemplo.

Ao longo das próximas semanas esta pode ser uma das discussões com que nos cruzaremos se atravessarmos o jardim do Círculo Universitário do Porto. “Hoje, existe um modelo-padrão da física de partículas. A matéria que nos constitui segue algumas regras de interacção e temos de construir teorias que descrevem aquilo que se observa experimentalmente. Em particular, há um problema por resolver há muitos anos: conseguir descrever a força da gravidade num formalismo quântico. A gravidade funciona no sistema solar, o chamado limite clássico, mas se formos para energias muito elevadas ou densidades de matéria muito elevadas (como acontece no buraco negro) deixa de ser válido e precisamos de uma teoria quântica da gravidade”, aponta Miguel Sousa Costa.

Durante a manhã há seminários e palestras em espaço fechado, mas o debate entra pela tarde dentro, no já mencionado Círculo Universitário do Porto, onde estes mais de cem físicos teóricos apresentam trabalhos e discutem ideias. “Durante a tarde, arranjamos uns quadros portáteis e as pessoas estão livremente, nos seus pequenos grupos de trabalho, a discutir uns com os outros e a debater ideias”, diz.

É a segunda vez que este evento decorre no Porto, depois de em 2014 também se terem reunido aqui os físicos adeptos das técnicas de bootstrap.

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